quarta-feira, 26 de maio de 2010

FRASE DA SEMANA

“ A CIDADANIA NÃO É ATITUDE PASSIVA, MAS AÇÃO PERMANENTE EM FAVOR DA COMUNIDADE.”

Tancredo Neves

A constituição de 1988 e a Seguridade Social: Uma disputa em meio à financeirização do Estado



Uma intensa campanha tem se repetido no Brasil há quase vinte anos. É a de que a Constituição de 1988 teria criado obrigações impagáveis para os governantes e que seria preciso modificar sua essência populista e perdulária. Os dois adjetivos são repetidos à exaustão por parcelas da mídia, por políticos conservadores e lideranças empresariais. Na alça de mira desses setores, está o sistema de Seguridade Social, criado há duas décadas.

Este artigo navega na contra-corrente de tais argumentos. Parte de um princípío contrário. A Constituição de 1988 deve ser vista como um dos pontos mais altos de conquistas institucionais obtidos pelos setores populares em toda a História do Brasil. Toda a sua gestação se deu embalada pelas lutas políticas, sociais e econômicas que resultaram no fim do regime ditatorial. O auge das mobilizações aconteceu em 1984, quando milhões foram às ruas exigir Diretas Já e mudanças em um projeto econômico que entrava em seu declínio irreversível.

Além de dedicar todo um capítulo ao alargamento de direitos sociais e da cidadania, a Carta preparou o país para o convívio democrático, após duas décadas de ditadura. Várias de suas conquistas têm sido atacadas desde então, entre elas o sistema de Seguridade Social.

Motivos não faltam. Suas fontes de financiamento, amplas e diversificadas fazem dele o maior orçamento do setor público. E se constituem em um objeto de cobiça para representantes do capital financeiro, que buscam apropriar-se de bens e serviços públicos como forma de maximizar lucros.

Não se trata de uma mera opinião. Quando se examinam os números do orçamento público, os gastos sociais e as despesas financeiras do Estado brasileiro, pode-se ver claramente que estas últimas têm preponderância absoluta sobre todo o resto. Eles serão mostrados mais adiante e tornarão evidente algumas afirmações. Primeiro, é preciso dizer que a Seguridade não só não é deficitária, como é folgadamente superavitária.

Na última década e meia, ocorreram reduções de direitos sociais e desvio de vultosos recursos tributários destinados a investimentos na área social e de infra-estrutura em favor dos gastos com juros e amortizações da dívida pública. Múltiplas causas estão na origem deste processo. As principais são o avanço de políticas favorecedoras da acumulação financeira e a conseqüente retração do caráter público do Estado pela via fiscal.

Antes de seguir adiante, voltemos à Carta Cidadã.

