domingo, 15 de novembro de 2009

Investimentos perdem espaço no Orçamento para gastos com juros

Secretaria de Comunicação
Ter, 10 de Novembro de 2009 00:09

Maria Lucia Fatorelli /Auditoria Cidadã

Apesar de a relação dívida pública/PIB ter caído nos últimos anos, a Auditoria Cidadã frisa que a continuidade da ciranda financeira, mesmo com a crise, é mais uma justificativa para o funcionamento da CPI da Dívida, em andamento no Congresso. Isso porque a desvalorização do dólar provocada pelos juros altos continua incentivando a evasão de divisas.

As remessas de lucro das empresas transnacionais estão subindo rapidamente e atingirão US$ 22,3 bilhões em 2009, conforme estimativa do Banco Central (BC).

"É importante ressaltar que esse valor é quase igual à previsão de entrada de investimento direto no país este ano, de US$ 25 bilhões. Ou seja: a entrada de investimento supostamente produtivo no país se traduz em uma futura remessa imensa de lucros ao exterior", destaca economista Maria Lúcia Fatorelli, da Auditoria Cidadã.

Nesta entrevista exclusiva ao MM, Maria Lúcia pondera que a dívida, além de consumir 30% do Orçamento, tem prioridade sobre outros gastos: "O que vai para discussão no Congresso é o Orçamento fora a divida. Discute-se quais os cortes que serão feitos para pagar a dívida. Mesmo na crise, o governo divulgou que o superávit primário foi reduzido, mas por que duas medidas provisórias (435 e 450) autorizaram um verdadeiro rapa no caixa em várias rubricas vinculadas legalmente?", indaga.

Como a CPI da Dívida foi aprovada no Congresso mesmo sendo tão pouco noticiada?
Nossa iniciativa sempre procurou articular com grupos de parlamentares, como Sergio Miranda (PDT-MG) e Drª Clair (PV-PR), que sempre nos apoiaram. Na legislatura passada, eles tentaram colher assinaturas para realização da CPI, mas sem sucesso. Agora, o deputado Ivan Valente (PSOL-SP) conseguiu. Outro fato que ajudou foi a participação de parlamentares da América Latina no seminário realizado no Congresso em novembro do ano passado. Em dezembro, tivemos audiência com Arlindo Chinaglia (PT-SP), então presidente da Câmara e que apoiou a CPI. Não é ainda a auditoria prevista na Constituição, mas é um passo muito consistente.

Desde dezembro, como o processo evoluiu?
Começamos outra luta. Depois de criada, a CPI tinha de ser instalada, mas isso só é possível quando os partidos indicam seus representantes e logo começou o boicote. Já com Michel Temer (PMDB-SP) na presidência da Câmara, começamos a procurar os partidos. O presidente da Câmara tem a prerrogativa de indicar os representantes, quando os partidos não se manifestam. E, se o presidente não o faz, ainda existe a posição de ir ao Supremo. Mas até aqui não foi necessário. No entanto, falta ainda formar grupos de trabalho. Sem isso, os deputados não terão como se debruçar sobre os documentos. No Equador, foram formadas equipes de trabalho com participação da sociedade.

Como vê a atuação da mídia hegemônica no caso?
A mídia não fala sobre isso. O que temos conseguido é trazer entidades para acompanharem as reuniões. Fazemos boletins semanais (www.divida-auditoriacidada.org.br). Estamos com uma rede internacional. Recebemos apoio de várias entidades, como a Federação Luterana Mundial (FLM), que tem sede na Noruega.

Eles querem fazer manifestação formal de apoio e saber mais detalhes para se posicionarem de acordo com a situação aqui no Brasil. A FLM está presente no mundo inteiro e tem credibilidade reconhecida. Estamos furando o bloqueio da mídia com a participação cidadã através de entidades de capilaridade mundial - no site existe uma lista (www.divida-auditoriacidada.org.br). Há muitas entidades da América Latina e Europa.

A redução da relação dívida/PIB significa que esse passivo está sob controle?
Esse é o argumento de quem não quer tocar no assunto. Os grandes meios de comunicação, que de certa forma são financiados pelo sistema financeiro privado, não querem acabar com o privilégio que o endividamento público representa no Brasil. Se a dívida não fosse relevante, por que mais de 30% do Orçamento executado no ano passado foram prioritariamente destinados a ela?

