“De tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantar-se o poder nas mãos dos maus, o homem chega a rir-se da honra, desanimar-se de justiça e ter vergonha de ser honesto.”
Rui Barbosa
"UMA IDEIA TORNA-SE UMA FORÇA MATERIAL QUANDO GANHA AS MASSAS ORGANIZADAS".
Karl Marx
sábado, 31 de dezembro de 2011
O deputado é o inimigo número 1 das milícias e dos corruptos do Rio de Janeiro
Enquanto mídia, governo e boa parte da população do Rio de Janeiro celebram a nova fase do combate ao crime organizado na cidade, um homem pede cautela. Mais do que isso: pede providências bem mais profundas do que as UPPs. O deputado estadual Marcelo Freixo é um dos maiores inimigos das milícias, do violento e corrupto acordo entre governo e policiais que buscam assumir o controle de regiões antes dominadas pelo tráfico. Por isso sua cabeça está a prêmio. Hoje ele vive sob um duro esquema de proteção e já teve que deixar o país quando as ameaças se tornaram mais perigosas. Isso o fará desistir do mandato? Só se for para virar prefeito do Rio de Janeiro
O Rio de Janeiro está eufórico. A cidade se prepara para se tornar o centro do universo: sede da final da Copa do Mundo de 2014, da Olimpíada de 2016 e da Petrobras, empresa que neste momento esburaca a camada do pré-sal no fundo do oceano para trazer à superfície trilhões de litros de petróleo. A polícia sobe morros e instala UPPs, as Unidades de Polícia Pacificadora, que colocam traficantes para correr. Na fachada do hotel Marina, na beira da praia do Leblon, um imenso cartaz declara que “O Rio é dos bons” e agradece: “Obrigado, Força Policial”. Os famosos botecos da cidade são só sorrisos, celebrações de negócios fechados e reuniões sobre futuras oportunidades. Governos municipal, estadual e federal, pela primeira vez aliados entre si, com amplo apoio da mídia, em especial da carioca Rede Globo, comemoram os bons tempos.
Em meio a tanto oba-oba, um sujeito insiste em jogar areia na festa. O deputado estadual Marcelo Freixo, contrariando o otimismo generalizado, afirma com todas as letras: “O Rio nunca correu tanto risco de cair nas mãos da máfia”. Ele se refere às milícias, formadas por policiais, aliadas de vários políticos locais e paparicadas por todos os principais partidos. “Elas infiltraram o sistema todo”, diz ele. Até a casa onde ele trabalha, a Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. Freixo calcula que algo em torno de 90% dos deputados estaduais por lá têm ligações com centros sociais, as instituições que proveem serviços que deveriam ser papel do estado em comunidades carentes. E que geralmente são o braço comunitário do poder mafioso das milícias.
Por causa dessa mania de atrapalhar festas, Freixo já recebeu 27 ameaças de morte e só anda pela cidade escoltado por policiais à paisana. Não pode ir à praia, apesar de morar pertinho do mar, e só vai ao cinema se planejar com antecedência. As ameaças começaram em 2008, quando Freixo comandou uma CPI que investigou as milícias e terminou com a prisão de mais de 500 pessoas, incluindo vereadores e deputados. Apesar dos indiciamentos, ele afirma que nenhuma das mais de 50 providências sugeridas pela CPI foram colocadas em prática e que, como consequência, o poder miliciano não parou de crescer. “Havia 170 milícias quando fizemos a CPI. Agora são pelo menos 300”, diz.
Em agosto deste ano, a juíza Patrícia Acioli, eleitora de Freixo que vinha punindo milicianos, foi morta por policiais – 21 balas. De lá para cá, as ameaças contra o deputado aumentaram. Revelou-se que um policial tinha recebido a oferta de R$ 400 mil para matá-lo. Em novembro, com o estresse em sua família beirando o insuportável, ele resolveu sair do Brasil e ir passar duas semanas na Espanha, para se proteger dos assassinos e permitir que a polícia reforçasse sua segurança e blindasse seu carro.
Jorge Bispo
Freixo foi a inspiração para o personagem Diogo Fraga, que, ao lado do Coronel Nascimento, foi um dos protagonistas do filme Tropa de elite 2, que expôs as conexões entre o crime organizado e o poder público no Rio e no Brasil todo. Assim como o personagem do filme, ele é historiador, ativista de direitos humanos e deu aulas de história para detentos em presídios. Assim como Fraga, também Freixo conquistou a confiança tanto dos presos quanto de vários policiais do Bope e, antes de virar político, participou diversas vezes de negociações entre a polícia e detentos para encerrar rebeliões na cadeia. “O filme só não reflete a realidade quando retrata minha vida pessoal”, diz. “Eu não me casei com a ex-mulher do Coronel Nascimento.”
Eleito deputado estadual pelo PSOL com 13.507 votos em 2006, Freixo reelegeu-se em 2010 com a segunda maior votação do estado: 177.253 votos, menor apenas que a do apresentador policialesco Wagner Montes. Ele é um dos parlamentares mais admirados da casa, inclusive por políticos de direita. É também um dos deputados mais ativos no Palácio Tiradentes. Durante as sessões plenárias, enquanto a maioria dos deputados se agrupa em animadas rodinhas festivas, ele se mantém sério, concentrado, fazendo anotações e discordando frequentemente dos oradores. Muitas votações acabam com apenas um voto contrário quebrando a unanimidade: o dele.
Agora, mantendo o hábito de estragar festas, Freixo prepara-se para lançar-se candidato a prefeito do Rio, enfrentando uma imensa coalizão de quase 20 partidos que apoiam a reeleição do atual prefeito, Eduardo Paes. Paes conta com o apoio quase unânime da grande mídia, além de uma infinidade de financiadores. Já Freixo terá uma dúzia de segundos na TV, o engajamento de militantes voluntários e o apoio de alguns empresários e artistas, entre eles seu amigo José Padilha, diretor de Tropa de elite, e de Wagner Moura, o ator que interpretou o Coronel Nascimento, nêmesis de Diogo Fraga no filme.
Apesar da luta desigual, Paes já demonstrou que está incomodado com o adversário e que pretende jogar duro com ele. Segundo o jornalista Ricardo Boechat, da BandNews, foi a equipe do prefeito que espalhou o boato, depois desmentido, de que Freixo não viajou para a Espanha para se proteger de ameaças de morte, mas para fazer palestras que já estavam agendadas previamente.
Para entrevistar Freixo, a reportagem da Trip apareceu de manhã no gabinete do deputado. A conversa transcorreu sob o olhar vigilante mas discreto dos policiais à paisana. Os encontros eram agendados pessoalmente, por receio de que houvesse um grampo no telefone e que nossa combinação desse pistas sobre a agenda de Freixo.
Apesar da pressão de viver sob ameaça de morte, Freixo se mantém bem-humorado, faz piadas sobre a política no Rio e não se arrepende de nada. “Eu faria tudo de novo”, diz.
Afinal, UPP é bom ou ruim?
Olha, eu sempre defendi o policiamento comunitário. Eu acho que o princípio de a polícia estar no lugar é inquestionável. Se você disser “não tem mais o tráfico armado aqui, não tem mais invasão de facção, não tem mais troca de tiro”, não dá para dizer que isso é ruim. Ponto. Agora, dizer que a solução é essa e que o problema está resolvido... Qualquer polícia do mundo, para avançar, como aconteceu na Irlanda, tem três pontos que são fundamentais. O primeiro é aproximação com a comunidade, que a UPP garante. Além disso, tem que ter valorização salarial e formação, e isso nossos policiais não têm e continuam não tendo. O salário é absurdamente baixo, a formação é muito precária. E tem que ter controle sobre a polícia. Isso a nossa também não tem. As corregedorias e ouvidorias são lamentáveis.
A história que Tropa de elite 2 conta é mesmo a sua?
O Tropa 2 é baseado no que aconteceu na CPI das Milícias, mas é um filme de ficção. E quer saber? É ficção sim porque a realidade é muito pior do que um filme é capaz de mostrar. O Bráulio [Mantovani, roteirista do filme] veio aqui à Assembleia Legislativa, assistiu a todas as sessões da CPI, leu todos os depoimentos, conversamos inúmeras vezes. Ele me deu a chance de discutir o roteiro e acolheu várias sugestões. Tomei muito café da manhã no hotel onde o Irandhir [Santos, o ator que interpretou Diogo Fraga] ficava hospedado no Flamengo, debatendo as cenas e construindo as falas. O personagem é mesmo muito baseado em mim.
E como é que começou essa sua história?
Eu sou lá de Niterói, da periferia, de um bairro chamado Fonseca. E eu sempre fui boleiro, era cabeça de área. E o único campo de futebol do Fonseca ficava dentro da cadeia. Todo domingo, eu e os meninos da favela, a Vila Ipiranga, alugávamos o campo da cadeia, você acredita nisso?
E seus pais deixavam você ir jogar bola na cadeia?
Pois é, veja como as coisas mudaram. Imagina hoje um garoto de 15 anos falando: “Mãe, eu vou jogar bola com o povo da favela no campo da cadeia”. A mãe tem um treco. Mas, para mim, a hora mais feliz era aquela: ir jogar bola na cadeia todo domingo. A gente adorava. O juiz era sempre um preso, era o único campo de futebol onde ninguém chamava o juiz de ladrão. Como ninguém nunca quer catar, geralmente o goleiro era um preso também. Eu sabia que os caras estavam presos e tudo, mas não ligava, meu negócio era jogar futebol. E aí aquilo fica de alguma maneira dentro da gente.
E isso foi criando um interesse seu pelo sistema prisional.
Exatamente. Depois fui fazer faculdade, entrei em economia e larguei quase no fim do curso para fazer história. Um dia, quando eu tinha 21 anos, estava na faculdade e vi um cartazinho muito vagabundo, que dizia “precisamos de estagiário para dar aula no presídio Edgard Costa”. Na hora eu soube que queria fazer isso.
Que história era essa de aula dentro da cadeia?
Tinha duas celas desativadas lá – eram os bons tempos, em que você podia ter cela desativada, hoje está tudo superlotado. E tinha uma socióloga chamada Regina Brasil, que era agente prisional, que propôs à direção do presídio que ela construísse uma escola ali. A direção respondeu: “Desde que não gaste dinheiro e não me encha o saco, tudo bem”. Aí ela fez esse cartaz mambembe e eu fui um dos primeiros a chegar. Ela falou: “Mas aqui não tem remuneração, é para dar aula de graça. E é para montar tudo, não tem cadeira, não tem nem quadro-negro”. Só tinha o cartazinho. E eu trabalhei anos em presídio como voluntário.
“Minha luta por direitos humanos é antiga. o mandato é mais uma etapa”
E vivia do quê?
Eu trabalhava num cursinho pré-vestibular. Mas em paralelo fui me envolvendo com organizações de direitos humanos que lidavam com prisões. Depois de dar aula, fui voluntário num projeto de prevenção ao HIV e à Aids e então virei pesquisador da área de segurança numa ONG chamada Justiça Global. E, como representante da Justiça Global, eu pertencia ao Conselho da Comunidade, que era um conselho de várias organizações de direitos humanos, previsto pela lei de execução penal. Entre 2000 e 2004, fui presidente do conselho, e aí visitei todas as prisões do Rio e passei a conhecer todos os presos pelo nome.
Todos?
Ah, não vou dizer todos, mas eu conhecia muitos. Então, quando tinha uma rebelião, e rebelião sempre se faz com refém, o Bope ia me buscar em casa. Naquela época eu já era professor de história em cursinho. Teve vezes em que aconteceu exatamente como no filme. Eu estava dando aula e recebia uma mensagem pelo celular – “urgente” – e eu já sabia o que era e interrompia a aula. Eles precisavam ter alguém negociando os termos de rendição, para criar confiabilidade. Por anos, participei da negociação de todas as rebeliões que aconteceram no Rio. E, nesse tempo todo, nunca teve uma pessoa ferida, uma pessoa morta, nenhum problema. Nunca.
Arquivo Pessoal
Marcelo aos 4, todo pimpão com seu primeiro uniforme escolar
Como eram essas participações nas negociações?
Eu chegava ao presídio e recebia do Bope uma avaliação da situação. Qual era o perfil da cadeia, dos presos, quem eram os líderes, quantos reféns. Primeiro tinha que haver uma negociação entre mim e os negociadores do Bope, porque eu não podia falar uma coisa e o Bope fazer outra.
Vocês não pensavam igual, né?
Não, mas eles sabiam que, se a negociação desse errado, depois seria impossível fazer outra. Até porque, se isso acontecesse, eu não estaria na próxima. E ninguém nunca mais se entregaria se eles faltassem com a palavra. Então eles não poderiam me usar pra ter a rendição das armas e depois fazer o que não estava combinado. E eu ia falar com os presos, garantia a eles que só sairia dali quando o último guarda saísse, que não teria esculacho, que não teria Carandiru – “Carandiru” era um termo sempre usado nessas situações.
Interessante o seu papel nessa história. Quando os presos não confiam no Estado e vice-versa, precisa ter alguém em quem os dois lados confiem, não é isso?
Olha, os presos nunca me pediram nada. E eu quando fui candidato nunca visitei uma prisão pra pedir apoio. Nunca fui em uma favela onde eles tinham liderança para pedir voto. Nunca pedi um cotonete para esses caras. E eles nunca me pediram nada que não fosse dentro da lei. Sempre tiveram respeito absoluto. Essa relação de saber quem é quem era fundamental na hora de negociar, porque eu não era um deles. Eu não era sócio. Não tinha sacanagem, entendeu? Tanto é que tinha um guarda, que hoje é subsecretário, que nunca participou de esquema de propina e eles aceitavam que negociasse junto comigo. Já outros guardas que participavam de esquema eles não aceitavam, porque não tinham moral.