Período de disputas
Os vinte anos de vigência da Constituição brasileira de 1988 coincidem com a implantação definitiva
do neoliberalismo e da hegemonia da acumulação financeira em várias partes do mundo e em
especial na América Latina.
A eleição de Collor de Mello, no final de 1989, consolida a vitória da última vertente. Um discurso
comum animava os partidários da ortodoxia monetarista: era urgente reformar a Constituição recém
promulgada, que tornara o país “ingovernável”. Mudara o balanço de forças no Brasil e a direita
resolvera quebrar contratos selados um ano antes.
A construção do discurso conservador, de que a Lei Maior colocava obstáculos intransponíveis à boa
administração pública ocorreu simultaneamente à crescente financerização da economia brasileira. O
mote da necessidade de contenção de uma suposto excesso de gastos públicos passou a ser ventilado
ao mesmo tempo em que direitos de seguridade social eram estendidos a parcelas dos trabalhadores
que não tinham cobertura previdenciária ou do sistema de saúde pública.
Era perceptível que a acusação buscava mitigar tais conquistas. No início da década de 1990, uma
visão de seguridade democrática e justa, inspirada no sistema de proteção da social-democracia
européia, entrava em conflito com a perspectiva liberal-conservadora.
A reação não tardou. Entre 31 de março de 1992 e 20 de dezembro de 2007, a Carta de 1988 sofreria
62 emendas que visavam, em boa parte, mitigar conquistas democráticas4. Todas foram decididas
sem nenhum tipo de consulta popular, na contramão do que ocorrera entre 1987 e 1988.
A relação que se estabelecia entre inserção internacional, financeirização das contas públicas e
reformas da seguridade social tem uma importância crucial na análise que aqui se propõe.
A política econômica de controle do processo inflacionário nos anos 1990 apoiou-se no uso da
âncora cambial, em taxas de juros elevadas e na rigidez fiscal. Aprofundava-se, na mesma época, a
adesão ao livre-comércio, a liberalização da conta de capital, a desregulamentação do sistema
financeiro doméstico e a reforma do Estado, incluindo as privatizações de ativos públicos. A reforma
do sistema de Seguridade Social passou a ser ventilada como urgente.
Quando se implantou o Plano Real, em 1994, várias de suas estratégias para a estabilização dos
preços conduziram a economia do país a uma grande vulnerabilidade externa. Esta era a
conseqüência da intensificação do processo de abertura comercial combinada com a política de
valorização cambial. Os juros, por conseqüência, eram mantidos em patamares elevados para
contornar as ameaças de crises externas. A dinâmica da financeirização do orçamento público
avançava velozmente, provocando impactos contracionistas em gastos essenciais à manutenção dos
serviços públicos.
O desfecho já é há muito conhecido: a economia passou a conviver com crescentes déficits no
balanço de pagamentos e ficou perigosamente vulnerável. No início de 1999, uma crise cambial,
seguida de ataque especulativo, resultou em perda de reservas e desvalorização cambial.
Havia uma hierarquia de causalidade que ia da vulnerabilidade externa da economia brasileira até
sua posição de desequilíbrio fiscal, impactada pela taxa de juros e pela desvalorização cambial. O
elevado grau de abertura consolidara um processo de financeirização por juros na economia
nacional. A dívida pública cresceu.
Os gastos
Mas a ortodoxia financeira não se voltava para nada disso. Alardeava um suposto descontrole nas
contas públicas, por conta do “excesso de gastos”.
Na verdade, não existia nenhuma relação entre o desenho fiscal de desequilíbrio e as contas
supostamente deficitárias da Seguridade Social, como se alardeava. Eram os gastos financeiros que
determinavam o desequilíbrio fiscal, mas o “mercado” exigia ajuste nas contas da Previdência. As
despesas financeiras eram e são - tidas como irredutíveis. Foi por esse mecanismo de transmissão
que a política econômica afetou profunda e negativamente o sistema de proteção social nos anos
1990 – 2000, revertendo parte das conquistas da Constituição de 1988.
Persistiu, ao longo dos anos 90 e neste início de século, o debate sobre a viabilidade econômica do
sistema de proteção social diante dos direitos assegurados em 1988 e do progressivo envelhecimento
da população. Colocava-se em questão o salário mínimo adotado como piso no cálculo dos
benefícios, a aposentadoria por tempo de serviço, a ausência de idade mínima e as aposentadorias
especiais.
Aspectos contábeis
Os ataques conservadores à Seguridade limitavam-se e limitam-se aos aspectos contábeis e atuariais.
Ignoram o papel fundamental do sistema previdenciário para a acumulação de capital,
