terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

FRASE DA SEMANA

“ A TECNOLOGIA MODERNA É CAPAZ DE REALIZAR PRODUÇÃO SEM EMPREGO. O DIABO É QUE A ECONOMIA MODERNA NÃO CONSEGUE INVENTAR O CONSUMO SEM SALÁRIO”.

Herbert de Souza
( Betinho )

Crescimento da ‘Classe C’ não resulta de políticas conjunturais de governo algum

Escrito por Guilherme Costa Delgado
20-Fev-2010



Há uma profusão de análises sócio-econômicas, sócio-políticas e também mercadológicas sobre um fenômeno que por simplificação comunicativa vou chamar de emergência de uma classe média baixa, com rendimentos familiares entre 1 a 4 ou 5 salários mínimos. Este grupo costuma figurar na classificação das pesquisas de mercado com a denominação de Classe "C"- há variantes dessa estratificação, que contudo não invalidam o cerne do fenômeno.



Essa Classe C tem aumentado consistentemente em cada PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio do IBGE) sua participação naquilo que a partir dos dados dessa Pesquisa se denomina distribuição de renda, que na verdade é a distribuição da renda do trabalho, acrescida da renda oriunda dos direitos sociais.



É tal a importância dessa "Classe C" que os politólogos a vêem como uma espécie de "mala de votos" que elegeria o futuro presidente; os pesquisadores de mercado a vêem como consumidora virtual de um mercado interno em transformação; os pesquisadores das ciência sociais falam em um novo fenômeno de mobilidade social de massa, com reflexos já observados na melhoria da distribuição da renda do trabalho (conforme diferentes indicadores que se adotem no período 1996-2008, utilizando-se os dados anuais das PNADs).



O tamanho absoluto desse grupo social é de cerca de metade dos domicílios totais do país, apurados nessa Pesquisa Domiciliar entre 2006 e 2008. Em termos de renda familiar, esse grupo pode ser descrito pela faixa de renda de ½ a 2 salários mínimos per capita e correspondeu respectivamente a 50,3% e 51,7%do total das famílias brasileiras, segundo as respectivas estimativas das PNADs de 2006 e 2008.



O fato sócio-econômico



O crescimento da Classe "C" é evidência empiricamente demonstrável, com implicações também demonstráveis na melhoria da distribuição da renda dos trabalhadores. As conseqüências deste fato social comportam muitas leituras, como destacamos no início deste artigo. Mas falta esclarecer sobre as causalidades do fenômeno, que é observável há mais de uma década (a melhoria do Índice de Gini das PNADs é sistemática de 1996 até 2008).



As causas reais da melhoria continuada da distribuição da renda do trabalho, nas versões oficiais ou oficiosas, seriam atribuíveis ou à estabilização monetária (governo Fernando Henrique Cardoso) ou ao Programa Bolsa Família (governo Lula), ou ainda seriam reflexo de uma espécie de geração espontânea, oriunda da dinâmica do próprio mercado de trabalho, onde se observou ciclo fortemente ascendente de emprego formal.



Todas essas versões que circulam abundantemente nas mídias impressas teimam em desconhecer um fato notório. A estruturação dos direitos sociais nos sistemas previdenciários geridos pelo INSS e demais benefícios monetários e em espécie da Seguridade Social (Saúde, Seguro Desemprego e Assistência Social), pelo seu peso quantitativo absoluto e ainda pelo vínculo dessas políticas à valorização do salário mínimo, são o vetor permanente e principal, explicativo do surgimento dessa Classe "C". Ademais, houve crescimento forte do emprego formal, restrito às faixas de 1 a 3 salários mínimos, com a conotação de que esse emprego demanda avidamente a condição da formalização, que implica sua inserção no campo dos direitos sociais.



Essa categoria sócio-econômica que tem crescido no Brasil não é fruto do acaso ou de políticas conjunturais do governo. Reflete, sim, a consciência crescente e o exercício cidadão de demandas por direitos sociais. Minimizar este fenômeno é um equívoco; atribuí-lo apenas à operação do governo atual não é verdadeiro; desvinculá-lo da política social do Estado brasileiro não ajuda a entender o fenômeno.