No passado, esse comprometimento era até maior. Outro aspecto relevante: a dívida é um gasto prioritário. O que vai para discussão no Congresso é o Orçamento fora da divida. Discute-se quais os cortes que serão feitos para pagar a dívida. Mesmo na crise, o governo divulgou que o superávit primário foi reduzido, mas por que duas medidas provisórias (MPs 435 e 450) autorizaram um verdadeiro rapa no caixa em várias rubricas vinculadas legalmente?

Um dos setores que foram prejudicado pelas MPs foi a própria administração tributária, que tem um fundo para aparelhar as aduanas (Fundaf), do qual foram retirados R$ 5 bilhões em 2007 e 2008. As pesquisas com o petróleo perderam muito também. Cerca de R$ 20 bilhões foram desviados da pesquisa e da preservação ambiental.

Então, o superávit diminuiu porque outros recursos foram destinados para a dívida. Os estados da federação pagam suas dívidas, federalizadas no início do governo Fernando Henrique, para a União, que transfere diretamente para o pagamento da dívida pública. Então, não é somente o dinheiro do superávit que vai para a dívida. E tudo isso amparado por lei, que garante esse privilégio. Até na Constituição foi incluído inciso no texto que diz que a dívida tem de ser paga de maneira prioritária. Não há nenhum artigo que diz ser prioritário não deixar os brasileiros morrerem à mingua.

A própria Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) limita vários direitos e não limita gastos com a dívida...

Sim. O BC, só no primeiro semestre, teve prejuízo de R$ 96 bilhões. A LRF diz que o prejuízo do BC será integralmente coberto pelo Tesouro. É dinheiro nosso. Quem lucrou foi quem comprou títulos da dívida, principalmente os estrangeiros. E eles estão entrando com dólares, em queda no mundo inteiro. O BC compra tudo e com esse "mico" investe em títulos da dívida norte-americana. Ou seja, financia as políticas deles e quem paga a conta somos nós.

Com as recentes quedas na taxa básica de juros (Selic), acabou a ciranda financeira?
Diz-se que a dívida está sob controle, mas o montante já está em R$ 1,8 trilhão. Mas mesmo neste período de deflação real, juros em 8% é uma excrescência, ainda mais se levarmos em conta a troca da moeda que está ocorrendo (dólares em queda, por reais em alta). Tudo com isenção de imposto para estrangeiros. Não há investimento no mundo comparável à divida pública brasileira. Ela garante isenção tributária, liberdade de saída, troca moeda em queda por moeda que está se valorizando e uma tem remuneração absurda.

Esse conjunto de fatores transformou o Brasil em verdadeiro cassino, um porto seguro para a especulação. Só quem ganha com isso vem com o discurso que o problema está ultrapassado.

E quem perde?
O cidadão comum, que enfrenta transporte público decadente para ganhar salário baixo pagando imposto na fonte para não receber serviço público de qualidade. Esse brasileiro, se souber a farra que está sendo feita com seu dinheiro, que, inclusive, é tributado sobre o consumo, já que cerca de 60% da arrecadação provêm de impostos indiretos, inclusive, sobre a comida, e que a subtração de seus direitos está diretamente ligada ao endividamento publico será tomado de indignação. Por isso vem o pano quente de dizer que o problema está resolvido.

Nossa luta já dura dez anos e vai continuar até o dia em que conseguirmos levar a esse brasileiro que está pagando essa conta caríssima pela subtração dos seus direitos pelo menos o direito de saber que conta é essa. A auditoria só quer saber a verdade. As providências que virão depois são para depois.

Não estamos falando de calote. A suspensão do pagamento é apenas uma das decisões que podem ser tomadas. Queremos primeiro investigação e transparência para saber quem assumiu a dívida, quem se beneficiou e onde está a contrapartida.

No Equador, ficou provado que dívida contraída com bancos privados decorria de fraudes e juros sobre juros. Por isso, o presidente não precisou recorrer a nenhum tribunal para reconhecer apenas 30% do montante. E 90% do mercado concordaram imediatamente. Só em 2008, a redução do débito já significou aumento de 70% nos gastos com saúde e educação.

Fonte: http://www.monitormercantil.com.br/mostranoticia.php?id=68223

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