particularmente no que diz respeito aos seus efeitos impulsionadores da demanda interna.
Desconsiderava-se também o potencial distributivo do sistema. Segundo Marcio Pochmann (2007),
87% da queda de 6,5% no Índice de Gini verificada entre 1995 e 2004 pode ser explicada pela
contribuição conjunta do aumento do gasto social e do salário mínimo. A seguridade social garante,
portanto, as bases de coesão social da estrutura produtiva, ao assegurar a manutenção das relações de
produção e de promover a reprodução de longo prazo da força de trabalho.
Vale sublinhar novamente: A crítica ao sistema de proteção social passa ao largo dos efeitos
negativos das elevadas taxas de juros sobre a deterioração do resultado fiscal, bem como dos
impactos perversos da financeirização da economia brasileira. Estes se traduziam na manutenção em
patamar muito baixo da taxa de acumulação de capital fixo produtivo e na redução da participação
dos salários na renda nacional. A absorção e esterilização na circulação financeira e na acumulação
patrimonial de parte expressiva da renda era (e ainda é) a razão fundamental para o baixo
crescimento econômico brasileiro (BRUNO,2008)
Ao longo dos últimos anos, o superávit primário assumiu patamares progressivamente ascendentes,
tendo passado de 3,3% em 1999 para 4,6% do PIB em 2004. Não há compromisso com crescimento,
emprego e renda por parte da politica fiscal. Há o comprometimento explícito com a trajetória de
sustentabilidade da dívida pública e com a contenção da demanda agregada. Implicitamente, porém,
o comprometimento não é este, é com a liquidez dos títulos da dívida pública.
A atuação do Banco Central também se modificou. O governo associou o regime de câmbio
flutuante ao regime de metas de inflação e o que se verificou, posteriormente, foi a manutenção de
uma política prolongada de juros altos. Novas rodadas de reformas redutoras dos gastos públicos
foram exigidas, pelo conservadorismo, para contornar os impactos fiscais negativos dos juros.
Seguindo esta lógica, as reformas da Previdência em 1998 e 2003 foram feitas, essencialmente, por
razões fiscais. Porém, a justificativa era a necessidade de se assegurar a viabilidade de longo prazo
do sistema.
Mais emblemático, ainda, para o conjunto do ajuste neoliberal, foi a aprovação da Lei de
Responsabilidade Fiscal, em 2000. Este dispositivo legal limitou as despesas com pessoal, dificultou
a realização de investimentos públicos e restringiu a geração de novas despesas de custeio, de forma
que as metas anuais de resultados fiscais mantivessem o montante da relação dívida pública/PIB sob
controle. Não havia nenhum limite aos gastos com juros. Os dispêndios com proteção social foram,
assim, atingidos por esse “senso de responsabilidade fiscal”, que exige mudanças estruturais e
quebras de contratos com a cidadania.
Números devastadores
As tabelas a seguir mostram uma sequência dos efeitos devastadores que a liberalização comercial e
financeira causou sobre a dívida pública e sobre os gastos sociais e financeiros de União.
A dívida pública líquida mostra uma trajetória explosiva entre o lançamento do Plano Real e 2003.
De 29,3% do PIB em 1994, chega, em 1999 a 49,7% e, em 2003, ao patamar de 58,7% do PIB, ou
seja, cresceu 29 pontos percentuais neste intervalo, como mostra a Tabela 1. Nesse período, o peso
da dívida externa e da dívida interna indexada à taxa de câmbio fazia com que mudanças bruscas no
ambiente externo resultassem em forte impacto na dívida do setor público. Havia estreita articulação
entre juros, flutuação do câmbio e o valor da relação dívida/PIB.
A partir de 2004, em função da melhora do cenário internacional e da redução da fragilidade externa
da economia brasileira, o indicador divida/PIB sofreu paulatina redução. Caiu a participação da
dívida externa e da dívida indexada ao dólar.
Tal estratégia, entretanto, implicou custos elevados, uma vez que o governo, ao fazer a mudança para
títulos em reais, trocou uma dívida antiga e barata por uma dívida nova e cara. Contudo não está
eliminada a possibilidade de recomposição do perfil anterior da dívida pública – ou seja, o aumento
de sua dolarização - na ocorrência de nova fragilidade externa, dada a ausência de controles de
capitais na economia brasileira. Assim, a fragilidade da gestão da dívida, embora mais reduzida,
persiste, especialmente em cenários de instabilidades externas. O aprofundamento do contenção
fiscal, com a forte elevação do superávit primário, veio para contra-restar os impactos negativos da
conta de juros.
Ressalte-se, aqui, mais uma vez, que esse desenho fiscal nada tem a ver com a suposta situação
deficitária da Previdência ou com o tamanho desproporcional do Estado. Os juros se mantiveram