Estratégias tácitas ou explícitas de constrangimento ou reversão dos direitos sociais básicos e da política gradual de valorização do salário mínimo, que se aninham em conjecturas de "reformas" tributária e previdenciária das principais candidaturas presidenciais, sob a etiqueta da contenção a qualquer custo dos gastos correntes do Orçamento, estão na contramão da dinâmica desta Classe "C", cuja espinha dorsal depende dos gastos correntes com benefícios monetários e em espécie da política social de Estado (atualmente esses benefícios correspondem a ¼ do PIB).



Finalmente, superado o ceticismo sobre a existência do fenômeno da ascensão desse grupo social, cabe indagar sobre o significado deste fato social. É irreversível? É causa eficaz da mudança da distribuição da renda do trabalho, com conseqüências sobre a ampliação do mercado interno? Faz avançar a consciência social? Ou é apenas objeto mercadológico passivo e de manipulação eleitoral, como aparentemente o observam consultores e analistas freqüentes dos cadernos econômicos e culturais dos principais jornais do país?



Guilherme Costa Delgado é doutor em Economia pela UNICAMP e consultor da Comissão Brasileira de Justiça e Paz.

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

FRASE DA SEMANA

“ CARNAVAL É O PERÍODO EM QUE AS PESSOAS FESTEJAM NO SEU MUNDO COM A FANTASIA DE QUE ESTÃO EM OUTRO. “

Eliane de Oliveira

Caros generais, almirantes e brigadeiros

Segurança Pessoal e Direitos Humanos

Marcelo Rubens Paiva

Eu ia dizer "caros milicos". Não sei se é um termo ofensivo. Estigmatizado é. Preciso enumerar as razões?

Parte da sociedade civil quer rever a Lei da Anistia. Sugeriram a Comissão da Verdade, no desastroso Programa Nacional de Direitos Humanos, que Lula assinou sem ler. Vocês ameaçaram abandonar o governo, caso fosse aprovado.

Na Argentina, Espanha, Portugal, Chile, a anistia a militares envolvidos em crimes contra a humanidade foi revista. Há interesse para uma democracia em purificar o passado.

Aqui, teimam em não abrir mão do perdão. E têm aliados fortes, como o presidente do Supremo, Gilmar Mendes, e o ministro da Defesa, Nelson Jobim, que apesar de civil apareceu num patético uniforme de combate na volta do Haiti. Parecia um clown.

Vocês pertencem a uma nova geração de generais, almirantes, tenentes-brigadeiros. Eram jovens durante a ditadura. Devem ter navegado na contracultura, dançado Raul Seixas, tropicalistas. Usaram cabelos compridos, jeans desbotados? Namoraram ouvindo bossa nova? Assistiram aos filmes do Cinema Novo?

Sabemos que quem mais sofreu repressão depois do Golpe de 64 foram justamente os militares. Muitos foram presos e cassados. Havia até uma organização guerrilheira, a VPR, composta só por militares contra o regime.

Por que abrigar torturadores? Por que não colocá-los num banco de réus, um Tribunal de Nuremberg? Por que não limpar a fama da corporação?

Não se comparem a eles. Não devem nada a eles, que sujaram o nome das Forças Armadas. Vocês devem seguir uma tradição que nos honra, garantiu a República, o fim da ditadura de Getúlio, depois de combater os nazistas, e que hoje lidera a campanha no Haiti.

Sei que nossa relação, que começou quando eu tinha 5 anos, foi contaminada por abusos e absurdos. Culpa da polarização ideológica da época.

Seus antecessores cassaram o meu pai, deputado federal de 34 anos, no Golpe de 64, logo no primeiro Ato Institucional. Pois ele era relator de uma CPI que investigava o dinheiro da CIA para a preparação do golpe, interrogou militares, mostrou cheques depositados em contas para financiar a campanha anticomunista. Sabiam que meu pai nem era comunista?

Ele tentou fugir de Brasília, quando cercaram a cidade. Entrou num teco-teco, decolou, mas ameaçaram derrubar o avião. Ele pousou, saltou do avião ainda em movimento e correu pelo cerrado, sob balas.

Pulou o muro da embaixada da Iugoslávia e lá ficou, meses, até receber o salvo-conduto e se exilar. Passei meu aniversário de 5 anos nessa embaixada. Festão. Achávamos que a ditadura não ia durar. Que ironia...

Da Europa, meu pai enviou uma emocionante carta aos filhos, explicando o que tinha acontecido. Chamava alguns de vocês de "gorilas". Ri muito quando a recebi.

