Sindicalismo e Movimentos Sociais
Léo Lince
Sex, 01 de Abril de 2011 10:00
A notícia explodiu nas paginas secundárias dos jornais como raio em céu azul. O canteiro de obras da Usina de Jirau, uma das jóias do Plano de Aceleração do Crescimento, foi inteiramente destruído pela revolta coletiva dos trabalhadores enfurecidos. Logo em seguida, fato semelhante afetou a Usina de Santo Antônio, quilômetros rio abaixo, na mesma região. Na semana seguinte, longe dali, fatos semelhantes pipocaram: quebra-quebra na usina de São Domingos, Mato Grosso do Sul; greve nas obras da refinaria em Pernambuco; tumulto em alojamentos da construção civil em São Paulo...
Essa eclosão súbita de manifestações em cascata revela a existência de problemas que, pela sua magnitude, não poderão ficar sem resposta. Em Jirau, uma verdadeira cidade de 20 mil habitantes, um gueto no meio da mata, deixou de existir da noite para o dia. Obras paralisadas. Alojamentos queimados. Escritórios, almoxarifados, centro ecumênico, refeitório, dezenas veículos, máquinas e equipamentos, tudo destruído. Não foi terremoto ou tsunami. A causa do abalo se origina em outra natureza, a pororoca social, também capaz de provocar tragédias.
Enviados especiais dos grandes jornais chegaram ao local no rescaldo da barbárie. Sem atinar para as tensões que produziram a explosão, tiveram que cumprir a sentença irônica de Oswald de Andrade: quem chega atrasado aos acontecimentos "escreve sobre o que ouve e não sobre o houve". Salvam-se, na cobertura dos jornais, as fotografias. Nelas se registra, ao fixar os rastros da destruição, a brutalidade do acontecido. São documentos terríveis sobre os tempos bicudos que estamos vivendo.
As explicações sobre as causas do abalo são as mais estapafúrdias e desencontradas. Os empreiteiros falam em briga entre operário e motorista, provocadores mascarados, disputa entre correntes sindicais e até traficantes de drogas, pois "a BR 364 é rota do tráfico". Pode até explicar alguma faísca, mais não o material inflamável que provocou a explosão. As condições de trabalho, dizem os porta-vozes do patronato, são as melhores do mundo e, ademais, o empreendimento é fiscalizado por auditoria internacional independente. Depois do que aconteceu, fica difícil acreditar em semelhante ficção.
A reação do governo federal, contratador de tais obras, foi de um ridículo soberbo. A mãe do PAC está, com razão, muito preocupada com a imagem pública do filho. Mas, invés de despachar representantes qualificados para analisar as raízes da violência no local do desastre, convoca reunião em palácio. Representantes do governo, das empreiteiras e pelegos das maiores centrais sindicais tomaram uma única decisão concreta: criar uma comissão tripartite, formada por eles mesmos, para estudar o que já estão cansados de saber.
Obras gigantescas, contratadas pelo governo, tocadas por consórcios formados pelas maiores empreiteiras do país, financiadas pelos bilhões de dinheiro público fornecidos pelo BNDES, são os ingredientes do caldeirão da tragédia. O governo quer acelerar o crescimento sem maiores indagações sobre seus impactos de qualquer tipo, ambientais, sociais e humanos. As empreiteiras gigantescas, grandes financiadoras de campanhas presidenciais, trabalham com carta branca. Para elas, a força do trabalho é só um insumo a ser consumido e consumado na busca do lucro máximo. E os pelegos estão ali para cumprir a destinação histórica que lhes forneceu a denominação infamante.
Quem quiser conhecer as causas da tragédia em curso, o DNA da ferocidade do capitalismo nas obras de fronteira, basta recuar um século na exata geografia dos acontecimentos de agora. Jirau e Santo Antonio são também nomes de estações da célebre Madeira-Mamore, conhecida como a "ferrovia do diabo". Outra grande obra contratada pelo governo e tocada por empreiteiros privados que deixou um rastro de tragédia. Também lá havia canteiro com vinte mil operários trazidos de muitos lugares. Também lá houve greves e revolta, sofrimento, malária, fome, falta de pagamento, promessas não cumpridas. O mesmo de agora, com o agravante de milhares de mortos. Reza a lenda que sob cada um dos seus dormentes repousa um cadáver.
O capitalismo, esse que o Lula salvou e a Dilma gerencia com o aplauso do coral dos contentes, requer, para que os donos do poder econômico possam auferir lucros obscenos, canteiros de obras como os de Jirau e Santo Antônio. Reproduz condições de trabalho de um século atrás e adota padrões de acumulação próprios do capitalismo primitivo. Condições degradantes de trabalho e a exploração brutal do trabalhador são feições do capitalismo facinoroso que nos governa.
Rio, março de 2011
Léo Lince é sociólogo e mestre em ciência política
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