altos em função do peso da acumulação financeira sobre a gestão da política macroeconômica numa
economia aberta e da adoção do regime de metas inflacionárias. Os títulos vinculados à Selic
compõem a maioria esmagadora dos títulos públicos, o que contribui para deteriorar as condições
financeiras do governo diante de uma política de juros altos.
O ônus dessa política sobre o conjunto das despesas públicas é impactante. A tabela 2, a seguir,
mostra a evolução dos gastos, medidos em valores reais (usando o IGP-DI como deflator), em áreas
essenciais ao bem-estar da sociedade e, simultaneamente, dos gastos com juros e amortização da
dívida pública. O método de agregação proposto para mensurar gastos sociais selecionados utiliza os
registros de despesas por função do governo federal. Os gastos financeiros foram coletados das
tabelas de despesas da União por grupo de natureza, pelo conceito de despesa executada/despesa
liquidada em cada exercício.
Os gastos financeiros com juros e amortização da dívida subiram de de R$157,7 bilhões, em 2000,
para R$236,9 bilhões, em 2007, um crescimento real de 50%. Os gastos sociais selecionados na
Tabela 2 cresceram muito menos, em 35% em valores reais, sustentados pelos gastos
previdenciários. A despesa com Previdência Social cresceu em 40,13% entre os anos de 2000 e 2007
e os gastos com Assistência Social evoluíram consideravelmente. Observa-se que, enquanto subiam
os gastos financeiros, houve uma queda nos gastos com educação e cultura (-6,7%) e habitação e
saneamento (-98,8%).
O que se pode constatar é que o conjunto dos gastos com o sistema de Seguridade Social só se
expandiu porque a Constituição Federal assegura direitos sociais e vincula as receitas de
contribuições às despesas. O país gastou menos em outros setores da área social porque o avanço dos
gastos financeiros limitou os recursos destinados às ações do Estado nessas áreas.
No ano de 2007 foram gastos, com juros, seis vezes mais recursos do que tudo o que foi dispendido
conjuntamente na função assistência social, a qual abarca os programas de transferências a pessoas
com aguda insuficiência de renda, incluindo os idosos e portadores de deficiência, os atendidos pelo
bolsa família e os que recebem renda mensal vitalícia. Apenas o programa bolsa família atinge 11,1
milhões de famílias, perfazendo uma população total estimada a 45,8 milhões de pessoas. Os gastos
com juros atendem aos interesses de 20 mil clãs parentais (POCHMANN, 2007). A luta contra a
miséria e a pobreza está em plano secundário. O regime de acumulação financeira por juros
manifesta-se através de uma política macroeconômica cerceadora dos avanços no sistema de
proteção social.
Se mensurados de acordo com a participação no PIB, os dados da tabela 3 revelam que os gastos
com juros e amortização são os mais elevados do governo federal: equivaleram a 11,7%, em 2006 e a
9,3% do PIB, em 2007, enquanto os gastos com Previdência ficaram, em média, em 7% para igual
período. O gasto com saúde e educação permaneceram estagnados num patamar médio de 1,7% e
0,8% do PIB, respectivamente, ao longo dos oito anos.
Embora o conjunto de fatores econômicos acima descritos determinem impactos negativos sobre as
variáveis de sustentação do Sistema Previdenciário – nível de emprego formal e patamar de salários
– o desempenho do Sistema de Seguridade social foi apenas parcialmente prejudicado ao longo dos
últimos anos.
A tabela 4 contém um demonstrativo do resultado do sistema de Seguridade Social para o período
2000 a 2007, com suas receitas estabelecidas na Constituição: Contribuição ao INSS, COFINS,
CPMF, CSLL, PIS/PASEP e a receita de concursos de prognósticos. Constata-se, pela penúltima
linha dessa tabela, que o sistema foi superavitário durante todo o período. O governo pôde dispor de
recursos excedentes em montantes consideráveis. O superávit foi de R$58 bilhões, em 2005, de
R$50,9 bilhões em 2006 e, no ano de 2007, alcançou R$69 bilhões. Ao decidir sobre sua utilização,
no entanto, o governo deixou de gastá-los com serviços de saúde, previdência e assistência social,
para aplicá-los no orçamento fiscal em despesas arbitrariamente escolhidas e para o acúmulo dos
superávits primários elevados dos últimos tempos (GENTIL, 2006 e 2007).
Com o excedente de recursos do sistema de seguridade social do ano de 2007 o governo poderia ter
aumentado em 75% o sistema de saúde pública ou ter elevado as transferências de renda a pessoas
carentes em quase três vezes.
A desvinculação
Há que se fazer menção ao mecanismo fiscal mais importante de alimentação desse processo de
financeirização do orçamento público. Para que parte substancial da arrecadação do orçamento da
seguridade social se tornasse fonte de financiamento de outros propósitos fiscais, foi criada a