E você considera seu trabalho como parlamentar uma continuação dessa história?
Sim, claro. A luta pelos direitos humanos é antiga, o mandato é mais uma etapa. As pessoas da equipe que trabalham comigo são as mesmas que se conheceram na luta. Quando me elegi, em 2006, foi um ano em que as milícias começaram a crescer muito. E quem conhecia as favelas no Rio já claramente identificava a milícia como algo muito perigoso e muito diferente do que a gente conhecia. E naquela época elas estavam buscando legitimidade. Eles já tinham vereadores eleitos e, quando me elegi, um miliciano foi eleito junto comigo [Freixo se refere a José Natalino Guimarães, do DEM, um policial civil que seria preso em 2008.]
Foi aí que você tomou a iniciativa de criar a CPI das Milícias?
Foi. Logo no primeiro mês de mandato, procurei alguns parlamentares que eu achava que pudessem topar essa briga e ninguém aceitou assinar comigo. Eu compreendo, é mesmo um nível de enfrentamento muito barra-pesada. Mas para a gente estava claro que era preciso fazer isso. Porque, se for pra dizer que certas coisas eu não enfrento, é melhor não ter mandato. Se eu tenho mandato, eu não tenho o direito de negar as principais lutas, por mais que isso tenha consequências. E aí fiz esse pedido de CPI no início de fevereiro de 2007 e fiquei um ano e meio esperando. Eu não tinha mais esperança de que ela fosse aberta, porque a milícia tinha muita força na casa. Tinha muita força na sociedade.
Tinha certa legitimidade, não é?
Muita. Além de ter miliciano ali dentro da Assembleia, o poder público não tinha interesse em enfrentá-las. O ex-prefeito chamava a milícia de “autodefesa comunitária”. Tem entrevista do atual prefeito no RJTV dizendo que as chamadas “polícias mineiras” eram um modelo de segurança. Os comandantes de batalhões diziam que a milícia era um mal menor, que ela ajudava a enfrentar o tráfico. Então havia uma construção de legitimidade do crime. Por isso que eu achava que era um crime ainda mais perigoso que o tráfico, porque era um crime que estava dentro do estado, que operava dentro da máquina pública, que crescia e que tinha todas as características de máfia: era extremamente violenta, extremamente bem armada, poderosa economicamente e com um projeto de poder.
E o tráfico não tem projeto de poder?
Nem de perto. Não tem projeto nem de vida, quanto mais de poder. O varejo da droga é muito violento, mas eles não sabem nem o que é estado. Vivem uma relação de poder absolutamente local, enquanto o crime organizado é sempre internacional. Crime organizado é quem faz as armas e a munição chegarem para eles.
E esse cara nós não sabemos nem o nome dele, não é?
Nem os garotos sabem. Quem está na favela não tem nem acesso a eles. Quantas vezes você acha que o Nem saiu da Rocinha? É provável que nenhuma. Quantas vezes ele saiu do Rio de Janeiro? A primeira vez foi agora, quando foi levado para o presídio federal. E esse é o crime organizado? Crime organizado é onde tem dinheiro e poder, não é onde tem barbárie. Crime organizado é feito por gente fina, elegante, mas não muito sincera. E as milícias, ao contrário do tráfico, operam nessa lógica. Elas são um fenômeno recente, que começou a surgir em 2000.
A primeira reportagem que menciona a palavra “milícia” foi da Vera Araújo, no O Globo, em 2005. A Verinha depois foi ameaçada de morte, foi perseguida.
O que em si já demonstra a natureza diferente da milícia, não é?
Traficantes não ameaçavam jornalistas de morte... Traficante nunca matou juiz no Rio. Traficante nunca ameaçou um parlamentar.
E nunca elegeu deputado.
Imagina. O tráfico é “já é, nóis vai”, a milícia é “vossa excelência”. E a questão é que as milícias são donas de currais eleitorais, e por isso elas interessam a muita gente, a muitos políticos. A milícia se baseia em domínio territorial. De certa maneira, ela é fruto de um processo muito antigo de uma polícia violenta, corrupta, que serve a uma elite política corrupta. A ponto de a gente ter tido como chefe da polícia durante dois governos alguém que era o chefe das quadrilhas, o Álvaro Lins [que trabalhou nos governos de Anthony e Rosinha Garotinho e acabou preso em flagrante graças às investigações da CPI]. Então a polícia historicamente se caracteriza pelo domínio de territórios, principalmente onde o estado não chega através dos seus serviços.
Onde o Estado está ausente...
Eu não gosto da teoria do estado ausente. O estado não é ausente. Ele é presente na zona sul de uma maneira e nas zonas norte e oeste de outra. Para a zona sul ele leva serviços. Nas favelas ele chega só através dos seus instrumentos de controle. Porque quando você fala de estado ausente parece que ele não tem o controle, o que não é verdade. O estado tem o controle, mas às vezes ele leiloa. A gente não tem estado paralelo no Rio, tem um estado leiloado. A propriedade é do estado, eu tomo de volta a hora que quiser expulsando os inquilinos. A UPP é a prova de que inquilino pode perder o seu prestígio. Todo vez que se desmonta uma rede de tráfico se descobre um caderninho, igual a esse seu de anotações. Precário igual. E sempre aparece lá a propina, o pagamento semanal. Sempre, não tem uma exceção. Se não pagar, para de funcionar.
E isso é o aluguel que o inquilino paga ao Estado.
É. O tráfico é inquilino, mas não se vê como inquilino. “É nóis, né?”, e aí picha lá: “CV” [Comando Vermelho]. Já a milícia não pixa “milícia” – ela apresenta um distintivo. A milícia, assim como toda máfia, não se diz criminosa. Milícia vai à reunião no Palácio. Ela se candidata a vereador. Ela inaugura obra da Cedae [a empresa de águas e esgotos do Rio] ao lado do governador. Por que milicianos inauguram uma obra do estado? Porque eles eram a base do governo naquele local. E, ao mesmo tempo, eram o crime daquele local. Crime, polícia e política se misturam.
E é um domínio territorial.
Sim, elas dominam territorialmente e militarmente. Mas, diferente do tráfico, a milícia não bota uma barricada, não impede a polícia de entrar. A milícia é a polícia. Ela domina as atividades econômicas. Por exemplo, a distribuição do gás: ninguém mais vende gás a não ser a milícia. A polícia do Rio achou um depósito em Campo Grande com 5 mil botijões de gás, que ocupava um quarteirão inteiro. Domina também o transporte alternativo, que é sua maior fonte de financiamento. Domina o gatonet [a instalação pirata de TV a cabo]. E cobra a taxa de segurança – que eu chamo de taxa-lhe-protejo-de-mim-mesmo. Mas o seu discurso é o da “ordem”, do combate ao tráfico, porque eles buscam a legitimidade, querem o poder, dialogam com o poder. Eles têm um projeto de estado. É diferente de quem nunca esteve no estado – nem nas suas escolas, nem na sua saúde. Eu não estou dizendo com isso que você não tenha que enfrentar o tráfico para enfrentar só a milícia. O que você não pode fazer é ficar escolhendo quem vai enfrentar. Crime é crime e tem que ser enfrentado. Hoje não estamos enfrentando quem é mais perigoso.
E a milícia reproduz as hierarquias do Estado?
Não necessariamente. Tinha muito cabo, muito sargento dono de milícia, que empregava gente de patentes mais altas. É gente que vive nas comunidades e que já tinha relações antigas ali. Então eles dominam essas atividades econômicas que são extremamente lucrativas. Tivemos acesso ao faturamento só com o transporte alternativo de uma das milícias. Eles faturavam R$ 60 mil por dia. Esse dinheiro compra muita arma e muita gente – e serve para fazer campanha. O domínio territorial das milícias se transforma em domínio eleitoral. Todo miliciano é reconhecido pela sua capacidade de brutalidade, mas é também dono de um centro social e faz atendimento, o que é típico da máfia. É um braço de terror e outro braço de assistência.
“O estado não é ausente. Na zona sul ele leva serviços. Na favela, os instrumentos de controle. E o controle pode ser leiloado”
Como são esses centros sociais?
São casas que oferecem atendimento odontológico e ginecológico, cabeleireiro, tiram documentos, fazem festas. E muitas vezes são conveniadas com o poder público, recebem dinheiro do estado. É mais do que um desleixo do poder público, é o poder público que se sustenta através do estado leiloado. Eu diria que, hoje, aqui na Assembleia Legislativa, 90% dos deputados têm centro social – o que não quer dizer que eles sejam todos milicianos, mas mostra o estado da democracia aqui no Rio.
E, quanto mais tempo esses centros sociais continuarem lá, mais difícil vai ser se livrar deles, não é?
Até porque é diferente do tráfico. Para livrar-se do tráfico, o estado fala: “Vou botar uma UPP aí, a polícia vai entrar, saiam”. Mas você vai fazer o que com a milícia? A milícia é a polícia. O único jeito de combatê-la é com inteligência policial. Você precisa olhar para dentro da sua polícia, saber quem é quem, precisa de investigação. Nós conseguimos colocar mais de 500 milicianos na cadeia com a CPI, e claro que isso é importante. Mas tirar da milícia esse território e esse poder econômico é muito mais importante que as prisões, e isso não foi feito.
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Fraga, o deputado do filme Tropa de Elite, mais do que inspirado em Marcelo Freixo
O poder delas então não diminuiu?
Na época da CPI eram 170 áreas dominadas pelas milícias, hoje são mais de 300. Porque apenas prender não elimina a milícia, inclusive porque ela continua comandando de dentro da cadeia. Hoje a milícia mata uma juíza, ameaça um parlamentar, tortura jornalistas. Ano que vem ela vai eleger gente para a Câmara dos Vereadores.
E como faz para combatê-las?
Tem que ter vontade política de enfrentá-las, não basta vontade policial, não basta prender. Tem que tirar delas o domínio do transporte alternativo – o prefeito até agora não fez nada em relação a isso. Para isso, claro, o transporte público tem que funcionar. A Agência Nacional de Petróleo tem que fiscalizar a distribuição do gás – não fiscaliza. Milícia até hoje não é nem crime no Brasil. Se um membro é condenado, é por formação de quadrilha, tentativa de homicídio, homicídio, porte de arma... O projeto para criminalizar a milícia está tramitando desde 2009 no Congresso, mas ninguém tem interesse em votar. Em 2009, fui ao Congresso Nacional, em Brasília, para dizer que essa realidade era só do Rio, mas em breve seria nacional. Voltei agora em 2011 pra dizer “essa realidade já é nacional”. Porque o governo não fez p... nenhuma. O que leva o Rio de Janeiro a ter milícia não é uma exclusividade carioca. Polícia mal paga, polícia e política envolvidas em domínio territorial, clientelismo e assistencialismo político misturados: esses ingredientes você encontra no Brasil inteiro. Hoje tem coisa muito semelhante às milícias do Rio em muitos lugares do Brasil.
E, enquanto você está sozinho defendendo essas medidas, você fica numa posição muito frágil, não é?
Se matam você, acaba o problema deles... Não, ainda tem alguns promotores, alguns poucos juízes. Tinha, por exemplo, a Patrícia Acioli.
Você conhecia a Patrícia?
Eu tinha pouco contato com ela, mas admirava o trabalho que fazia. Ela me procurou na época da CPI, me pediu o relatório, que ajudou nas investigações dela. A morte dela, para mim, foi um baque muito forte, uma barreira que eles venceram. Quando os caras matam uma juíza, usando arma do estado e munição do estado, isso não é um descuido, é um recado. Prenderam o assassino e, no dia seguinte, o comandante do batalhão foi visitá-lo na cadeia. Então é uma afronta. É o crime organizado peitando, três anos depois da CPI. Isso não mostra enfraquecimento. Depois do crime, eu recebi o filho da Patrícia aqui. Ele estava muito emocionado e veio me falar que a mãe dele tinha votado em mim, que ela gostava muito de mim, que ele queria acompanhar o mandato e que ele só queria me pedir uma coisa: para eu não desistir. Isso foi muito forte.
“O que leva o Rio de Janeiro a ter milícia não é uma exclusividade carioca”
Mudou muito o modo como você encara o risco que está correndo?
Muito. Acho que, no fundo, eu acreditava que era difícil eles fazerem alguma coisa comigo. Eu não achava que eles fossem capazes de fazer alguma coisa, porque a consequência ia ser muito grande, ia dar uma m... muito grande. Com a morte da Patrícia, isso em mim teve uma mudança radical.
E aí, logo depois, as ameaças contra você começam a se intensificar.
Pois é. O assassinato dela foi em agosto, em outubro eu começo a receber uma ameaça atrás da outra, num ritmo que eu nunca tinha recebido. Foram sete num mês, duas por semana. Antes disso, tinham sido 20 ao longo de dois anos e meio. E aí mexe muito.
Foi aí que você resolveu sair do país?
Sim, isso é importante esclarecer. As ameaças foram chegando e eu comecei a encaminhá-las para a Secretaria de Segurança, e não recebia nenhum retorno. Um dia, eu recebo uma documento num papel timbrado da coordenadoria de inteligência da polícia militar. Papel oficial, assinado, que falava de “informações contundentes de risco”, envolvendo o Carlão, que fugiu da cadeia e teria recebido R$ 400 mil do Tony para me matar.
E você conhecia essas pessoas? O Carlão e o Tony?
