sábado, 26 de setembro de 2015

NADA MAIS NATURAL QUE UM POBRE DE DIREITA




Nada mais natural que um pobre de direita.
Ou um “classe média”, e o que dizer do rico? Nada mais sobrenatural (sim, esse é o termo) que pobres, classe-médias e principalmente ricos de esquerda.

Antes que pensem que sou um naturalista maluco, quero dizer que não me refiro à nenhuma naturalidade biológica, mas sim a que decorre da atual forma social da vida humana.

Estava eu na fila do banco e de repente escuto o papo de um cara com uma senhora: “Votei no Aécio, mas eu queria mesmo era que a Marina ganhasse e colocasse fogo no circo” [santa inocência!…].
Deu aquela coceira de falar: “ah, quer dizer que vc queria que a Marina ganhasse, mas votou no Aécio… ok, toma aqui seu certificado de quadrúpede”.

Enfim. Para além dessas “lógicas singulares” que dão a consistência de uma sopa de gordura ao pensamento dos que estão aí como bois de carga (e são muitos, podes crer), é interessante notar que a galera “politizada” fica estupefata em constatar que o povão vota na direita e sustenta bandeiras as mais toscas e brutais, até mesmo contra seus próprios interesses – supondo que os indivíduos tenham alguma noção mínima de quais sejam estes, ou melhor, que não façam a velha confusão entre seus mais baixos e imediatos instintos burgueses e a consciência de si mesmos enquanto indivíduos sociais, o que demanda uma boa dose de reflexão.

Ser de direita é algo natural para quem nasce e vive trivialmente na sociedade capitalista; ora, não se pode esperar que o pensamento não acompanhe a forma de vida do indivíduo, e a forma de vida no capitalismo é aquela que coloca todos em concorrência e isolamento uns contra os outros. Vida selvagem, pensamento idem.

É preciso ter alguma sensibilidade (inata ou provocada, não vem ao caso) pra notar que essa forma de vida não é, digamos assim, tão orgânica quanto a naturalidade haveria de ser, e que poderia ser bem diferente e melhor, para então poder começar a fazer a crítica e se tornar de esquerda, e se lançar a um verdadeiro processo de educação da sensibilidade e do pensamento, de superação da naturalidade social posta para cada indivíduo desde seu nascimento (ou mesmo desde sua concepção).

Tudo se educa em nós, mas educar-se é uma questão que passa por uma necessidade que o indivíduo pode sofrer ou não. Além disso, este processo pode ser mais ou menos lento, doloroso e sempre contraditório, uma vez que a individualidade deixa de corresponder (ainda que tal correspondência seja brutal) à sociabilidade vigente, o que pode não ser muito confortável. E a vida na selva de pedra já é dura demais para ainda suportá-la sem as flores das ilusões e do autoengano, que encobrem e enfeitam os grilhões!

O indivíduo pode facilmente preferir embotar a sensibilidade e sabotar o pensamento, gozar e acreditar no próprio cinismo e se dar por satisfeito, ou melhor, por adaptado e convencido de sua escolha.

Daí que não há nada de estranho no pobre que é de direita. Extraordinário seria o contrário.
Aliás, nem é estranho que, ainda que assuma uma posição crítica consciente, muitas vezes o indivíduo vacile e pense ou aja de forma machista, autoritária, possessiva, egoísta, fazendo piadinhas “politicamente incorretas” contra os mais fracos etc. Pois é preciso lutar contra o fascista que mora dentro, nascido na naturalidade social burguesa, e matá-lo no paredão da autocrítica: vencer-se a si mesmo cotidianamente, dado que a sociabilidade cotidiana é determinante da individualidade, de um modo ou de outro.

Isso é só o começo da longa e tortuosa trilha rumo à superação da atual forma de vida, trilha que só pode ser escalada em meio às mais complexas interações com outras individualidades dispostas à luta e a maioria contrária a ela. Pois o próprio indivíduo é, em si mesmo, um complexo, universal e contraditório nódulo na imensa rede humana tecida social e historicamente, em meio a toda sorte de outras tantas contradições que perfazem na vida prática a essência e existência humanas.

Superar as velhas contradições e alcançar o patamar de uma nova humanidade, tanto mais autônoma quanto mais se desgarra da heteronomia natural, e abrir os horizontes de uma vida autêntica: a mais radical, profunda, desejável e razoável tarefa humana. Eis aí a razão de ser da esquerda – mudar o mundo que criamos e recriamos o tempo todo e em sociedade.

Não se trata de esperar que os que virão façam isso, quando nós mesmos estamos vivos aqui e agora. Essa é a tarefa histórica que dá propósito e sentido para a vida. E o que poderia ser mais radical do que estar vivo?

“Se o homem é formado pelas circunstâncias, será necessário formar as circunstâncias humanamente. Se o homem é social por natureza, desenvolverá sua verdadeira natureza no seio da sociedade humana” – Marx.


Erik Haagensen Gontijo é mestre licenciado e bacharel em Filosofia pela Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas – UFMG.

6 comentários :

  1. Pegou pesado neste texto, meu amigo. Vai gerar polêmica, mas eu concordo.
    Paulo Campos.

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    1. Pois é, meu caro Paulo. É um dos artigos mais polêmicos que publiquei aqui e está dando grande números de acessos, principalmente nas comunidades de esquerda.

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  2. NADA MAIS NATURAL QUE UM BURRO DE ESQUERDA !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

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    1. Impressiona pela profundidade do argumento, rs !
      O autor do texto colocou seus argumentos, faça o contraponto. Você pode fazer melhor do que isso ?

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  3. É a tal identificação pelo eixo da vertical.
    Roberto R. Rodrigues.

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  4. Pior que é verdade. Que raiva que dá isso.
    Tim Mais, profeta !

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