Ainda era 1964, a família imaginava que fosse preciso partir para o exílio e se juntar na França, quando ele entrou clandestinamente no Brasil.

Num voo para o Uruguai, que fazia escala no Rio, pediu para comprar cigarros e cruzou portas, até cair na rua, pegar um táxi e aparecer de surpresa em casa. Naquela época, o controle de passageiros era amador.

Mas veio a luta armada, os primeiros sequestros, e atuavam justamente os filhos dos amigos e seus eleitores - ele foi eleito deputado em 1962 pelos estudantes.

A barra pesou com o AI-5, a repressão caiu matando, e muitos vinham pedir abrigo, grana para fugir. Ele conhecia rotas de fuga. Tinha um aviãozinho. Fernando Gasparian, o melhor amigo dele, sabia que ambos estavam sendo seguidos e fugiu para a Inglaterra. Alertou o meu pai, que continuou no País.

Em 20 de janeiro de 1971, feriado, deu praia. Alguns de vocês invadiram a nossa casa de manhã, apontaram metralhadoras. Depois, se acalmaram. Ficamos com eles 24 horas. Até jogamos baralho. Não pareciam assustadores. Não tive medo. Eram tensos, mas brasileiros normais.

Levaram o meu pai, minha mãe e minha irmã Eliana, de 14 anos. Ele foi torturado e morto na dependência de vocês. A minha mãe ficou presa por 13 dias, e minha irmã, um dia.

Sumiram com o corpo dele, inventaram uma farsa (a de que ele tinha fugido) e não se falou mais no assunto.

Quando, aos 17 anos, fui me alistar na sede do 2º Exército, vivi a humilhação de todos os moleques: nos obrigaram a ficar nus e a correr pelo campo. Era inverno.

Na ficha, eu deveria preencher se o pai era vivo ou morto. Na época, varão de família era dispensado. Não havia espaço para "desaparecido". Deixei em branco.

Levei uma dura do oficial. Não resisti: "Vocês devem saber melhor do que eu se está vivo." Silêncio na sala. Foram consultar um superior. Voltaram sem graça, carimbaram a minha ficha, "dispensado", e saí de lá com a alma lavada.

Então, só em 1996, depois de um decreto-lei do Fernando Henrique, amigo de pôquer do meu pai, o Governo Brasileiro assumiu a responsabilidade sobre os desaparecidos e nos entregou um atestado de óbito.

Até hoje não sabemos o que aconteceu, onde o enterraram e por quê? Meu pai era contra a luta armada. Sabemos que antes de começarem a sessão de tortura, o brigadeiro Burnier lhe disse: "Enfim, deputadozinho, vamos tirar nossas diferenças."

Isso tudo já faz quase 40 anos. A Lei da Anistia, aprovada ainda durante a ditadura, com um Congresso engessado pelo Pacote de Abril, senadores biônicos, não eleitos pelo povo, garante o perdão aos colegas de vocês que participaram da tortura.

Qual o sentido de ter torturadores entre seus pares? Livrem-se deles. Coragem.

Marcelo Rubens Paiva é escritor

Fonte: http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20100130/not_imp503836,0.php

16ª Programa Cidadania e Socialismo

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quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

FRASE DA SEMANA

“ MENINO QUANDO MORRE VIRA ANJO. MULHER QUANDO MORRE VIRA UMA FLOR NO CÉU. MALANDRO QUANDO MORRE VIRA SAMBA”.

Chico Buarque

Belo Monte: a pedagogia da palhaçada e da corrupção

Escrito por Rodolfo Salm
03-Fev-2010



Começar o ano e retomar o trabalho nem sempre é muito fácil. Especialmente no que se refere a tarefas que exigem alguma inspiração, como nosso esforço para denunciar a grande mentira da "energia barata e renovável necessária para a solução dos problemas do país" que justificaria a absurda construção da hidrelétrica de Belo Monte no rio Xingu (com consequências desastrosas para o continente e também para o mundo).