Claro, foram indiciados por nós na CPI. O Carlão tinha acabado de fugir, pela porta da frente da cadeia. É gente poderosa, ele tinha um escritório dentro da detenção. Aí eu peguei o telefone e liguei para o Mariano [José Mariano Beltrame, secretário de Segurança do Rio], para saber que providência eles estavam tomando. O Mariano não sabia de nada. Um documento oficial de um órgão subordinado à secretaria, como é que o secretário não sabe? Isso foi um sinal claro para mim de que eles não estavam fazendo nada. Foi então que entrei em contato com o pessoal da Anistia Internacional, e eles se ofereceram para me tirar por uns tempos do Rio. E eu aceitei com três objetivos: primeiro, distensionar minha família. Segundo, reforçar minha segurança. Eu já tinha pedido antes, mas eles não estavam atendendo, não por má vontade, pura burocracia. Seria o tempo para trocar o carro, pegar um com uma blindagem melhor, o que foi feito. E, terceiro, denunciar que as milícias estão mais fortes e que essas ameaças que eu estou recebendo não estão sendo investigadas.
E aí veio a insinuação de que a história toda não passava de marketing político para lançar sua candidatura a prefeito.
Sim. No segundo dia depois que cheguei à Espanha surge uma informação na mídia de que eu estaria indo para dar palestras numa agenda que já estava marcada. Uma coisa totalmente estapafúrdia. E aí o representante da Anistia teve que dar uma entrevista no rádio no Brasil para desmentir essa versão. E, conforme o Boechat [o jornalista Ricardo Boechat, da BandNews] disse no ar, essa história foi plantada pela própria equipe do prefeito. Para o prefeito fazer isso, ele deve estar incomodado com a minha candidatura.
“Minha campanha não tem dinheiro. Minha aliança é com a sociedade civil”
E como é a construção política dessa candidatura? É viável mesmo?
Olha, é uma candidatura dificílima, porque a disputa é muito desigual. O Eduardo [Paes, atual prefeito, que busca a reeleição] tem 18 partidos ao lado dele, inclusive duvido que ele consiga lembrar os nomes de todos. Fora Fifa, COI, CBF. Então vai ter muita gente com muito dinheiro, muito recurso. Nós temos gente trabalhando de graça e ideias.
Vai ter um esforço de criar uma coligação, de atrair outros partidos?
A gente está muito empenhado no debate de programa. A grande aliança é com a sociedade civil. Quando o programa estiver pronto, no início do ano que vem, aí em cima da proposta de cidade a gente vê quem quer apoiar. Interessa muito o apoio da Marina Silva, que está num campo ético. Vou conversar com o Romário, por que não? O Romário tem sido um aliado nas brigas nossas contra a CBF. Estamos conversando com o Gabeira.
Arquivo Pessoal
os padrinhos no batismo do pequenino Freixo
Quem é que financia sua campanha?
Ninguém. Não tem dinheiro. Se você pegar as contas, é de rir.
Ninguém?
Tem assim um primo que deu um dinheiro, um militante que organizou uma festa. O cara pode ajudar com R$ 1 mil, que nas grandes campanhas não significam absolutamente nada, mas para a gente é um luxo. O José Padilha, que é um grande amigo, quer reunir um grupo de empresários que queiram ajudar.
E essa questão de financiamento de campanha, isso é o nó da política brasileira?
Eu acho isso fundamental. O financiamento público de campanha é um passo importante, porque senão a eleição é mercado. Porque quem financia campanha não financia por simpatia, financia porque é negócio. Parte da sociedade ainda acha que é um absurdo gastar dinheiro público com campanha. Acontece que a gente gasta muito mais dinheiro público com financiamento privado, porque a fatura é alta. No nosso modelo político, o poder do dinheiro determina o resultado eleitoral e isso faz com que a eleição vire um grande negócio. Olhe para as empreiteiras. Quando você vê o Eike Batista ter uma isenção enorme do governo Cabral e depois contribuir com a campanha dele com exatamente 1% do valor que ele teve de isenção, você vê o que a eleição virou.
E um setor que tem poder econômico no Brasil é o tráfico de drogas.
O tráfico de drogas, de armas...
Você acha que tem dinheiro do tráfico de drogas e de armas nas campanhas eleitorais pelo Brasil?
Não tenho a menor dúvida. Olha só, todo grande negócio precisa de força política, seja lícito ou ilícito. O crime é um grande negócio. O crime não é feito por um desvio de personalidade, alguém que apanhou muito na infância. Ele está dentro da lógica do capital, do investimento, do lucro. E todo grande negócio precisa ter trânsito no Congresso, no Senado, nos ministérios.
Como você vê a política de drogas no Brasil? Como resolve esse problema?
A lógica repressiva às drogas é uma catástrofe no mundo. O resultado da política de repressão das drogas é o aumento do consumo e da violência. Esse é um debate fundamental de caminhar para o campo da saúde. Enquanto for ilegal esse é um debate exclusivamente policial e isso é uma barreira gigantesca. Eu sei o problema que é. Perdi muitos amigos por conta de drogas. Quem tem alguém drogado em casa sabe o drama que é.
Seja crack ou seja álcool?
Seja o que for, pode ser droga legal ou ilegal, não dá para ser insensível. A gente só vai ganhar esse debate na hora que a sociedade entender, inclusive os setores mais conservadores, que esse não é um discurso de estímulo à droga. Não pode ser um debate assim: eu sou progressista e você é moralista. Quem ganha com isso é o comércio ilegal.
E agora você está terminando uma nova CPI, não é?
Desta vez para investigar o comércio de armas. Vai fazer tanto barulho quanto a das milícias? É uma CPI diferente. Desta vez, não vai ter indiciamentos, até porque o estado nem sequer sabe quem são as pessoas envolvidas. Há dez anos nenhum traficante de armas é preso no Rio de Janeiro, apesar da quantidade absurda de armas que tem por aí. Desta vez vai ser uma CPI muito propositiva no que diz respeito às falhas do poder público no comércio ilegal de armas. Porque o comércio de drogas já nasce ilegal. Arma não. A arma é produzida na fábrica, de maneira legal, só depois uma parte grande da produção é desviada para o comércio ilegal. E o estado tem um descontrole absoluto. Exército não troca informação com polícia federal, que não troca com a polícia civil. Não compartilham dados, não produzem inteligência. A gente quer apontar o que poderia ser feito. É uma CPI pedagógica. Aliás todo meu mandato a gente acha que tem um caráter pedagógico, de construir um novo olhar e uma nova compreensão sobre as coisas. De não achar que o jeito como as coisas são é natural ou que é impossível mudar.
O Rio de Janeiro está eufórico. A cidade se prepara para se tornar o centro do universo: sede da final da Copa do Mundo de 2014, da Olimpíada de 2016 e da Petrobras, empresa que neste momento esburaca a camada do pré-sal no fundo do oceano para trazer à superfície trilhões de litros de petróleo. A polícia sobe morros e instala UPPs, as Unidades de Polícia Pacificadora, que colocam traficantes para correr. Na fachada do hotel Marina, na beira da praia do Leblon, um imenso cartaz declara que “O Rio é dos bons” e agradece: “Obrigado, Força Policial”. Os famosos botecos da cidade são só sorrisos, celebrações de negócios fechados e reuniões sobre futuras oportunidades. Governos municipal, estadual e federal, pela primeira vez aliados entre si, com amplo apoio da mídia, em especial da carioca Rede Globo, comemoram os bons tempos.
Em meio a tanto oba-oba, um sujeito insiste em jogar areia na festa. O deputado estadual Marcelo Freixo, contrariando o otimismo generalizado, afirma com todas as letras: “O Rio nunca correu tanto risco de cair nas mãos da máfia”. Ele se refere às milícias, formadas por policiais, aliadas de vários políticos locais e paparicadas por todos os principais partidos. “Elas infiltraram o sistema todo”, diz ele. Até a casa onde ele trabalha, a Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. Freixo calcula que algo em torno de 90% dos deputados estaduais por lá têm ligações com centros sociais, as instituições que proveem serviços que deveriam ser papel do estado em comunidades carentes. E que geralmente são o braço comunitário do poder mafioso das milícias.
Por causa dessa mania de atrapalhar festas, Freixo já recebeu 27 ameaças de morte e só anda pela cidade escoltado por policiais à paisana. Não pode ir à praia, apesar de morar pertinho do mar, e só vai ao cinema se planejar com antecedência. As ameaças começaram em 2008, quando Freixo comandou uma CPI que investigou as milícias e terminou com a prisão de mais de 500 pessoas, incluindo vereadores e deputados. Apesar dos indiciamentos, ele afirma que nenhuma das mais de 50 providências sugeridas pela CPI foram colocadas em prática e que, como consequência, o poder miliciano não parou de crescer. “Havia 170 milícias quando fizemos a CPI. Agora são pelo menos 300”, diz.
Em agosto deste ano, a juíza Patrícia Acioli, eleitora de Freixo que vinha punindo milicianos, foi morta por policiais – 21 balas. De lá para cá, as ameaças contra o deputado aumentaram. Revelou-se que um policial tinha recebido a oferta de R$ 400 mil para matá-lo. Em novembro, com o estresse em sua família beirando o insuportável, ele resolveu sair do Brasil e ir passar duas semanas na Espanha, para se proteger dos assassinos e permitir que a polícia reforçasse sua segurança e blindasse seu carro.
Jorge Bispo
Freixo foi a inspiração para o personagem Diogo Fraga, que, ao lado do Coronel Nascimento, foi um dos protagonistas do filme Tropa de elite 2, que expôs as conexões entre o crime organizado e o poder público no Rio e no Brasil todo. Assim como o personagem do filme, ele é historiador, ativista de direitos humanos e deu aulas de história para detentos em presídios. Assim como Fraga, também Freixo conquistou a confiança tanto dos presos quanto de vários policiais do Bope e, antes de virar político, participou diversas vezes de negociações entre a polícia e detentos para encerrar rebeliões na cadeia. “O filme só não reflete a realidade quando retrata minha vida pessoal”, diz. “Eu não me casei com a ex-mulher do Coronel Nascimento.”
Eleito deputado estadual pelo PSOL com 13.507 votos em 2006, Freixo reelegeu-se em 2010 com a segunda maior votação do estado: 177.253 votos, menor apenas que a do apresentador policialesco Wagner Montes. Ele é um dos parlamentares mais admirados da casa, inclusive por políticos de direita. É também um dos deputados mais ativos no Palácio Tiradentes. Durante as sessões plenárias, enquanto a maioria dos deputados se agrupa em animadas rodinhas festivas, ele se mantém sério, concentrado, fazendo anotações e discordando frequentemente dos oradores. Muitas votações acabam com apenas um voto contrário quebrando a unanimidade: o dele.
Agora, mantendo o hábito de estragar festas, Freixo prepara-se para lançar-se candidato a prefeito do Rio, enfrentando uma imensa coalizão de quase 20 partidos que apoiam a reeleição do atual prefeito, Eduardo Paes. Paes conta com o apoio quase unânime da grande mídia, além de uma infinidade de financiadores. Já Freixo terá uma dúzia de segundos na TV, o engajamento de militantes voluntários e o apoio de alguns empresários e artistas, entre eles seu amigo José Padilha, diretor de Tropa de elite, e de Wagner Moura, o ator que interpretou o Coronel Nascimento, nêmesis de Diogo Fraga no filme.
Apesar da luta desigual, Paes já demonstrou que está incomodado com o adversário e que pretende jogar duro com ele. Segundo o jornalista Ricardo Boechat, da BandNews, foi a equipe do prefeito que espalhou o boato, depois desmentido, de que Freixo não viajou para a Espanha para se proteger de ameaças de morte, mas para fazer palestras que já estavam agendadas previamente.
Para entrevistar Freixo, a reportagem da Trip apareceu de manhã no gabinete do deputado. A conversa transcorreu sob o olhar vigilante mas discreto dos policiais à paisana. Os encontros eram agendados pessoalmente, por receio de que houvesse um grampo no telefone e que nossa combinação desse pistas sobre a agenda de Freixo.
Apesar da pressão de viver sob ameaça de morte, Freixo se mantém bem-humorado, faz piadas sobre a política no Rio e não se arrepende de nada. “Eu faria tudo de novo”, diz.
Afinal, UPP é bom ou ruim?
Olha, eu sempre defendi o policiamento comunitário. Eu acho que o princípio de a polícia estar no lugar é inquestionável. Se você disser “não tem mais o tráfico armado aqui, não tem mais invasão de facção, não tem mais troca de tiro”, não dá para dizer que isso é ruim. Ponto. Agora, dizer que a solução é essa e que o problema está resolvido... Qualquer polícia do mundo, para avançar, como aconteceu na Irlanda, tem três pontos que são fundamentais. O primeiro é aproximação com a comunidade, que a UPP garante. Além disso, tem que ter valorização salarial e formação, e isso nossos policiais não têm e continuam não tendo. O salário é absurdamente baixo, a formação é muito precária. E tem que ter controle sobre a polícia. Isso a nossa também não tem. As corregedorias e ouvidorias são lamentáveis.
A história que Tropa de elite 2 conta é mesmo a sua?
O Tropa 2 é baseado no que aconteceu na CPI das Milícias, mas é um filme de ficção. E quer saber? É ficção sim porque a realidade é muito pior do que um filme é capaz de mostrar. O Bráulio [Mantovani, roteirista do filme] veio aqui à Assembleia Legislativa, assistiu a todas as sessões da CPI, leu todos os depoimentos, conversamos inúmeras vezes. Ele me deu a chance de discutir o roteiro e acolheu várias sugestões. Tomei muito café da manhã no hotel onde o Irandhir [Santos, o ator que interpretou Diogo Fraga] ficava hospedado no Flamengo, debatendo as cenas e construindo as falas. O personagem é mesmo muito baseado em mim.
E como é que começou essa sua história?
Eu sou lá de Niterói, da periferia, de um bairro chamado Fonseca. E eu sempre fui boleiro, era cabeça de área. E o único campo de futebol do Fonseca ficava dentro da cadeia. Todo domingo, eu e os meninos da favela, a Vila Ipiranga, alugávamos o campo da cadeia, você acredita nisso?
