Escrito por Leo Lince
14-Abr-2011
O ex-presidente Lula, os jornais anunciaram com estardalhaço, iniciou com êxito uma nova e promissora carreira. Ele agora vende palestras. Um palestrante "motivacional" polivalente que oferece o seu talento aos mercados do mundo. O pacote de encomendas, mal começado o outono, se mostra promissor e recheado de clientes de elevadíssimo coturno.
A estréia foi aqui mesmo no Brasil, em São Paulo, no dia 2 de abril: uma "injeção de ânimo" para os vendedores da LG Eletronics, a gigante coreana. A primeira palestra internacional foi contratada por outro portento dos negócios, a Microsoft, e aconteceu em Washington, para onde o ex-presidente se deslocou em jato particular emprestado pela Coteminas, outra grande empresa. Em Acapulco, escala seguinte, o pagamento ficou por conta da Associação dos Bancos do México. Na segunda semana do novo trabalho, o ex-presidente pousou em Londres, com jato fretado, para palestrar sob encomenda da multinacional Telefónica.
Em eventos de tal natureza, fala mais alto o brilho que emana da simples presença da celebridade contratada. Fotografias, autógrafos, coisas do gênero. Trata-se de um ritual onde, ao invés do conteúdo das palestras, o que importa mesmo é a celebração das afinidades. A LG, ao lançar novos produtos, reverencia no palestrante a explosão do consumo na "linha branca". A Microsoft o exibe como exemplo no "Fórum de Líderes do Setor Público para a América Latina e Caribe". Os banqueiros do México e a multinacional da telefonia buscam realçar o que consideram modelar no tratamento dispensado ao capital financeiro e na privatização de serviços públicos.
A remuneração dos "animadores" de tão seletos auditórios nunca é revelada. No entanto, os especialistas que organizam tais eventos afirmam que o ex-presidente assumiu a condição de palestrante mais caro do Brasil. É mais um espaço em que, fazendo a mesma coisa, o Lula produz um rendimento maior do que o Fernando Henrique. Cobra, dizem, duzentos mil reais por palestra no Brasil e até 500 mil no exterior. O ex-presidente, a ser verdade o que está nos jornais, já embolsou mais de um milhão de reais só nas duas primeiras semanas de abril. Se já não é, vai ficar rico.
Não se trata, claro, de criticar a escolha atual do Lula. A opção preferencial pelos ricos vem de antes, da guinada programática operada em seu primeiro governo, e já mereceu a crítica de muitos. O doloroso da novidade de agora é constatar a consolidação de um padrão de política. Além do sindicalismo de resultados, da propaganda suja em campanha eleitoral e até do assassinato em série, essa moda de ex-presidente virar palestrante de luxo é mais uma manifestação do processo de "americanização" da sociedade brasileira.
O Lula fará o que o Fernando Henrique já faz. E a escolha de ambos não passa de uma decorrência lógica e natural da postura adotada pelos dois quando governantes. Eles recebem agora a gratidão e o reconhecimento daqueles setores que se beneficiaram muitíssimo com as políticas postas em prática por seus respectivos governos.
Aliás, a nova carreira do Lula o coloca como colega não apenas de FHC. Ele passa a fazer parte de um verdadeiro time de ex-líderes que, na chefia de governos, agiram como artífices da subordinação da política aos desígnios dos donos do poder econômico. Assim como Lula e FHC, Bill Clinton, Tony Blair, Mikhail Gorbachev, entre outros, também são palestrantes de luxo, pagos não por acaso a peso de ouro.
Social-democratas, trabalhistas, socialistas e até comunistas, oriundos de grupamentos políticos críticos da exploração capitalista, eles governaram como convertidos ao credo financeiro, cristãos novos de uma cruzada cujo deus é o dinheiro. O que o historiador Tony Judt usou para definir Tony Blair, sem dúvida, vale para o grupo inteiro: "ele não acredita em privatização, mas também não é contra ela... ele apenas gosta de gente rica".
No começo da sua carreira anterior, quando deixava o trampolim sindical para a disputa no campo aberto da política, o Lula já fazia sucesso como palestrante. Em assembléias, caravanas, comícios e até em reuniões freqüentadas pela nata da nossa melhor intelectualidade ele dizia coisas muito interessantes e, também ao contrário de agora, não cobrava nada.
Em 1981, no discurso da primeira convenção nacional do PT, ele afirmava que o partido então criado, "uma inovação histórica", viria para livrar a classe trabalhadora da condição de "massa de manobra dos políticos da burguesia". Dizia que o sindicato é ferramenta adequada para melhorar as relações entre o capital e o trabalho, mas o partido é para ir além: "queremos que os trabalhadores sejam os donos dos meios de produção e dos frutos do seu trabalho". Afirmava saber que "o mundo caminha para o socialismo" e que o PT, com sua mística radical, não tinha como objetivo "buscar paliativos para as desigualdades do capitalismo".
Nenhum banqueiro ou multinacional de qualquer área cometeria o equívoco de colocar seus convidados para ouvir o que falava o Lula da fase anterior. Intuitivo talentoso, empirista radical, pragmático até a medula, o ex-presidente está em outra, fala "outras palavras". Afinal, ele nunca escondeu de ninguém a sua condição de metamorfose ambulante. O discurso inaugural da carreira anterior serve para mostrar o tamanho da mudança e para onde a metamorfose ambula.
Léo Lince é sociólogo.
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