Mas há uma hora em que, inevitavelmente, até mesmo os mais despreocupados tem que voltar a se mexer: segundo uma nota da Folha de São Paulo de 19 de janeiro, o ministro do Meio Ambiente Carlos Minc disse, enquanto prometia o licenciamento ambiental da hidrelétrica de Belo Monte para fevereiro, que todo o processo de licenciamento foi "pedagógico" para os órgãos ambientais do país. E que "o projeto inicialmente apresentado tinha sérios problemas em relação à navegação, aos peixes, que teriam mais de cem espécies ameaçadas, e a áreas de baixa circulação que iriam piorar a qualidade da água". Mas disse que os principais problemas teriam sido solucionados durante o processo. Isso me deixou um bocado revoltado.



Como ele pode dizer que o licenciamento foi pedagógico? Se nem teve coragem de aparecer na audiência pública de Altamira, onde, segundo os ribeirinhos, as comunidades indígenas e o Ministério Público não houve qualquer condição de diálogo e consulta de fato dos afetados pelo projeto. E a população da cidade como um todo, que se esgoelou em gritos de protesto contra a barragem, diante de técnicos, políticos e burocratas defendidos por forte esquema de segurança?



Só se for a pedagogia da tropa de choque e da intimidação. Sobre os outros pontos, que "teriam sido solucionados ao longo do processo", trata-se de mentira pura e simples (aqui teríamos a pedagogia da enganação). Não o foram e não é preciso ir muito longe para provar isso. Basta recorrer às conclusões emitidas pela equipe de Licenciamento Ambiental do IBAMA, sobre a análise técnica do Estudo de Impacto Ambiental de Belo Monte, em documento divulgado no dia 23 de novembro de 2009, do qual extraio a seguir alguns trechos, e que pode ser acessado no original clicando-se aqui .



"Ressalta-se que, tendo em vista o prazo estipulado pela Presidência, esta equipe não concluiu sua análise a contento. Algumas questões não puderam ser analisadas na profundidade apropriada, dentre elas as questões indígenas e as contribuições das audiências públicas". "O estudo sobre o hidrograma de consenso não apresenta informações que concluam acerca da manutenção da biodiversidade, a navegabilidade e as condições de vida das populações do trecho de vazão reduzida (que ocuparia grande parte da Volta Grande do Xingu, que teria a maior parte de seu fluxo de água desviado por canais colossais, comparáveis ao canal do Panamá ligando o Atlântico ao Pacífico, conduzindo-o às turbinas da hidrelétrica). "A incerteza sobre o nível de estresse causado pela alternância de vazões não permite inferir a manutenção das espécies, principalmente as de importância sócio-econômica, a médio e longo prazos (...) Os impactos decorrentes do afluxo populacional não foram dimensionados a contento. Conseqüentemente, as medidas apresentadas, referentes à preparação da região para receber esse afluxo, não são suficientes e não definem claramente o papel dos agentes responsáveis por sua implementação. Há um grau de incerteza elevado acerca do prognóstico da qualidade da água, principalmente no reservatório dos canais".



Foi com uma certa satisfação que vi contemplada entre as recomendações dos analistas ambientais do IBAMA a minha crítica principal, relativa aos desmatamentos, que serão conseqüência muito mais da abertura de estradas e do decorrente estímulo à imigração de imensos contingentes populacionais para a região do que da obra em si: "apresentar modelagem da projeção do desmatamento considerando os cenários de implementação e não-implementação do Aproveitamento Hidrelétrico de Belo Monte". Ou seja, recomenda que sejam feitas simulações matemáticas computadorizadas (amplamente disponíveis na atualidade) de como seria o futuro com ou sem a barragem.



Mas cadê a tal modelagem? Dizem que os empreendedores responderam às 15 outras recomendações, além desta sobre os desmatamentos, feitas pelos consultores da Diretoria de Licenciamento Ambiental do IBAMA. Mas não temos acesso a estes documentos com as respostas! Nem mesmo o documento acima reproduzido está disponível no site do órgão como parte do processo de licenciamento ambiental de Belo Monte. Destaque-se que a legislação brasileira determina publicidade do EIA/RIMA. Este é mais um dos aspectos do processo de licenciamento que foram atropelados, nesta gana pela aprovação goela abaixo. Mas os jornalões, ao invés de divulgarem as notas de cautela do IBAMA sobre Belo Monte, preferem reproduzir a bobageira de que "os principais problemas foram solucionados", do ministro midiático escorregadio e mascarado, com o penteado do Bozo, sempre fantasiado de coletes, ao modo de um triste clown. É a pedagogia da palhaçada.