E seus pais deixavam você ir jogar bola na cadeia?
Pois é, veja como as coisas mudaram. Imagina hoje um garoto de 15 anos falando: “Mãe, eu vou jogar bola com o povo da favela no campo da cadeia”. A mãe tem um treco. Mas, para mim, a hora mais feliz era aquela: ir jogar bola na cadeia todo domingo. A gente adorava. O juiz era sempre um preso, era o único campo de futebol onde ninguém chamava o juiz de ladrão. Como ninguém nunca quer catar, geralmente o goleiro era um preso também. Eu sabia que os caras estavam presos e tudo, mas não ligava, meu negócio era jogar futebol. E aí aquilo fica de alguma maneira dentro da gente.
E isso foi criando um interesse seu pelo sistema prisional.
Exatamente. Depois fui fazer faculdade, entrei em economia e larguei quase no fim do curso para fazer história. Um dia, quando eu tinha 21 anos, estava na faculdade e vi um cartazinho muito vagabundo, que dizia “precisamos de estagiário para dar aula no presídio Edgard Costa”. Na hora eu soube que queria fazer isso.
Que história era essa de aula dentro da cadeia?
Tinha duas celas desativadas lá – eram os bons tempos, em que você podia ter cela desativada, hoje está tudo superlotado. E tinha uma socióloga chamada Regina Brasil, que era agente prisional, que propôs à direção do presídio que ela construísse uma escola ali. A direção respondeu: “Desde que não gaste dinheiro e não me encha o saco, tudo bem”. Aí ela fez esse cartaz mambembe e eu fui um dos primeiros a chegar. Ela falou: “Mas aqui não tem remuneração, é para dar aula de graça. E é para montar tudo, não tem cadeira, não tem nem quadro-negro”. Só tinha o cartazinho. E eu trabalhei anos em presídio como voluntário.
“Minha luta por direitos humanos é antiga. o mandato é mais uma etapa”
E vivia do quê?
Eu trabalhava num cursinho pré-vestibular. Mas em paralelo fui me envolvendo com organizações de direitos humanos que lidavam com prisões. Depois de dar aula, fui voluntário num projeto de prevenção ao HIV e à Aids e então virei pesquisador da área de segurança numa ONG chamada Justiça Global. E, como representante da Justiça Global, eu pertencia ao Conselho da Comunidade, que era um conselho de várias organizações de direitos humanos, previsto pela lei de execução penal. Entre 2000 e 2004, fui presidente do conselho, e aí visitei todas as prisões do Rio e passei a conhecer todos os presos pelo nome.
Todos?
Ah, não vou dizer todos, mas eu conhecia muitos. Então, quando tinha uma rebelião, e rebelião sempre se faz com refém, o Bope ia me buscar em casa. Naquela época eu já era professor de história em cursinho. Teve vezes em que aconteceu exatamente como no filme. Eu estava dando aula e recebia uma mensagem pelo celular – “urgente” – e eu já sabia o que era e interrompia a aula. Eles precisavam ter alguém negociando os termos de rendição, para criar confiabilidade. Por anos, participei da negociação de todas as rebeliões que aconteceram no Rio. E, nesse tempo todo, nunca teve uma pessoa ferida, uma pessoa morta, nenhum problema. Nunca.
Arquivo Pessoal
Marcelo aos 4, todo pimpão com seu primeiro uniforme escolar
Como eram essas participações nas negociações?
Eu chegava ao presídio e recebia do Bope uma avaliação da situação. Qual era o perfil da cadeia, dos presos, quem eram os líderes, quantos reféns. Primeiro tinha que haver uma negociação entre mim e os negociadores do Bope, porque eu não podia falar uma coisa e o Bope fazer outra.
Vocês não pensavam igual, né?
Não, mas eles sabiam que, se a negociação desse errado, depois seria impossível fazer outra. Até porque, se isso acontecesse, eu não estaria na próxima. E ninguém nunca mais se entregaria se eles faltassem com a palavra. Então eles não poderiam me usar pra ter a rendição das armas e depois fazer o que não estava combinado. E eu ia falar com os presos, garantia a eles que só sairia dali quando o último guarda saísse, que não teria esculacho, que não teria Carandiru – “Carandiru” era um termo sempre usado nessas situações.
Interessante o seu papel nessa história. Quando os presos não confiam no Estado e vice-versa, precisa ter alguém em quem os dois lados confiem, não é isso?
Olha, os presos nunca me pediram nada. E eu quando fui candidato nunca visitei uma prisão pra pedir apoio. Nunca fui em uma favela onde eles tinham liderança para pedir voto. Nunca pedi um cotonete para esses caras. E eles nunca me pediram nada que não fosse dentro da lei. Sempre tiveram respeito absoluto. Essa relação de saber quem é quem era fundamental na hora de negociar, porque eu não era um deles. Eu não era sócio. Não tinha sacanagem, entendeu? Tanto é que tinha um guarda, que hoje é subsecretário, que nunca participou de esquema de propina e eles aceitavam que negociasse junto comigo. Já outros guardas que participavam de esquema eles não aceitavam, porque não tinham moral.
E você considera seu trabalho como parlamentar uma continuação dessa história?
Sim, claro. A luta pelos direitos humanos é antiga, o mandato é mais uma etapa. As pessoas da equipe que trabalham comigo são as mesmas que se conheceram na luta. Quando me elegi, em 2006, foi um ano em que as milícias começaram a crescer muito. E quem conhecia as favelas no Rio já claramente identificava a milícia como algo muito perigoso e muito diferente do que a gente conhecia. E naquela época elas estavam buscando legitimidade. Eles já tinham vereadores eleitos e, quando me elegi, um miliciano foi eleito junto comigo [Freixo se refere a José Natalino Guimarães, do DEM, um policial civil que seria preso em 2008.]
Foi aí que você tomou a iniciativa de criar a CPI das Milícias?
Foi. Logo no primeiro mês de mandato, procurei alguns parlamentares que eu achava que pudessem topar essa briga e ninguém aceitou assinar comigo. Eu compreendo, é mesmo um nível de enfrentamento muito barra-pesada. Mas para a gente estava claro que era preciso fazer isso. Porque, se for pra dizer que certas coisas eu não enfrento, é melhor não ter mandato. Se eu tenho mandato, eu não tenho o direito de negar as principais lutas, por mais que isso tenha consequências. E aí fiz esse pedido de CPI no início de fevereiro de 2007 e fiquei um ano e meio esperando. Eu não tinha mais esperança de que ela fosse aberta, porque a milícia tinha muita força na casa. Tinha muita força na sociedade.
Tinha certa legitimidade, não é?
Muita. Além de ter miliciano ali dentro da Assembleia, o poder público não tinha interesse em enfrentá-las. O ex-prefeito chamava a milícia de “autodefesa comunitária”. Tem entrevista do atual prefeito no RJTV dizendo que as chamadas “polícias mineiras” eram um modelo de segurança. Os comandantes de batalhões diziam que a milícia era um mal menor, que ela ajudava a enfrentar o tráfico. Então havia uma construção de legitimidade do crime. Por isso que eu achava que era um crime ainda mais perigoso que o tráfico, porque era um crime que estava dentro do estado, que operava dentro da máquina pública, que crescia e que tinha todas as características de máfia: era extremamente violenta, extremamente bem armada, poderosa economicamente e com um projeto de poder.
E o tráfico não tem projeto de poder?
Nem de perto. Não tem projeto nem de vida, quanto mais de poder. O varejo da droga é muito violento, mas eles não sabem nem o que é estado. Vivem uma relação de poder absolutamente local, enquanto o crime organizado é sempre internacional. Crime organizado é quem faz as armas e a munição chegarem para eles.
E esse cara nós não sabemos nem o nome dele, não é?
Nem os garotos sabem. Quem está na favela não tem nem acesso a eles. Quantas vezes você acha que o Nem saiu da Rocinha? É provável que nenhuma. Quantas vezes ele saiu do Rio de Janeiro? A primeira vez foi agora, quando foi levado para o presídio federal. E esse é o crime organizado? Crime organizado é onde tem dinheiro e poder, não é onde tem barbárie. Crime organizado é feito por gente fina, elegante, mas não muito sincera. E as milícias, ao contrário do tráfico, operam nessa lógica. Elas são um fenômeno recente, que começou a surgir em 2000.
A primeira reportagem que menciona a palavra “milícia” foi da Vera Araújo, no O Globo, em 2005. A Verinha depois foi ameaçada de morte, foi perseguida.
O que em si já demonstra a natureza diferente da milícia, não é?
Traficantes não ameaçavam jornalistas de morte... Traficante nunca matou juiz no Rio. Traficante nunca ameaçou um parlamentar.
E nunca elegeu deputado.
Imagina. O tráfico é “já é, nóis vai”, a milícia é “vossa excelência”. E a questão é que as milícias são donas de currais eleitorais, e por isso elas interessam a muita gente, a muitos políticos. A milícia se baseia em domínio territorial. De certa maneira, ela é fruto de um processo muito antigo de uma polícia violenta, corrupta, que serve a uma elite política corrupta. A ponto de a gente ter tido como chefe da polícia durante dois governos alguém que era o chefe das quadrilhas, o Álvaro Lins [que trabalhou nos governos de Anthony e Rosinha Garotinho e acabou preso em flagrante graças às investigações da CPI]. Então a polícia historicamente se caracteriza pelo domínio de territórios, principalmente onde o estado não chega através dos seus serviços.
Onde o Estado está ausente...
Eu não gosto da teoria do estado ausente. O estado não é ausente. Ele é presente na zona sul de uma maneira e nas zonas norte e oeste de outra. Para a zona sul ele leva serviços. Nas favelas ele chega só através dos seus instrumentos de controle. Porque quando você fala de estado ausente parece que ele não tem o controle, o que não é verdade. O estado tem o controle, mas às vezes ele leiloa. A gente não tem estado paralelo no Rio, tem um estado leiloado. A propriedade é do estado, eu tomo de volta a hora que quiser expulsando os inquilinos. A UPP é a prova de que inquilino pode perder o seu prestígio. Todo vez que se desmonta uma rede de tráfico se descobre um caderninho, igual a esse seu de anotações. Precário igual. E sempre aparece lá a propina, o pagamento semanal. Sempre, não tem uma exceção. Se não pagar, para de funcionar.
E isso é o aluguel que o inquilino paga ao Estado.
É. O tráfico é inquilino, mas não se vê como inquilino. “É nóis, né?”, e aí picha lá: “CV” [Comando Vermelho]. Já a milícia não pixa “milícia” – ela apresenta um distintivo. A milícia, assim como toda máfia, não se diz criminosa. Milícia vai à reunião no Palácio. Ela se candidata a vereador. Ela inaugura obra da Cedae [a empresa de águas e esgotos do Rio] ao lado do governador. Por que milicianos inauguram uma obra do estado? Porque eles eram a base do governo naquele local. E, ao mesmo tempo, eram o crime daquele local. Crime, polícia e política se misturam.
E é um domínio territorial.
Sim, elas dominam territorialmente e militarmente. Mas, diferente do tráfico, a milícia não bota uma barricada, não impede a polícia de entrar. A milícia é a polícia. Ela domina as atividades econômicas. Por exemplo, a distribuição do gás: ninguém mais vende gás a não ser a milícia. A polícia do Rio achou um depósito em Campo Grande com 5 mil botijões de gás, que ocupava um quarteirão inteiro. Domina também o transporte alternativo, que é sua maior fonte de financiamento. Domina o gatonet [a instalação pirata de TV a cabo]. E cobra a taxa de segurança – que eu chamo de taxa-lhe-protejo-de-mim-mesmo. Mas o seu discurso é o da “ordem”, do combate ao tráfico, porque eles buscam a legitimidade, querem o poder, dialogam com o poder. Eles têm um projeto de estado. É diferente de quem nunca esteve no estado – nem nas suas escolas, nem na sua saúde. Eu não estou dizendo com isso que você não tenha que enfrentar o tráfico para enfrentar só a milícia. O que você não pode fazer é ficar escolhendo quem vai enfrentar. Crime é crime e tem que ser enfrentado. Hoje não estamos enfrentando quem é mais perigoso.
E a milícia reproduz as hierarquias do Estado?
Não necessariamente. Tinha muito cabo, muito sargento dono de milícia, que empregava gente de patentes mais altas. É gente que vive nas comunidades e que já tinha relações antigas ali. Então eles dominam essas atividades econômicas que são extremamente lucrativas. Tivemos acesso ao faturamento só com o transporte alternativo de uma das milícias. Eles faturavam R$ 60 mil por dia. Esse dinheiro compra muita arma e muita gente – e serve para fazer campanha. O domínio territorial das milícias se transforma em domínio eleitoral. Todo miliciano é reconhecido pela sua capacidade de brutalidade, mas é também dono de um centro social e faz atendimento, o que é típico da máfia. É um braço de terror e outro braço de assistência.
“O estado não é ausente. Na zona sul ele leva serviços. Na favela, os instrumentos de controle. E o controle pode ser leiloado”
Como são esses centros sociais?
São casas que oferecem atendimento odontológico e ginecológico, cabeleireiro, tiram documentos, fazem festas. E muitas vezes são conveniadas com o poder público, recebem dinheiro do estado. É mais do que um desleixo do poder público, é o poder público que se sustenta através do estado leiloado. Eu diria que, hoje, aqui na Assembleia Legislativa, 90% dos deputados têm centro social – o que não quer dizer que eles sejam todos milicianos, mas mostra o estado da democracia aqui no Rio.
E, quanto mais tempo esses centros sociais continuarem lá, mais difícil vai ser se livrar deles, não é?