desvinculação das receitas da União (DRU), estabelecida através de emenda ao texto constitucional,
autorizando o governo a utilizar 20% dos recursos arrecadados de forma livre de qualquer vinculação
a despesas específicas. Com este mecanismo, receitas da seguridade social passaram a ser legalmente
deslocadas do seu orçamento próprio para o orçamento fiscal, destinadas a qualquer uso. Entretanto,
têm sido desviadas muito mais, conforme fica demonstrado na última linha da Tabela 4. Apenas no
ano de 2007, o governo federal desvinculou R$30,9 bilhões acima do limite de 20% que lhe é
legalmente permitido. Valores significativos também foram excluídos nos anos anteriores, chegando
a um montante de R$152 bilhões no espaço de oito anos.
Conclusão
Os dados revelam que Sistema de Seguridade social foi criado com uma estrutura de financiamento
apoiada em sólidas e diversificadas bases de arrecadação que, até o momento, está preservada no
texto da Constituição. O sistema não está e nem tende para uma situação deficitária como apregoa o
discurso padronizado da mídia. As investidas liberais-privatizantes da política econômica
desencadeadas nos três últimos governos não conseguiram ou, pelo menos, ainda não conseguiram,
viabilizar econômica e politicamente sua alteração.
O sistema de seguridade social sobreviveu a vinte anos de predomínio de políticas econômicas
conservadoras, sofreu algumas reformas paramétricas, mas seus alicerces permanecem intactos na
letra da Constituição.
Sob a vigência de um regime de acumulação financeirizado, entretanto, a expansão e
aperfeiçoamento das políticas de proteção social esbarram em limites muito estreitos, porque os
recursos do sistema de seguridade social são crescentemente drenados para dar suporte aos gastos
financeiros do orçamento público. Além disso, o sistema de assistência social se configurou, na
prática, fortemente cercado de condicionalidades e acessos fortemente restritivos, ainda distante do
espírito universalista e redistributivo da Constituição de 1988. O sistema de previdência permanece,
em grande parte, voltado para os segmentos formais da economia, com transferências de cunho
contributivo.
O ritmo de acumulação de capital fixo produtivo teria que ser muito mais elevado para provocar um
crescimento veloz do emprego formal e do salário médio, de forma a elevar o grau de cobertura
proporcionado pelo sistema de previdência. Nos marcos do atual regime de acumulação
financeirizado, entretanto, o crescimento econômico mantém-se contido, em função da elevada carga
de juros sobre o PIB e pela instabilidade da demanda efetiva, determinada, em parte, pelo comercio
externo.
A superação dessa estrutura econômica exige luta política e social de envergadura por parte dos
trabalhadores e do povo brasileiro em defesa dos direitos sociais e das conquistas políticas da
Constituição de 1988. Esta luta política implica também em libertar o funcionamento da economia
dos interesses financeiros que têm prevalecido. Comemorar os vinte anos de existência da
Constituição é mais que uma manifestação coletiva em defesa de seu fortalecimento. É uma
comemoração das vitórias dos movimentos populares do passado que deixam um rastro de esperança
para o futuro.
Bibliografia:
BRUNO, Miguel (2008). Transição Demográfica e Regime de Acumulação Financeirizado no
Brasil: ‘bônus` ou ‘ônus’ para a Previdência Social?”. In: FAGNANI, E.; HENRIQUE, W.; LÚCIO,
C.G. Previdência Social: Como Incluir os Excluídos? Campinas, Instituto de Economia – Unicamp,
Centro de Estudos Sindicais e do Trabalho – CESIT.
GENTIL, Denise L. (2006). A Política Fiscal e a Falsa Crise da Seguridade Social Brasileira –
Análise Financeira do Período 1990-2005. Tese de doutorado – Instituto de Economia/UFRJ, Rio de
Janeiro.
________________ (2007). Seguridade Social no Brasil: análise financeira do período recente. In:
SICSÚ, J. (Org.). Arrecadação (de onde vem?) e Gastos Públicos (para onde vão?). São Paulo,
Boitempo.
POCHMANN, M. (2007). Gasto Social, o nível de emprego e a desigualdade da renda do trabalho
no Brasil. In: SICSÚ, J. (Org.). Arrecadação (de onde vem?) e Gastos Públicos (para onde vão?). São
Paulo, Boitempo.
Notas:
1 Artigo publicado no livro VAZ, Flávio Tonelli; MUSSE, Juliano Sander; DOS SANTOS, Rodolfo
Fonseca (Org.) “Vinte Anos da Constituição Cidadã: Avanços e Desafios da Seguridade Social”.
Brasília, ANFIP, 2008.
2 Professora do Instituto de Economia da UFRJ e Diretora-Adjunta da Diretoria de Macroeconomia
do IPEA.
3 Historiador, pesquisador do IPEA e professor da Fundação Cásper Líbero
4 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Emendas/Emc/quadro_emc.htm
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segunda-feira, 17 de maio de 2010