Mas talvez, pior do que este seja o ministro-sinistro. No dia 22 de janeiro, a mesma Folha de São Paulo divulgou trechos do relatório da Operação Castelo de Areia da Polícia Federal, segundo a qual a empreiteira Camargo Corrêa pagou uma propina quase R$ 3 milhões para políticos do PT e do PMDB por conta da obra da eclusa da hidrelétrica de Tucuruí, também no Pará. O relatório cita, como beneficiários, integrantes do grupo político de José Sarney, que controla o Ministério de Minas e Energia. Um manuscrito chega a registrar o pagamento de propina no valor de R$ 500 mil a um tal "Lobinho", que, segundo a polícia, é Edison Lobão Filho, o filho do ministro Lobão, que, aliás, recentemente queixava-se de ter que "mendigar" a licença ambiental de Belo Monte. Mendigou porque seu grupo é dependente da roubalheira. Como é possível que, apesar de estar metido em tanta corrupção, Edison Lobão ainda seja cogitado para vice da chapa de Dilma Rousseff? Talvez o seja justamente por isso. Já esta é a pedagogia da corrupção.



A palhaçada e a corrupção: uma bela dupla para começar o ano, que promete não ser nada fácil. Minc e Lobão. Que fonte lamentável de inspiração! De um lado o show midiático, de outro, os negócios escusos. Negócios que nada mais são do que as tais "tenebrosas transações", da música de Chico Buarque, que rolavam enquanto "a nossa pátria mãe tão distraída" dormia, "sem perceber que era subtraída". E aqui, as muralhas faraônicas que barrariam o Xingu (uma obra comparável à construção de toda a nova capital), pior do que estranhas, como as construções de Brasília, seriam "sinistras catedrais" ao deus do desenvolvimento. Erguidas pelos filhos que erram "cegos pelo continente", e que imigrariam aos montes para a esta região. Onde, depois de concluídas as obras, seriam novamente abandonados, causando imensos desmatamentos que acabariam por destruir não apenas o Xingu, mas o que resta de toda a Amazônia Oriental. O que em última análise afetaria todo o planeta, daí o justificado engajamento de setores ambientalistas da comunidade internacional na luta contra Belo Monte.



"Vai passar!", cantava-se em referência a um período, "página infeliz da nossa história, passagem desbotada na memória das nossas novas gerações", que deveria estar encerrado. Não passou. Citando agora o professor Oswaldo Sevá, da Faculdade de Engenharia Mecânica da Unicamp, a luta contra Belo Monte é a luta política contra a ditadura militar que ainda não acabou (ver artigo especial do Correio, "Belo Monte, Belo Montro"). É possível que quando for publicado, esse texto já esteja desatualizado, pois, acabo de saber, o Estado de São Paulo já está prevendo a vergonhosa liberação da Licença Ambiental para esta semana. Se for o caso, eu posso imaginar que cada pedra desse velho rio nesse dia vai se arrepiar.



PS: De fato, na tarde de segunda, 1º de fevereiro, o IBAMA liberou a construção da barragem. No Xingu, onde eu estava naquela tarde, nem os banhistas, que se divertiam em mergulhos arriscados, nem os ribeirinhos ou pescadores pareciam estar cientes ou preocupados com isso. Por outro lado, disseram-me que quando a decisão foi transmitida de Brasília, todas as pessoas no supermercado aglomeraram-se em frente à televisão entre incrédulas e assustadas. Eles podem ter vencido uma batalha, mas não a guerra. A luta continua. Na verdade está apenas começando. Eu nunca duvidei que a máfia dos barrageiros venceria em tudo o que dependesse de papel, caneta e reuniões em Brasília. Eles dominam a máquina e ela está lá para isso. Mas barrar efetivamente o rio é outra história. É só quando começarem os esforços diretos neste sentido que aqueles que vivem no rio, e do rio, efetivamente do Xingu, vão entrar na luta contra esta obra que põe em risco mais do que a nossa floresta ou as populações tradicionais, mas a economia e a própria democracia do país. Uma roubalheira planejada há décadas e que serão nossos filhos, netos e bisnetos, todos os contribuintes brasileiros do futuro que irão pagar.



Rodolfo Salm, PhD em Ciências Ambientais pela Universidade de East Anglia, é professor da Universidade Federal do Pará.