Até porque é diferente do tráfico. Para livrar-se do tráfico, o estado fala: “Vou botar uma UPP aí, a polícia vai entrar, saiam”. Mas você vai fazer o que com a milícia? A milícia é a polícia. O único jeito de combatê-la é com inteligência policial. Você precisa olhar para dentro da sua polícia, saber quem é quem, precisa de investigação. Nós conseguimos colocar mais de 500 milicianos na cadeia com a CPI, e claro que isso é importante. Mas tirar da milícia esse território e esse poder econômico é muito mais importante que as prisões, e isso não foi feito.
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Fraga, o deputado do filme Tropa de Elite, mais do que inspirado em Marcelo Freixo
O poder delas então não diminuiu?
Na época da CPI eram 170 áreas dominadas pelas milícias, hoje são mais de 300. Porque apenas prender não elimina a milícia, inclusive porque ela continua comandando de dentro da cadeia. Hoje a milícia mata uma juíza, ameaça um parlamentar, tortura jornalistas. Ano que vem ela vai eleger gente para a Câmara dos Vereadores.
E como faz para combatê-las?
Tem que ter vontade política de enfrentá-las, não basta vontade policial, não basta prender. Tem que tirar delas o domínio do transporte alternativo – o prefeito até agora não fez nada em relação a isso. Para isso, claro, o transporte público tem que funcionar. A Agência Nacional de Petróleo tem que fiscalizar a distribuição do gás – não fiscaliza. Milícia até hoje não é nem crime no Brasil. Se um membro é condenado, é por formação de quadrilha, tentativa de homicídio, homicídio, porte de arma... O projeto para criminalizar a milícia está tramitando desde 2009 no Congresso, mas ninguém tem interesse em votar. Em 2009, fui ao Congresso Nacional, em Brasília, para dizer que essa realidade era só do Rio, mas em breve seria nacional. Voltei agora em 2011 pra dizer “essa realidade já é nacional”. Porque o governo não fez p... nenhuma. O que leva o Rio de Janeiro a ter milícia não é uma exclusividade carioca. Polícia mal paga, polícia e política envolvidas em domínio territorial, clientelismo e assistencialismo político misturados: esses ingredientes você encontra no Brasil inteiro. Hoje tem coisa muito semelhante às milícias do Rio em muitos lugares do Brasil.
E, enquanto você está sozinho defendendo essas medidas, você fica numa posição muito frágil, não é?
Se matam você, acaba o problema deles... Não, ainda tem alguns promotores, alguns poucos juízes. Tinha, por exemplo, a Patrícia Acioli.
Você conhecia a Patrícia?
Eu tinha pouco contato com ela, mas admirava o trabalho que fazia. Ela me procurou na época da CPI, me pediu o relatório, que ajudou nas investigações dela. A morte dela, para mim, foi um baque muito forte, uma barreira que eles venceram. Quando os caras matam uma juíza, usando arma do estado e munição do estado, isso não é um descuido, é um recado. Prenderam o assassino e, no dia seguinte, o comandante do batalhão foi visitá-lo na cadeia. Então é uma afronta. É o crime organizado peitando, três anos depois da CPI. Isso não mostra enfraquecimento. Depois do crime, eu recebi o filho da Patrícia aqui. Ele estava muito emocionado e veio me falar que a mãe dele tinha votado em mim, que ela gostava muito de mim, que ele queria acompanhar o mandato e que ele só queria me pedir uma coisa: para eu não desistir. Isso foi muito forte.
“O que leva o Rio de Janeiro a ter milícia não é uma exclusividade carioca”
Mudou muito o modo como você encara o risco que está correndo?
Muito. Acho que, no fundo, eu acreditava que era difícil eles fazerem alguma coisa comigo. Eu não achava que eles fossem capazes de fazer alguma coisa, porque a consequência ia ser muito grande, ia dar uma m... muito grande. Com a morte da Patrícia, isso em mim teve uma mudança radical.
E aí, logo depois, as ameaças contra você começam a se intensificar.
Pois é. O assassinato dela foi em agosto, em outubro eu começo a receber uma ameaça atrás da outra, num ritmo que eu nunca tinha recebido. Foram sete num mês, duas por semana. Antes disso, tinham sido 20 ao longo de dois anos e meio. E aí mexe muito.
Foi aí que você resolveu sair do país?
Sim, isso é importante esclarecer. As ameaças foram chegando e eu comecei a encaminhá-las para a Secretaria de Segurança, e não recebia nenhum retorno. Um dia, eu recebo uma documento num papel timbrado da coordenadoria de inteligência da polícia militar. Papel oficial, assinado, que falava de “informações contundentes de risco”, envolvendo o Carlão, que fugiu da cadeia e teria recebido R$ 400 mil do Tony para me matar.
E você conhecia essas pessoas? O Carlão e o Tony?
Claro, foram indiciados por nós na CPI. O Carlão tinha acabado de fugir, pela porta da frente da cadeia. É gente poderosa, ele tinha um escritório dentro da detenção. Aí eu peguei o telefone e liguei para o Mariano [José Mariano Beltrame, secretário de Segurança do Rio], para saber que providência eles estavam tomando. O Mariano não sabia de nada. Um documento oficial de um órgão subordinado à secretaria, como é que o secretário não sabe? Isso foi um sinal claro para mim de que eles não estavam fazendo nada. Foi então que entrei em contato com o pessoal da Anistia Internacional, e eles se ofereceram para me tirar por uns tempos do Rio. E eu aceitei com três objetivos: primeiro, distensionar minha família. Segundo, reforçar minha segurança. Eu já tinha pedido antes, mas eles não estavam atendendo, não por má vontade, pura burocracia. Seria o tempo para trocar o carro, pegar um com uma blindagem melhor, o que foi feito. E, terceiro, denunciar que as milícias estão mais fortes e que essas ameaças que eu estou recebendo não estão sendo investigadas.
E aí veio a insinuação de que a história toda não passava de marketing político para lançar sua candidatura a prefeito.
Sim. No segundo dia depois que cheguei à Espanha surge uma informação na mídia de que eu estaria indo para dar palestras numa agenda que já estava marcada. Uma coisa totalmente estapafúrdia. E aí o representante da Anistia teve que dar uma entrevista no rádio no Brasil para desmentir essa versão. E, conforme o Boechat [o jornalista Ricardo Boechat, da BandNews] disse no ar, essa história foi plantada pela própria equipe do prefeito. Para o prefeito fazer isso, ele deve estar incomodado com a minha candidatura.
“Minha campanha não tem dinheiro. Minha aliança é com a sociedade civil”
E como é a construção política dessa candidatura? É viável mesmo?
Olha, é uma candidatura dificílima, porque a disputa é muito desigual. O Eduardo [Paes, atual prefeito, que busca a reeleição] tem 18 partidos ao lado dele, inclusive duvido que ele consiga lembrar os nomes de todos. Fora Fifa, COI, CBF. Então vai ter muita gente com muito dinheiro, muito recurso. Nós temos gente trabalhando de graça e ideias.
Vai ter um esforço de criar uma coligação, de atrair outros partidos?
A gente está muito empenhado no debate de programa. A grande aliança é com a sociedade civil. Quando o programa estiver pronto, no início do ano que vem, aí em cima da proposta de cidade a gente vê quem quer apoiar. Interessa muito o apoio da Marina Silva, que está num campo ético. Vou conversar com o Romário, por que não? O Romário tem sido um aliado nas brigas nossas contra a CBF. Estamos conversando com o Gabeira.
Arquivo Pessoal
os padrinhos no batismo do pequenino Freixo
Quem é que financia sua campanha?
Ninguém. Não tem dinheiro. Se você pegar as contas, é de rir.
Ninguém?
Tem assim um primo que deu um dinheiro, um militante que organizou uma festa. O cara pode ajudar com R$ 1 mil, que nas grandes campanhas não significam absolutamente nada, mas para a gente é um luxo. O José Padilha, que é um grande amigo, quer reunir um grupo de empresários que queiram ajudar.
E essa questão de financiamento de campanha, isso é o nó da política brasileira?
Eu acho isso fundamental. O financiamento público de campanha é um passo importante, porque senão a eleição é mercado. Porque quem financia campanha não financia por simpatia, financia porque é negócio. Parte da sociedade ainda acha que é um absurdo gastar dinheiro público com campanha. Acontece que a gente gasta muito mais dinheiro público com financiamento privado, porque a fatura é alta. No nosso modelo político, o poder do dinheiro determina o resultado eleitoral e isso faz com que a eleição vire um grande negócio. Olhe para as empreiteiras. Quando você vê o Eike Batista ter uma isenção enorme do governo Cabral e depois contribuir com a campanha dele com exatamente 1% do valor que ele teve de isenção, você vê o que a eleição virou.
E um setor que tem poder econômico no Brasil é o tráfico de drogas.
O tráfico de drogas, de armas...
Você acha que tem dinheiro do tráfico de drogas e de armas nas campanhas eleitorais pelo Brasil?
Não tenho a menor dúvida. Olha só, todo grande negócio precisa de força política, seja lícito ou ilícito. O crime é um grande negócio. O crime não é feito por um desvio de personalidade, alguém que apanhou muito na infância. Ele está dentro da lógica do capital, do investimento, do lucro. E todo grande negócio precisa ter trânsito no Congresso, no Senado, nos ministérios.
Como você vê a política de drogas no Brasil? Como resolve esse problema?
A lógica repressiva às drogas é uma catástrofe no mundo. O resultado da política de repressão das drogas é o aumento do consumo e da violência. Esse é um debate fundamental de caminhar para o campo da saúde. Enquanto for ilegal esse é um debate exclusivamente policial e isso é uma barreira gigantesca. Eu sei o problema que é. Perdi muitos amigos por conta de drogas. Quem tem alguém drogado em casa sabe o drama que é.
Seja crack ou seja álcool?
Seja o que for, pode ser droga legal ou ilegal, não dá para ser insensível. A gente só vai ganhar esse debate na hora que a sociedade entender, inclusive os setores mais conservadores, que esse não é um discurso de estímulo à droga. Não pode ser um debate assim: eu sou progressista e você é moralista. Quem ganha com isso é o comércio ilegal.
E agora você está terminando uma nova CPI, não é?
Desta vez para investigar o comércio de armas. Vai fazer tanto barulho quanto a das milícias? É uma CPI diferente. Desta vez, não vai ter indiciamentos, até porque o estado nem sequer sabe quem são as pessoas envolvidas. Há dez anos nenhum traficante de armas é preso no Rio de Janeiro, apesar da quantidade absurda de armas que tem por aí. Desta vez vai ser uma CPI muito propositiva no que diz respeito às falhas do poder público no comércio ilegal de armas. Porque o comércio de drogas já nasce ilegal. Arma não. A arma é produzida na fábrica, de maneira legal, só depois uma parte grande da produção é desviada para o comércio ilegal. E o estado tem um descontrole absoluto. Exército não troca informação com polícia federal, que não troca com a polícia civil. Não compartilham dados, não produzem inteligência. A gente quer apontar o que poderia ser feito. É uma CPI pedagógica. Aliás todo meu mandato a gente acha que tem um caráter pedagógico, de construir um novo olhar e uma nova compreensão sobre as coisas. De não achar que o jeito como as coisas são é natural ou que é impossível mudar.
quarta-feira, 21 de dezembro de 2011
DESPERTAR É PRECISO
Na primeira noite eles aproximam-se e colhem uma Flor do nosso jardim e não dizemos nada.
Na segunda noite, Já não se escondem; pisam as flores, matam o nosso cão, e não dizemos nada.
Até que um dia o mais frágil deles entra sozinho em nossa casa, rouba-nos a lua e, conhecendo o nosso medo, arranca-nos a voz da garganta. E porque não dissemos nada, Já não podemos dizer nada.
Vladimir Maiakoviski
Poeta russo
Na segunda noite, Já não se escondem; pisam as flores, matam o nosso cão, e não dizemos nada.
Até que um dia o mais frágil deles entra sozinho em nossa casa, rouba-nos a lua e, conhecendo o nosso medo, arranca-nos a voz da garganta. E porque não dissemos nada, Já não podemos dizer nada.
Vladimir Maiakoviski
Poeta russo
Governo abandona de vez a reforma agrária
Apenas 6 mil famílias foram assentadas este ano no país, enquanto a concentração de terra aumenta e os latifúndios improdutivos somam mais de 130 milhões de hectares
http://www.psolmesdf.blogspot.com/
Por Lúcia Rodrigues
Gilmar Mauro fala da situação agrária no Brasil
“A estrutura fundiária do Brasil continua a mesma do período colonial”. A afirmação de Gilmar Mauro, dirigente nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, o MST, não é mera retórica. Está calcada em estudos que comprovam que pouco se avançou em termos de distribuição da terra desde os tempos da Coroa Portuguesa.
O coeficiente de Gini, índice utilizado em pesquisas científicas para medir o grau de desigualdade social, revela que a concentração de terra no país até aumentou, se os dados analisados forem os do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Em 1950, os números do IBGE apontavam 0,840 de concentração. Cinco décadas e meia depois, em 2006, esse índice subiu para 0,854. Quanto mais o índice se aproxima de um, maior o grau de concentração da terra.
Dados do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) são levemente mais generosos. Por eles, se verifica que houve uma ligeira queda na concentração fundiária, que passou de 0,836, em 1967, para 0,820, em 2010. Os indicadores nos dois casos demonstram que a distribuição continua longe, de atender à demanda dos que pleiteiam acesso à terra neste país.
Hoje, 1% dos grandes latifundiários domina mais de 40% das terras brasileiras. Não bastasse a altíssima concentração fundiária nas mãos de poucos, ainda há outro agravante. A esmagadora maioria dessas propriedades é improdutiva.