FRASE DA SEMANA

“ A SELEÇÃO BRASILEIRA É UMA SELEÇÃO SEM VÍCIOS. NÃO FUMA, NÃO BEBE E NÃO JOGA.”

José Simão
Humorista

A eleição presidencial e os seus riscos

Eleições
Paulo Passarinho
Sex, 14 de maio de 2010 10:09

Formalmente, não entramos ainda na fase de campanha eleitoral. Mas, levando-se em conta a legislação, temos os chamados pré-candidatos e, particularmente, os candidatos extra-oficiais, arbitrados pela imprensa dominante. As páginas dos jornais de grande circulação, os telejornais e outros programas televisivos, além de estações de rádios, já deram início à fase de cobertura jornalística da dita corrida presidencial, restringindo a disputa a apenas três postulantes à presidência da República.

Dilma Rousseff, José Serra e Marina Silva foram os eleitos pelo oligopólio que controla a mídia, coerente com os interesses de quem financia predominantemente esses meios de comunicação, e que, coincidentemente, também se constituem como os principais financiadores das campanhas eleitorais. São bancos, construtoras, seguradoras, mineradoras, siderúrgicas, empresas ligadas ao agronegócio, além de transnacionais de outras áreas.

Esses setores vão jogar dinheiro nesses candidatos, pois todos eles oferecem sólidas garantias de manutenção de todo o arcabouço jurídico-institucional que se construiu no país, a partir dos governos de FHC, bem como da política macroeconômica sob controle de bancos e instituições financeiras.

Desses três diferentes candidatos, duas são mulheres - ex-ministras do governo Lula - e o outro é o tucano postulante à presidência, já derrotado uma vez, em 2002.

Dilma é a candidata do governo; Serra seria a oposição à direita; e Marina, correndo por fora, a alternativa verde, com seu programa eco-capitalista, independentemente do que possamos entender o que isso significa.

Para os mais críticos, essa disputa teria uma natureza meio Lexotan, possibilitando doses cavalares de sono, além da garantia - já percebida pelos financiadores de campanha - de que tudo, em suas linhas gerais, continuará na mais perfeita ordem dos que dominam o país.

Contudo, muitas vezes o inusitado acontece, nem que seja por conta do próprio sono ou pelo horário matinal das entrevistas realizadas com esses candidatos.

Foi o que ocorreu com o tucano Serra, nesta última segunda-feira, dia 10 de maio.

Entrevistado pela rádio CBN, de propriedade das Organizações Globo, Serra se envolveu em uma discussão com a jornalista Miriam Leitão, por conta de suas opiniões em relação ao Banco Central, espécie de bunker da política econômica recomendada pelos tais setores dominantes, financiadores da mídia e dos políticos de confiança do mundo do capital.

Serra criticou a condução da política monetária, as altas taxas de juros e, especialmente, a ação do Banco Central no segundo semestre de 2008, em meio à crise financeira global.

Questionado pela jornalista se, caso eleito, iria respeitar a autonomia do Banco Central, Serra se mostrou bastante irritado, respondendo que seria uma grande bobagem um presidente observar que o seu banco central erra e nada fazer. O tucano chegou a afirmar que "o Banco Central não é a Santa Sé" - como se suas medidas não pudessem ser questionadas -, ponderando, entretanto, que isso não significa não dar condições de autonomia e trabalho à instituição.

