quinta-feira, 9 de junho de 2016

A PLUTOCRACIA NÃO CABE NO ORÇAMENTO




A PLUTOCRACIA NÃO CABE NO ORÇAMENTO

No levantamento realizado pelos pesquisadores Pablo Ortellado, Esther Solano e Lucia Nader na avenida Paulista durante as manifestações pró-impeachment do dia 16 de agosto de 2015, dois temas chamaram a atenção. Entre os manifestantes, 97% concordaram total ou parcialmente que os serviços públicos de saúde devem ser universais, e 96%, que devem ser gratuitos. Já sobre a universalidade e a gratuidade da educação, o apoio foi de 98% e 97% dos manifestantes, respectivamente. "Isso é um resquício de junho de 2013", afirmou Pablo Ortellado a uma reportagem do jornal "El País" de 18 de agosto de 2015. 

O resultado deste tipo de levantamento, quando somado aos resultados nas urnas das últimas quatro eleições presidenciais, sugere que o pacto social que deu origem à Constituição de 1988 não foi desfeito. Ao contrário, as demandas nas ruas desde 2013 e nas ocupações das escolas desde 2015 têm sido por melhorias nos serviços públicos universais, e não pela redução na sua prestação. 

A regra Temer-Meirelles prevê que as despesas primárias do governo federal passem a ser reajustadas apenas pela inflação do ano anterior. Se vigorasse no ano passado, e outros gastos não sofressem redução real, as despesas com saúde teriam sido reduzidas em 32% e os gastos com educação em 70% em 2015. 

Pior. Se o PIB brasileiro crescer nos próximos 20 anos no ritmo dos anos 1980 e 1990, passaríamos de um percentual de gastos públicos em relação ao PIB da ordem de 40% para 25%, patamar semelhante ao verificado em Burkina Faso ou no Afeganistão. E, se crescêssemos às taxas mais altas que vigoraram nos anos 2000, o percentual seria ainda menor, da ordem de 19%, o que nos aproximaria de países como o Camboja e Camarões. 

"A Constituição não cabe no Orçamento", argumentam seus defensores, na tentativa de transformar em técnica uma decisão que deveria ser democrática. De fato, há uma contradição evidente entre desejar a qualidade dos serviços públicos da Dinamarca e pagar impostos da Guiné Equatorial. 

O que esquecem de ressaltar é que os que pagam mais impostos no Brasil são os que têm menos condições de pagá-los. Se os que ganham mais de 160 salários mínimos por mês têm 65,8% de seus rendimentos isentos de tributação pela Receita Federal, fica um pouco mais difícil determinar o que cabe e o que não cabe no Orçamento. 

O fato é que as propostas do governo interino não incluem nenhum imposto a mais para os mais ricos, mas preveem muitos direitos a menos para os demais. Os magistrados conseguem reajuste de seus supersalários, mas a aposentadoria para os trabalhadores rurais é tratada como rombo. 

A cultura, a ciência e a tecnologia ou o combate a desigualdades deixam de ser importantes. O pagamento de juros escorchantes sobre a dívida pública não é sequer discutido, mas as despesas com os sistemas de saúde e educação são tratadas como responsáveis pela falta de margem de manobra para a política fiscal. 

Essas escolhas estão sendo feitas por um governo que não teve de passar pelo debate democrático que só um processo de eleições diretas pode proporcionar. A democracia caberia no Orçamento. O que parece não caber é a nossa plutocracia oligárquica. 


Laura Carvalho é professora do Departamento de Economia da FEA-USP com doutorado na New School for Social Research (NYC)

4 comentários :

  1. Não conhecia esta professora. Muito bom o texto. Ela é do Psol ?
    Paulo Campos.

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    1. Ele é muita conhecida no meio acadêmico. Não sei se é filiado ao partido. Vou procurar saber e te informo. Abraço.

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  2. E cleptocracias?
    Plutocratas acho que é a Elite de sempre! Cleptocratas são a nova elite no poder desde 1988.
    Giovanni Scuccato.

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