Dos 217,4 milhões de hectares registrados pelo Incra como grandes propriedades, 136,8 milhões são identificados como improdutivos. Não cumprem, portanto, a função social preconizada pela Constituição Federal de 1988.
Mas o total de hectares de latifúndios improdutivos no Brasil é muito superior à área reconhecida pelo órgão governamental. O próprio Incra assume isso. A legislação existente dificulta que inúmeras propriedades improdutivas sejam catalogadas como tal.
Os índices de produtividade da terra estabelecidos em lei, com base no Censo Agropecuário de 1975, contribuem para isso. Totalmente defasados, se ancoram em um modelo de agricultura que não faz mais parte da realidade. O grau de mecanização adotado hoje, por exemplo, permite que se produza uma maior quantidade de produtos em um menor espaço de terra.
Mais informações »
A Privataria Petista – quem vai denunciar?
A Câmara dos Deputados pode votar o Projeto de Lei (PL) 1992/2007, que privatiza a previdência dos servidores públicos federais, entregando-a ao incerto mercado financeiro, controlado pelos grandes bancos.
Desta forma, o Estado se livra da obrigação de pagar as aposentadorias aos servidores, que serão limitadas ao teto do INSS, atualmente de R$ 3.691,74, e que vem perdendo valor nas últimas décadas. Para receberem mais, os servidores terão de contribuir para Fundo de Pensão, que direcionará os recursos para aplicações financeiras com rendimento incerto, e que definirão o valor da futura aposentadoria.
O eterno argumento para tamanha “privataria”, assim como em todas as privatizações anteriores, seria a suposta falta de recursos para a manutenção do sistema público de aposentadorias. Alega-se que os gastos com servidores inativos e pensionistas estariam em disparada e fora de controle.
http://www.psolmesdf.blogspot.com/
Por Lúcia Rodrigues
Gilmar Mauro fala da situação agrária no Brasil
“A estrutura fundiária do Brasil continua a mesma do período colonial”. A afirmação de Gilmar Mauro, dirigente nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, o MST, não é mera retórica. Está calcada em estudos que comprovam que pouco se avançou em termos de distribuição da terra desde os tempos da Coroa Portuguesa.
O coeficiente de Gini, índice utilizado em pesquisas científicas para medir o grau de desigualdade social, revela que a concentração de terra no país até aumentou, se os dados analisados forem os do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Em 1950, os números do IBGE apontavam 0,840 de concentração. Cinco décadas e meia depois, em 2006, esse índice subiu para 0,854. Quanto mais o índice se aproxima de um, maior o grau de concentração da terra.
Dados do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) são levemente mais generosos. Por eles, se verifica que houve uma ligeira queda na concentração fundiária, que passou de 0,836, em 1967, para 0,820, em 2010. Os indicadores nos dois casos demonstram que a distribuição continua longe, de atender à demanda dos que pleiteiam acesso à terra neste país.
Hoje, 1% dos grandes latifundiários domina mais de 40% das terras brasileiras. Não bastasse a altíssima concentração fundiária nas mãos de poucos, ainda há outro agravante. A esmagadora maioria dessas propriedades é improdutiva.
Dos 217,4 milhões de hectares registrados pelo Incra como grandes propriedades, 136,8 milhões são identificados como improdutivos. Não cumprem, portanto, a função social preconizada pela Constituição Federal de 1988.
Mas o total de hectares de latifúndios improdutivos no Brasil é muito superior à área reconhecida pelo órgão governamental. O próprio Incra assume isso. A legislação existente dificulta que inúmeras propriedades improdutivas sejam catalogadas como tal.
Os índices de produtividade da terra estabelecidos em lei, com base no Censo Agropecuário de 1975, contribuem para isso. Totalmente defasados, se ancoram em um modelo de agricultura que não faz mais parte da realidade. O grau de mecanização adotado hoje, por exemplo, permite que se produza uma maior quantidade de produtos em um menor espaço de terra.
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A Privataria Petista – quem vai denunciar?
A Câmara dos Deputados pode votar o Projeto de Lei (PL) 1992/2007, que privatiza a previdência dos servidores públicos federais, entregando-a ao incerto mercado financeiro, controlado pelos grandes bancos.
Desta forma, o Estado se livra da obrigação de pagar as aposentadorias aos servidores, que serão limitadas ao teto do INSS, atualmente de R$ 3.691,74, e que vem perdendo valor nas últimas décadas. Para receberem mais, os servidores terão de contribuir para Fundo de Pensão, que direcionará os recursos para aplicações financeiras com rendimento incerto, e que definirão o valor da futura aposentadoria.
O eterno argumento para tamanha “privataria”, assim como em todas as privatizações anteriores, seria a suposta falta de recursos para a manutenção do sistema público de aposentadorias. Alega-se que os gastos com servidores inativos e pensionistas estariam em disparada e fora de controle.
domingo, 18 de dezembro de 2011
FRASE DA SEMANA
“FRACASSEI EM TUDO QUE TENTEI NA VIDA. TENTEI ALFABETIZAR AS CRIANÇAS BRASILEIRAS, NÃO CONSEGUI. TENTEI SALVAR OS ÍNDIOS, NÃO CONSEGUI. TENTEI FAZER UMA UNIVERSIDADE SÉRIA E FRACASSEI. TENTEI FAZER O BRASIL DESENVOLVER-SE AUTONOMAMENTE E FRACASSEI. MAS OS FRACASSOS SÃO MINHAS VITÓRIAS, POIS EU DETESTARIA ESTAR NO LUGAR DE QUEM ME VENCEU.
Darcy Ribeiro
Darcy Ribeiro
A constituição de 1988 e a Seguridade Social: Uma disputa em meio à financeirização do Estado
Uma intensa campanha tem se repetido no Brasil há quase vinte anos. É a de que a Constituição de 1988 teria criado obrigações impagáveis para os governantes e que seria preciso modificar sua essência populista e perdulária. Os dois adjetivos são repetidos à exaustão por parcelas da mídia, por políticos conservadores e lideranças empresariais. Na alça de mira desses setores, está o sistema de Seguridade Social, criado há duas décadas.
Este artigo navega na contra-corrente de tais argumentos. Parte de um princípío contrário. A Constituição de 1988 deve ser vista como um dos pontos mais altos de conquistas institucionais obtidos pelos setores populares em toda a História do Brasil. Toda a sua gestação se deu embalada pelas lutas políticas, sociais e econômicas que resultaram no fim do regime ditatorial. O auge das mobilizações aconteceu em 1984, quando milhões foram às ruas exigir Diretas Já e mudanças em um projeto econômico que entrava em seu declínio irreversível.
Além de dedicar todo um capítulo ao alargamento de direitos sociais e da cidadania, a Carta preparou o país para o convívio democrático, após duas décadas de ditadura. Várias de suas conquistas têm sido atacadas desde então, entre elas o sistema de Seguridade Social.
Motivos não faltam. Suas fontes de financiamento, amplas e diversificadas fazem dele o maior orçamento do setor público. E se constituem em um objeto de cobiça para representantes do capital financeiro, que buscam apropriar-se de bens e serviços públicos como forma de maximizar lucros.
Não se trata de uma mera opinião. Quando se examinam os números do orçamento público, os gastos sociais e as despesas financeiras do Estado brasileiro, pode-se ver claramente que estas últimas têm preponderância absoluta sobre todo o resto. Eles serão mostrados mais adiante e tornarão evidente algumas afirmações. Primeiro, é preciso dizer que a Seguridade não só não é deficitária, como é folgadamente superavitária.
Na última década e meia, ocorreram reduções de direitos sociais e desvio de vultosos recursos tributários destinados a investimentos na área social e de infra-estrutura em favor dos gastos com juros e amortizações da dívida pública. Múltiplas causas estão na origem deste processo. As principais são o avanço de políticas favorecedoras da acumulação financeira e a conseqüente retração do caráter público do Estado pela via fiscal.
Antes de seguir adiante, voltemos à Carta Cidadã.
Período de disputas
Os vinte anos de vigência da Constituição brasileira de 1988 coincidem com a implantação definitiva
do neoliberalismo e da hegemonia da acumulação financeira em várias partes do mundo e em
especial na América Latina.
A eleição de Collor de Mello, no final de 1989, consolida a vitória da última vertente. Um discurso
comum animava os partidários da ortodoxia monetarista: era urgente reformar a Constituição recém
promulgada, que tornara o país “ingovernável”. Mudara o balanço de forças no Brasil e a direita
resolvera quebrar contratos selados um ano antes.
A construção do discurso conservador, de que a Lei Maior colocava obstáculos intransponíveis à boa
administração pública ocorreu simultaneamente à crescente financerização da economia brasileira. O
mote da necessidade de contenção de uma suposto excesso de gastos públicos passou a ser ventilado
ao mesmo tempo em que direitos de seguridade social eram estendidos a parcelas dos trabalhadores
que não tinham cobertura previdenciária ou do sistema de saúde pública.
Era perceptível que a acusação buscava mitigar tais conquistas. No início da década de 1990, uma
visão de seguridade democrática e justa, inspirada no sistema de proteção da social-democracia
européia, entrava em conflito com a perspectiva liberal-conservadora.
A reação não tardou. Entre 31 de março de 1992 e 20 de dezembro de 2007, a Carta de 1988 sofreria
62 emendas que visavam, em boa parte, mitigar conquistas democráticas4. Todas foram decididas
sem nenhum tipo de consulta popular, na contramão do que ocorrera entre 1987 e 1988.
A relação que se estabelecia entre inserção internacional, financeirização das contas públicas e
reformas da seguridade social tem uma importância crucial na análise que aqui se propõe.
A política econômica de controle do processo inflacionário nos anos 1990 apoiou-se no uso da
âncora cambial, em taxas de juros elevadas e na rigidez fiscal. Aprofundava-se, na mesma época, a
adesão ao livre-comércio, a liberalização da conta de capital, a desregulamentação do sistema
financeiro doméstico e a reforma do Estado, incluindo as privatizações de ativos públicos. A reforma
do sistema de Seguridade Social passou a ser ventilada como urgente.
Quando se implantou o Plano Real, em 1994, várias de suas estratégias para a estabilização dos
preços conduziram a economia do país a uma grande vulnerabilidade externa. Esta era a
conseqüência da intensificação do processo de abertura comercial combinada com a política de
valorização cambial. Os juros, por conseqüência, eram mantidos em patamares elevados para
contornar as ameaças de crises externas. A dinâmica da financeirização do orçamento público
avançava velozmente, provocando impactos contracionistas em gastos essenciais à manutenção dos
serviços públicos.
O desfecho já é há muito conhecido: a economia passou a conviver com crescentes déficits no
balanço de pagamentos e ficou perigosamente vulnerável. No início de 1999, uma crise cambial,
seguida de ataque especulativo, resultou em perda de reservas e desvalorização cambial.
Havia uma hierarquia de causalidade que ia da vulnerabilidade externa da economia brasileira até
sua posição de desequilíbrio fiscal, impactada pela taxa de juros e pela desvalorização cambial. O
elevado grau de abertura consolidara um processo de financeirização por juros na economia
nacional. A dívida pública cresceu.
Os gastos
Mas a ortodoxia financeira não se voltava para nada disso. Alardeava um suposto descontrole nas
contas públicas, por conta do “excesso de gastos”.
Na verdade, não existia nenhuma relação entre o desenho fiscal de desequilíbrio e as contas
supostamente deficitárias da Seguridade Social, como se alardeava. Eram os gastos financeiros que
determinavam o desequilíbrio fiscal, mas o “mercado” exigia ajuste nas contas da Previdência. As
despesas financeiras eram e são - tidas como irredutíveis. Foi por esse mecanismo de transmissão
que a política econômica afetou profunda e negativamente o sistema de proteção social nos anos
1990 – 2000, revertendo parte das conquistas da Constituição de 1988.
Persistiu, ao longo dos anos 90 e neste início de século, o debate sobre a viabilidade econômica do
sistema de proteção social diante dos direitos assegurados em 1988 e do progressivo envelhecimento
da população. Colocava-se em questão o salário mínimo adotado como piso no cálculo dos
benefícios, a aposentadoria por tempo de serviço, a ausência de idade mínima e as aposentadorias
especiais.
Aspectos contábeis
Os ataques conservadores à Seguridade limitavam-se e limitam-se aos aspectos contábeis e atuariais.
Ignoram o papel fundamental do sistema previdenciário para a acumulação de capital,
particularmente no que diz respeito aos seus efeitos impulsionadores da demanda interna.
Desconsiderava-se também o potencial distributivo do sistema. Segundo Marcio Pochmann (2007),
87% da queda de 6,5% no Índice de Gini verificada entre 1995 e 2004 pode ser explicada pela
contribuição conjunta do aumento do gasto social e do salário mínimo. A seguridade social garante,
portanto, as bases de coesão social da estrutura produtiva, ao assegurar a manutenção das relações de
produção e de promover a reprodução de longo prazo da força de trabalho.
Vale sublinhar novamente: A crítica ao sistema de proteção social passa ao largo dos efeitos
negativos das elevadas taxas de juros sobre a deterioração do resultado fiscal, bem como dos
impactos perversos da financeirização da economia brasileira. Estes se traduziam na manutenção em
patamar muito baixo da taxa de acumulação de capital fixo produtivo e na redução da participação
dos salários na renda nacional. A absorção e esterilização na circulação financeira e na acumulação
patrimonial de parte expressiva da renda era (e ainda é) a razão fundamental para o baixo
crescimento econômico brasileiro (BRUNO,2008)
Ao longo dos últimos anos, o superávit primário assumiu patamares progressivamente ascendentes,
tendo passado de 3,3% em 1999 para 4,6% do PIB em 2004. Não há compromisso com crescimento,
emprego e renda por parte da politica fiscal. Há o comprometimento explícito com a trajetória de
sustentabilidade da dívida pública e com a contenção da demanda agregada. Implicitamente, porém,
o comprometimento não é este, é com a liquidez dos títulos da dívida pública.