Foi o suficiente para que as editorias dos jornais encontrassem, nessas declarações, a centelha que faltaria para esquentar o debate entre os presidenciáveis eleitos pelos donos da mídia dominante. O jornal O Globo chegou a estampar uma manchete, no dia seguinte à entrevista, veiculando o brado de Serra de que Igreja e Banco Central não devem ser confundidos.

Esforço em vão e destaque imerecido. Na própria segunda-feira, na parte da tarde, Serra já procurava esclarecer a sua posição, afirmando que a sua relação com o Banco Central, caso ele venha a ganhar as eleições, seria idêntica à conduta assumida por FHC e Lula frente à instituição. E aproveitou a ocasião para atribuir ao horário da entrevista na rádio CBN - 8h da manhã - a sua irritação, ou falta de bom humor, nas respostas dadas à jornalista da emissora, de quem se declarou "um grande admirador".

Será difícil, assim, a imprensa dominante tentar esquentar a polêmica entre os seus candidatos, a partir da oralidade de Serra.

O dado curioso dessa falsa polêmica foi a rapidez com que as ex-ministras de Lula - Marina e Dilma - procuraram se posicionar, afastando qualquer tentativa de crítica à atuação do Banco Central. A "alternativa" Marina não somente destacou que "a experiência brasileira mostra que foi acertada a autonomia do Banco Central", como aproveitou para defender o tripé da política macroeconômica: superávit primário, câmbio flutuante e metas de controle de inflação.

A depender dos três candidatos da mídia dominante, além do palpitante clima Lexotan da campanha, teremos esse mantra liberal a embalá-la. Haja resistência a tanta mesmice!

Porém, a vida pelo mundo afora nos mostra que essas certezas desses três candidatos - com relação à predominância do setor financeiro na condução dos nossos destinos - pode nos produzir surpresas desagradáveis.

A crise financeira global, que para muitos já havia se dissipado após as instabilidades do segundo semestre de 2008, voltou a se manifestar com vigor. O continente europeu, sacudido pela crise na Grécia, sente que os prejuízos dos seus bancos - e de bancos americanos, também - não ficarão restritos a Atenas. Depois de um pacote de 110 bilhões de euros, articulado conjuntamente pela União Européia e pelo FMI - para salvar bancos e não os gregos, e onde até o Brasil foi convocado a dar a sua contribuição - uma outra vultosa operação financeira foi engendrada. No montante de 750 bilhões de euros, agora voltado para a cobertura dos demais países europeus com dificuldades de pagamento frente aos seus diligentes credores, linhas de financiamentos para a garantia de novos empréstimos e recursos para um fundo de estabilização e para operações de crédito foram as medidas anunciadas.

Na Grécia, a crise já transborda para a esfera política e, em outros países europeus, como é o caso de Espanha, Portugal, Irlanda e Itália, o caminho poderá ser o mesmo. Na Espanha - onde os seus bancos tem estreitos negócios com o Brasil -, o anúncio de um pacote de medidas fiscais, que incluem corte de salários e de investimentos, além de congelamento de aposentadorias e direitos sociais, fará com que ações de resistência da população afetada venham a ser cada vez mais fortes.

A grande questão será a capacidade que os setores de esquerda desses países terão - ou não - de saberem traduzir as angústias das ruas e das fábricas em programas de ação e políticas de Estado capazes de oferecer soluções para a crise, de acordo com os interesses dos trabalhadores e não dos financistas.

Nos anos 1930, a crise capitalista empurrou a ascensão de partidos de direita - inclusive o nazista, na Alemanha - ao poder, em vários países da Europa. Agora, com uma social-democracia que já se rendeu ao neoliberalismo há muitos anos, urge que uma esquerda renovada, combativa e sensível aos dilemas do dia-a-dia do povo - e não apenas a doutrinas ideológicas, muitas vezes ultrapassadas ou inócuas - se coloque como protagonista da luta, política, econômica e cultural de massas.

Aqui no Brasil, por outro lado, vivemos a oportunista e alienada euforia que a maior parte da ex-esquerda assume, com o aparente sucesso dos efeitos do modelo liberal-periférico, e a popularidade de Lula. Nesse quadro, a fragmentação da esquerda brasileira - que não se rendeu à guinada política e ideológica do Partido dos Trabalhadores - na disputa presidencial desse ano não é um bom indício. Nem, tampouco, se pautar - como linha de intervenção de suas diferentes candidaturas - na combinação da denúncia das mazelas sociais e econômicas em que vivemos, com a mera propaganda ideológica de um socialismo futuro e abstrato.