A atuação do Banco Central também se modificou. O governo associou o regime de câmbio
flutuante ao regime de metas de inflação e o que se verificou, posteriormente, foi a manutenção de
uma política prolongada de juros altos. Novas rodadas de reformas redutoras dos gastos públicos
foram exigidas, pelo conservadorismo, para contornar os impactos fiscais negativos dos juros.
Seguindo esta lógica, as reformas da Previdência em 1998 e 2003 foram feitas, essencialmente, por
razões fiscais. Porém, a justificativa era a necessidade de se assegurar a viabilidade de longo prazo
do sistema.
Mais emblemático, ainda, para o conjunto do ajuste neoliberal, foi a aprovação da Lei de
Responsabilidade Fiscal, em 2000. Este dispositivo legal limitou as despesas com pessoal, dificultou
a realização de investimentos públicos e restringiu a geração de novas despesas de custeio, de forma
que as metas anuais de resultados fiscais mantivessem o montante da relação dívida pública/PIB sob
controle. Não havia nenhum limite aos gastos com juros. Os dispêndios com proteção social foram,
assim, atingidos por esse “senso de responsabilidade fiscal”, que exige mudanças estruturais e
quebras de contratos com a cidadania.
Números devastadores
As tabelas a seguir mostram uma sequência dos efeitos devastadores que a liberalização comercial e
financeira causou sobre a dívida pública e sobre os gastos sociais e financeiros de União.
A dívida pública líquida mostra uma trajetória explosiva entre o lançamento do Plano Real e 2003.
De 29,3% do PIB em 1994, chega, em 1999 a 49,7% e, em 2003, ao patamar de 58,7% do PIB, ou
seja, cresceu 29 pontos percentuais neste intervalo, como mostra a Tabela 1. Nesse período, o peso
da dívida externa e da dívida interna indexada à taxa de câmbio fazia com que mudanças bruscas no
ambiente externo resultassem em forte impacto na dívida do setor público. Havia estreita articulação
entre juros, flutuação do câmbio e o valor da relação dívida/PIB.
A partir de 2004, em função da melhora do cenário internacional e da redução da fragilidade externa
da economia brasileira, o indicador divida/PIB sofreu paulatina redução. Caiu a participação da
dívida externa e da dívida indexada ao dólar.
Tal estratégia, entretanto, implicou custos elevados, uma vez que o governo, ao fazer a mudança para
títulos em reais, trocou uma dívida antiga e barata por uma dívida nova e cara. Contudo não está
eliminada a possibilidade de recomposição do perfil anterior da dívida pública – ou seja, o aumento
de sua dolarização - na ocorrência de nova fragilidade externa, dada a ausência de controles de
capitais na economia brasileira. Assim, a fragilidade da gestão da dívida, embora mais reduzida,
persiste, especialmente em cenários de instabilidades externas. O aprofundamento do contenção
fiscal, com a forte elevação do superávit primário, veio para contra-restar os impactos negativos da
conta de juros.
Ressalte-se, aqui, mais uma vez, que esse desenho fiscal nada tem a ver com a suposta situação
deficitária da Previdência ou com o tamanho desproporcional do Estado. Os juros se mantiveram
altos em função do peso da acumulação financeira sobre a gestão da política macroeconômica numa
economia aberta e da adoção do regime de metas inflacionárias. Os títulos vinculados à Selic
compõem a maioria esmagadora dos títulos públicos, o que contribui para deteriorar as condições
financeiras do governo diante de uma política de juros altos.
O ônus dessa política sobre o conjunto das despesas públicas é impactante. A tabela 2, a seguir,
mostra a evolução dos gastos, medidos em valores reais (usando o IGP-DI como deflator), em áreas
essenciais ao bem-estar da sociedade e, simultaneamente, dos gastos com juros e amortização da
dívida pública. O método de agregação proposto para mensurar gastos sociais selecionados utiliza os
registros de despesas por função do governo federal. Os gastos financeiros foram coletados das
tabelas de despesas da União por grupo de natureza, pelo conceito de despesa executada/despesa
liquidada em cada exercício.
Os gastos financeiros com juros e amortização da dívida subiram de de R$157,7 bilhões, em 2000,
para R$236,9 bilhões, em 2007, um crescimento real de 50%. Os gastos sociais selecionados na
Tabela 2 cresceram muito menos, em 35% em valores reais, sustentados pelos gastos
previdenciários. A despesa com Previdência Social cresceu em 40,13% entre os anos de 2000 e 2007
e os gastos com Assistência Social evoluíram consideravelmente. Observa-se que, enquanto subiam
os gastos financeiros, houve uma queda nos gastos com educação e cultura (-6,7%) e habitação e
saneamento (-98,8%).
O que se pode constatar é que o conjunto dos gastos com o sistema de Seguridade Social só se
expandiu porque a Constituição Federal assegura direitos sociais e vincula as receitas de
contribuições às despesas. O país gastou menos em outros setores da área social porque o avanço dos
gastos financeiros limitou os recursos destinados às ações do Estado nessas áreas.
No ano de 2007 foram gastos, com juros, seis vezes mais recursos do que tudo o que foi dispendido
conjuntamente na função assistência social, a qual abarca os programas de transferências a pessoas
com aguda insuficiência de renda, incluindo os idosos e portadores de deficiência, os atendidos pelo
bolsa família e os que recebem renda mensal vitalícia. Apenas o programa bolsa família atinge 11,1
milhões de famílias, perfazendo uma população total estimada a 45,8 milhões de pessoas. Os gastos
com juros atendem aos interesses de 20 mil clãs parentais (POCHMANN, 2007). A luta contra a
miséria e a pobreza está em plano secundário. O regime de acumulação financeira por juros
manifesta-se através de uma política macroeconômica cerceadora dos avanços no sistema de
proteção social.
Se mensurados de acordo com a participação no PIB, os dados da tabela 3 revelam que os gastos
com juros e amortização são os mais elevados do governo federal: equivaleram a 11,7%, em 2006 e a
9,3% do PIB, em 2007, enquanto os gastos com Previdência ficaram, em média, em 7% para igual
período. O gasto com saúde e educação permaneceram estagnados num patamar médio de 1,7% e
0,8% do PIB, respectivamente, ao longo dos oito anos.
Embora o conjunto de fatores econômicos acima descritos determinem impactos negativos sobre as
variáveis de sustentação do Sistema Previdenciário – nível de emprego formal e patamar de salários
– o desempenho do Sistema de Seguridade social foi apenas parcialmente prejudicado ao longo dos
últimos anos.
A tabela 4 contém um demonstrativo do resultado do sistema de Seguridade Social para o período
2000 a 2007, com suas receitas estabelecidas na Constituição: Contribuição ao INSS, COFINS,
CPMF, CSLL, PIS/PASEP e a receita de concursos de prognósticos. Constata-se, pela penúltima
linha dessa tabela, que o sistema foi superavitário durante todo o período. O governo pôde dispor de
recursos excedentes em montantes consideráveis. O superávit foi de R$58 bilhões, em 2005, de
R$50,9 bilhões em 2006 e, no ano de 2007, alcançou R$69 bilhões. Ao decidir sobre sua utilização,
no entanto, o governo deixou de gastá-los com serviços de saúde, previdência e assistência social,
para aplicá-los no orçamento fiscal em despesas arbitrariamente escolhidas e para o acúmulo dos
superávits primários elevados dos últimos tempos (GENTIL, 2006 e 2007).
Com o excedente de recursos do sistema de seguridade social do ano de 2007 o governo poderia ter
aumentado em 75% o sistema de saúde pública ou ter elevado as transferências de renda a pessoas
carentes em quase três vezes.
A desvinculação
Há que se fazer menção ao mecanismo fiscal mais importante de alimentação desse processo de
financeirização do orçamento público. Para que parte substancial da arrecadação do orçamento da
seguridade social se tornasse fonte de financiamento de outros propósitos fiscais, foi criada a
desvinculação das receitas da União (DRU), estabelecida através de emenda ao texto constitucional,
autorizando o governo a utilizar 20% dos recursos arrecadados de forma livre de qualquer vinculação
a despesas específicas. Com este mecanismo, receitas da seguridade social passaram a ser legalmente
deslocadas do seu orçamento próprio para o orçamento fiscal, destinadas a qualquer uso. Entretanto,
têm sido desviadas muito mais, conforme fica demonstrado na última linha da Tabela 4. Apenas no
ano de 2007, o governo federal desvinculou R$30,9 bilhões acima do limite de 20% que lhe é
legalmente permitido. Valores significativos também foram excluídos nos anos anteriores, chegando
a um montante de R$152 bilhões no espaço de oito anos.
Conclusão
Os dados revelam que Sistema de Seguridade social foi criado com uma estrutura de financiamento
apoiada em sólidas e diversificadas bases de arrecadação que, até o momento, está preservada no
texto da Constituição. O sistema não está e nem tende para uma situação deficitária como apregoa o
discurso padronizado da mídia. As investidas liberais-privatizantes da política econômica
desencadeadas nos três últimos governos não conseguiram ou, pelo menos, ainda não conseguiram,
viabilizar econômica e politicamente sua alteração.
O sistema de seguridade social sobreviveu a vinte anos de predomínio de políticas econômicas
conservadoras, sofreu algumas reformas paramétricas, mas seus alicerces permanecem intactos na
letra da Constituição.
Sob a vigência de um regime de acumulação financeirizado, entretanto, a expansão e
aperfeiçoamento das políticas de proteção social esbarram em limites muito estreitos, porque os
recursos do sistema de seguridade social são crescentemente drenados para dar suporte aos gastos
financeiros do orçamento público. Além disso, o sistema de assistência social se configurou, na
prática, fortemente cercado de condicionalidades e acessos fortemente restritivos, ainda distante do
espírito universalista e redistributivo da Constituição de 1988. O sistema de previdência permanece,
em grande parte, voltado para os segmentos formais da economia, com transferências de cunho
contributivo.
O ritmo de acumulação de capital fixo produtivo teria que ser muito mais elevado para provocar um
crescimento veloz do emprego formal e do salário médio, de forma a elevar o grau de cobertura
proporcionado pelo sistema de previdência. Nos marcos do atual regime de acumulação
financeirizado, entretanto, o crescimento econômico mantém-se contido, em função da elevada carga
de juros sobre o PIB e pela instabilidade da demanda efetiva, determinada, em parte, pelo comercio
externo.
A superação dessa estrutura econômica exige luta política e social de envergadura por parte dos
trabalhadores e do povo brasileiro em defesa dos direitos sociais e das conquistas políticas da
Constituição de 1988. Esta luta política implica também em libertar o funcionamento da economia
dos interesses financeiros que têm prevalecido. Comemorar os vinte anos de existência da
Constituição é mais que uma manifestação coletiva em defesa de seu fortalecimento. É uma
comemoração das vitórias dos movimentos populares do passado que deixam um rastro de esperança
para o futuro.
Bibliografia:
BRUNO, Miguel (2008). Transição Demográfica e Regime de Acumulação Financeirizado no
Brasil: ‘bônus` ou ‘ônus’ para a Previdência Social?”. In: FAGNANI, E.; HENRIQUE, W.; LÚCIO,
C.G. Previdência Social: Como Incluir os Excluídos? Campinas, Instituto de Economia – Unicamp,
Centro de Estudos Sindicais e do Trabalho – CESIT.
GENTIL, Denise L. (2006). A Política Fiscal e a Falsa Crise da Seguridade Social Brasileira –
Análise Financeira do Período 1990-2005. Tese de doutorado – Instituto de Economia/UFRJ, Rio de
Janeiro.
________________ (2007). Seguridade Social no Brasil: análise financeira do período recente. In:
SICSÚ, J. (Org.). Arrecadação (de onde vem?) e Gastos Públicos (para onde vão?). São Paulo,
Boitempo.
POCHMANN, M. (2007). Gasto Social, o nível de emprego e a desigualdade da renda do trabalho
no Brasil. In: SICSÚ, J. (Org.). Arrecadação (de onde vem?) e Gastos Públicos (para onde vão?). São
Paulo, Boitempo.
Notas:
1 Artigo publicado no livro VAZ, Flávio Tonelli; MUSSE, Juliano Sander; DOS SANTOS, Rodolfo
Fonseca (Org.) “Vinte Anos da Constituição Cidadã: Avanços e Desafios da Seguridade Social”.
Brasília, ANFIP, 2008.
2 Professora do Instituto de Economia da UFRJ e Diretora-Adjunta da Diretoria de Macroeconomia
do IPEA.
3 Historiador, pesquisador do IPEA e professor da Fundação Cásper Líbero
4 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Emendas/Emc/quadro_emc.htm
1
Este artigo navega na contra-corrente de tais argumentos. Parte de um princípío contrário. A Constituição de 1988 deve ser vista como um dos pontos mais altos de conquistas institucionais obtidos pelos setores populares em toda a História do Brasil. Toda a sua gestação se deu embalada pelas lutas políticas, sociais e econômicas que resultaram no fim do regime ditatorial. O auge das mobilizações aconteceu em 1984, quando milhões foram às ruas exigir Diretas Já e mudanças em um projeto econômico que entrava em seu declínio irreversível.
Além de dedicar todo um capítulo ao alargamento de direitos sociais e da cidadania, a Carta preparou o país para o convívio democrático, após duas décadas de ditadura. Várias de suas conquistas têm sido atacadas desde então, entre elas o sistema de Seguridade Social.
Motivos não faltam. Suas fontes de financiamento, amplas e diversificadas fazem dele o maior orçamento do setor público. E se constituem em um objeto de cobiça para representantes do capital financeiro, que buscam apropriar-se de bens e serviços públicos como forma de maximizar lucros.