13/05/2010

Paulo Passarinho é economista e presidente do CORECON-RJ

domingo, 9 de maio de 2010

FRASE DA SEMANA

“ JUSTIÇA ATRASADA É JUSTIÇA NEGADA”.

Willian Gladstone
Jurista e político britânico

Emblemas da degradação

Eleições
Léo Lince
Qui, 29 de abril de 2010 14:22

A notícia, quando saiu nos jornais em meados de março, provocou o impacto de uma pluma caindo sobre o carpete. Ninguém disse nada, nenhum dos analistas usuais de nossa vida política teceu qualquer comentário. Logo, página virada, a gravidade do fato noticiado ganhou a consistência fantasmagórica do inaveriguável. E agora lateja sob o manto do silêncio.

No fato em si não há nada demais: o deputado federal José Eduardo Cardoso, do PT paulistano, anunciou que não vai concorrer nas eleições deste ano. Desistiu, cansou, está desiludido. O motivo da desistência é o que confere gravidade ao gesto e onde reside o x do problema.

Não se trata de crise pessoal, doença ou infelicidades do gênero. Pelo contrário, o deputado goza de boa saúde e, segundo a crônica social, até namorada ele arranjou nos labirintos rarefeitos do Congresso Nacional. Também não perdeu apreço pelo trabalho parlamentar, que considera importantíssimo. Tampouco se declara decepcionado (talvez devesse) com seu partido e menos ainda com o governo Lula, onde, dizem as más línguas, postulou vaga no ministério.

A razão da desistência está centrada em uma única questão, definida com todas as letras na carta enviada aos seus colegas de partido. Lá diz que: "no sistema eleitoral atual, o sucesso de uma campanha depende mais dos recursos financeiros do que das idéias definidas pelo candidato". Mais: "são os recursos financeiros cada vez mais que definem o sucesso de uma campanha...".

Diagnóstico terrível, além de verdadeiro. Basta ver a série eleitoral. Os chamados "candidatos de opinião", que mobilizam militância voluntária e cidadã na defesa de idéias, causas e projetos, estão perdendo espaço para os que operam negócios na política. Cada eleição bate o recorde anterior: até a próxima ela será a mais cara da nossa história. O padrão dominante da política pede chefes de executivos que intermedeiam negócios e bancadas das grandes corporações nos parlamentos.

A notícia da desistência se torna mais grave ainda por ser petista o desiludido. Está no segundo mandato federal, foi vereador destacado na maior cidade da America Latina. Não faz muito, disputou com boa votação a presidência do seu partido, onde ocupa a Secretaria Geral, o segundo cargo em importância no Diretório Nacional. O PT, como se sabe, polarizou e ganhou em campanhas caríssimas as duas últimas eleições presidenciais, recebe a parte do leão do fundo partidário e, por razões óbvias, é o partido melhor aquinhoado pelo seleto grupo de financiadores privados de campanha.

O Secretário Geral de tal partido, localizado no vértice da ordem dominante, declara que só se candidataria se houvesse "uma radical reforma no sistema político". Reforma, aliás, em favor da qual o seu partido não moveu uma palha sequer. E, mais grave, acrescenta que: "o sistema político brasileiro traz no seu bojo o vírus da procriação da corrupção e das práticas não republicanas". Desiste de ser candidato, mas segue sorridente no ajuntamento dos beneficiários da supremacia plena da pequena política.

O cidadão comum, pálido de espanto, se posta diante de tal quadro de difícil compreensão. Os sinais de alerta, pequenos avisos, lhe chegam como cartas embaralhadas. O caso em pauta é mais um disparo telegráfico, um condensado que espelha o processo mais amplo de degradação do esquema político dominante. O diagnóstico terrível, o gesto da desistência e o torpor do conformismo, embrulhados no manto de silêncio, são, sem dúvida, emblemas da degradação.

Rio, abril de 2010.

Léo Lince é sociólogo e mestre em ciência política

27º Programa Cidadania e Socialismo

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