Não se trata de uma mera opinião. Quando se examinam os números do orçamento público, os gastos sociais e as despesas financeiras do Estado brasileiro, pode-se ver claramente que estas últimas têm preponderância absoluta sobre todo o resto. Eles serão mostrados mais adiante e tornarão evidente algumas afirmações. Primeiro, é preciso dizer que a Seguridade não só não é deficitária, como é folgadamente superavitária.
Na última década e meia, ocorreram reduções de direitos sociais e desvio de vultosos recursos tributários destinados a investimentos na área social e de infra-estrutura em favor dos gastos com juros e amortizações da dívida pública. Múltiplas causas estão na origem deste processo. As principais são o avanço de políticas favorecedoras da acumulação financeira e a conseqüente retração do caráter público do Estado pela via fiscal.
Antes de seguir adiante, voltemos à Carta Cidadã.
Período de disputas
Os vinte anos de vigência da Constituição brasileira de 1988 coincidem com a implantação definitiva
do neoliberalismo e da hegemonia da acumulação financeira em várias partes do mundo e em
especial na América Latina.
A eleição de Collor de Mello, no final de 1989, consolida a vitória da última vertente. Um discurso
comum animava os partidários da ortodoxia monetarista: era urgente reformar a Constituição recém
promulgada, que tornara o país “ingovernável”. Mudara o balanço de forças no Brasil e a direita
resolvera quebrar contratos selados um ano antes.
A construção do discurso conservador, de que a Lei Maior colocava obstáculos intransponíveis à boa
administração pública ocorreu simultaneamente à crescente financerização da economia brasileira. O
mote da necessidade de contenção de uma suposto excesso de gastos públicos passou a ser ventilado
ao mesmo tempo em que direitos de seguridade social eram estendidos a parcelas dos trabalhadores
que não tinham cobertura previdenciária ou do sistema de saúde pública.
Era perceptível que a acusação buscava mitigar tais conquistas. No início da década de 1990, uma
visão de seguridade democrática e justa, inspirada no sistema de proteção da social-democracia
européia, entrava em conflito com a perspectiva liberal-conservadora.
A reação não tardou. Entre 31 de março de 1992 e 20 de dezembro de 2007, a Carta de 1988 sofreria
62 emendas que visavam, em boa parte, mitigar conquistas democráticas4. Todas foram decididas
sem nenhum tipo de consulta popular, na contramão do que ocorrera entre 1987 e 1988.
A relação que se estabelecia entre inserção internacional, financeirização das contas públicas e
reformas da seguridade social tem uma importância crucial na análise que aqui se propõe.
A política econômica de controle do processo inflacionário nos anos 1990 apoiou-se no uso da
âncora cambial, em taxas de juros elevadas e na rigidez fiscal. Aprofundava-se, na mesma época, a
adesão ao livre-comércio, a liberalização da conta de capital, a desregulamentação do sistema
financeiro doméstico e a reforma do Estado, incluindo as privatizações de ativos públicos. A reforma
do sistema de Seguridade Social passou a ser ventilada como urgente.
Quando se implantou o Plano Real, em 1994, várias de suas estratégias para a estabilização dos
preços conduziram a economia do país a uma grande vulnerabilidade externa. Esta era a
conseqüência da intensificação do processo de abertura comercial combinada com a política de
valorização cambial. Os juros, por conseqüência, eram mantidos em patamares elevados para
contornar as ameaças de crises externas. A dinâmica da financeirização do orçamento público
avançava velozmente, provocando impactos contracionistas em gastos essenciais à manutenção dos
serviços públicos.
O desfecho já é há muito conhecido: a economia passou a conviver com crescentes déficits no
balanço de pagamentos e ficou perigosamente vulnerável. No início de 1999, uma crise cambial,
seguida de ataque especulativo, resultou em perda de reservas e desvalorização cambial.
Havia uma hierarquia de causalidade que ia da vulnerabilidade externa da economia brasileira até
sua posição de desequilíbrio fiscal, impactada pela taxa de juros e pela desvalorização cambial. O
elevado grau de abertura consolidara um processo de financeirização por juros na economia
nacional. A dívida pública cresceu.
Os gastos
Mas a ortodoxia financeira não se voltava para nada disso. Alardeava um suposto descontrole nas
contas públicas, por conta do “excesso de gastos”.
Na verdade, não existia nenhuma relação entre o desenho fiscal de desequilíbrio e as contas
supostamente deficitárias da Seguridade Social, como se alardeava. Eram os gastos financeiros que
determinavam o desequilíbrio fiscal, mas o “mercado” exigia ajuste nas contas da Previdência. As
despesas financeiras eram e são - tidas como irredutíveis. Foi por esse mecanismo de transmissão
que a política econômica afetou profunda e negativamente o sistema de proteção social nos anos
1990 – 2000, revertendo parte das conquistas da Constituição de 1988.
Persistiu, ao longo dos anos 90 e neste início de século, o debate sobre a viabilidade econômica do
sistema de proteção social diante dos direitos assegurados em 1988 e do progressivo envelhecimento
da população. Colocava-se em questão o salário mínimo adotado como piso no cálculo dos
benefícios, a aposentadoria por tempo de serviço, a ausência de idade mínima e as aposentadorias
especiais.
Aspectos contábeis
Os ataques conservadores à Seguridade limitavam-se e limitam-se aos aspectos contábeis e atuariais.
Ignoram o papel fundamental do sistema previdenciário para a acumulação de capital,
particularmente no que diz respeito aos seus efeitos impulsionadores da demanda interna.
Desconsiderava-se também o potencial distributivo do sistema. Segundo Marcio Pochmann (2007),
87% da queda de 6,5% no Índice de Gini verificada entre 1995 e 2004 pode ser explicada pela
contribuição conjunta do aumento do gasto social e do salário mínimo. A seguridade social garante,
portanto, as bases de coesão social da estrutura produtiva, ao assegurar a manutenção das relações de
produção e de promover a reprodução de longo prazo da força de trabalho.
Vale sublinhar novamente: A crítica ao sistema de proteção social passa ao largo dos efeitos
negativos das elevadas taxas de juros sobre a deterioração do resultado fiscal, bem como dos
impactos perversos da financeirização da economia brasileira. Estes se traduziam na manutenção em
patamar muito baixo da taxa de acumulação de capital fixo produtivo e na redução da participação
dos salários na renda nacional. A absorção e esterilização na circulação financeira e na acumulação
patrimonial de parte expressiva da renda era (e ainda é) a razão fundamental para o baixo
crescimento econômico brasileiro (BRUNO,2008)
Ao longo dos últimos anos, o superávit primário assumiu patamares progressivamente ascendentes,
tendo passado de 3,3% em 1999 para 4,6% do PIB em 2004. Não há compromisso com crescimento,
emprego e renda por parte da politica fiscal. Há o comprometimento explícito com a trajetória de
sustentabilidade da dívida pública e com a contenção da demanda agregada. Implicitamente, porém,
o comprometimento não é este, é com a liquidez dos títulos da dívida pública.
A atuação do Banco Central também se modificou. O governo associou o regime de câmbio
flutuante ao regime de metas de inflação e o que se verificou, posteriormente, foi a manutenção de
uma política prolongada de juros altos. Novas rodadas de reformas redutoras dos gastos públicos
foram exigidas, pelo conservadorismo, para contornar os impactos fiscais negativos dos juros.
Seguindo esta lógica, as reformas da Previdência em 1998 e 2003 foram feitas, essencialmente, por
razões fiscais. Porém, a justificativa era a necessidade de se assegurar a viabilidade de longo prazo
do sistema.
Mais emblemático, ainda, para o conjunto do ajuste neoliberal, foi a aprovação da Lei de
Responsabilidade Fiscal, em 2000. Este dispositivo legal limitou as despesas com pessoal, dificultou
a realização de investimentos públicos e restringiu a geração de novas despesas de custeio, de forma
que as metas anuais de resultados fiscais mantivessem o montante da relação dívida pública/PIB sob
controle. Não havia nenhum limite aos gastos com juros. Os dispêndios com proteção social foram,
assim, atingidos por esse “senso de responsabilidade fiscal”, que exige mudanças estruturais e
quebras de contratos com a cidadania.
Números devastadores
As tabelas a seguir mostram uma sequência dos efeitos devastadores que a liberalização comercial e
financeira causou sobre a dívida pública e sobre os gastos sociais e financeiros de União.
A dívida pública líquida mostra uma trajetória explosiva entre o lançamento do Plano Real e 2003.
De 29,3% do PIB em 1994, chega, em 1999 a 49,7% e, em 2003, ao patamar de 58,7% do PIB, ou
seja, cresceu 29 pontos percentuais neste intervalo, como mostra a Tabela 1. Nesse período, o peso
da dívida externa e da dívida interna indexada à taxa de câmbio fazia com que mudanças bruscas no
ambiente externo resultassem em forte impacto na dívida do setor público. Havia estreita articulação
entre juros, flutuação do câmbio e o valor da relação dívida/PIB.
A partir de 2004, em função da melhora do cenário internacional e da redução da fragilidade externa
da economia brasileira, o indicador divida/PIB sofreu paulatina redução. Caiu a participação da
dívida externa e da dívida indexada ao dólar.
Tal estratégia, entretanto, implicou custos elevados, uma vez que o governo, ao fazer a mudança para
títulos em reais, trocou uma dívida antiga e barata por uma dívida nova e cara. Contudo não está
eliminada a possibilidade de recomposição do perfil anterior da dívida pública – ou seja, o aumento
de sua dolarização - na ocorrência de nova fragilidade externa, dada a ausência de controles de
capitais na economia brasileira. Assim, a fragilidade da gestão da dívida, embora mais reduzida,
persiste, especialmente em cenários de instabilidades externas. O aprofundamento do contenção
fiscal, com a forte elevação do superávit primário, veio para contra-restar os impactos negativos da
conta de juros.
Ressalte-se, aqui, mais uma vez, que esse desenho fiscal nada tem a ver com a suposta situação
deficitária da Previdência ou com o tamanho desproporcional do Estado. Os juros se mantiveram
altos em função do peso da acumulação financeira sobre a gestão da política macroeconômica numa
economia aberta e da adoção do regime de metas inflacionárias. Os títulos vinculados à Selic
compõem a maioria esmagadora dos títulos públicos, o que contribui para deteriorar as condições
financeiras do governo diante de uma política de juros altos.
O ônus dessa política sobre o conjunto das despesas públicas é impactante. A tabela 2, a seguir,
mostra a evolução dos gastos, medidos em valores reais (usando o IGP-DI como deflator), em áreas
essenciais ao bem-estar da sociedade e, simultaneamente, dos gastos com juros e amortização da
dívida pública. O método de agregação proposto para mensurar gastos sociais selecionados utiliza os
registros de despesas por função do governo federal. Os gastos financeiros foram coletados das
tabelas de despesas da União por grupo de natureza, pelo conceito de despesa executada/despesa
liquidada em cada exercício.
Os gastos financeiros com juros e amortização da dívida subiram de de R$157,7 bilhões, em 2000,
para R$236,9 bilhões, em 2007, um crescimento real de 50%. Os gastos sociais selecionados na
Tabela 2 cresceram muito menos, em 35% em valores reais, sustentados pelos gastos
previdenciários. A despesa com Previdência Social cresceu em 40,13% entre os anos de 2000 e 2007
e os gastos com Assistência Social evoluíram consideravelmente. Observa-se que, enquanto subiam
os gastos financeiros, houve uma queda nos gastos com educação e cultura (-6,7%) e habitação e
saneamento (-98,8%).
O que se pode constatar é que o conjunto dos gastos com o sistema de Seguridade Social só se
expandiu porque a Constituição Federal assegura direitos sociais e vincula as receitas de
contribuições às despesas. O país gastou menos em outros setores da área social porque o avanço dos
gastos financeiros limitou os recursos destinados às ações do Estado nessas áreas.
No ano de 2007 foram gastos, com juros, seis vezes mais recursos do que tudo o que foi dispendido
conjuntamente na função assistência social, a qual abarca os programas de transferências a pessoas
com aguda insuficiência de renda, incluindo os idosos e portadores de deficiência, os atendidos pelo
bolsa família e os que recebem renda mensal vitalícia. Apenas o programa bolsa família atinge 11,1
milhões de famílias, perfazendo uma população total estimada a 45,8 milhões de pessoas. Os gastos
com juros atendem aos interesses de 20 mil clãs parentais (POCHMANN, 2007). A luta contra a
miséria e a pobreza está em plano secundário. O regime de acumulação financeira por juros
manifesta-se através de uma política macroeconômica cerceadora dos avanços no sistema de
proteção social.
Se mensurados de acordo com a participação no PIB, os dados da tabela 3 revelam que os gastos
com juros e amortização são os mais elevados do governo federal: equivaleram a 11,7%, em 2006 e a
9,3% do PIB, em 2007, enquanto os gastos com Previdência ficaram, em média, em 7% para igual
período. O gasto com saúde e educação permaneceram estagnados num patamar médio de 1,7% e
0,8% do PIB, respectivamente, ao longo dos oito anos.
Embora o conjunto de fatores econômicos acima descritos determinem impactos negativos sobre as
variáveis de sustentação do Sistema Previdenciário – nível de emprego formal e patamar de salários
– o desempenho do Sistema de Seguridade social foi apenas parcialmente prejudicado ao longo dos
últimos anos.
A tabela 4 contém um demonstrativo do resultado do sistema de Seguridade Social para o período
2000 a 2007, com suas receitas estabelecidas na Constituição: Contribuição ao INSS, COFINS,
CPMF, CSLL, PIS/PASEP e a receita de concursos de prognósticos. Constata-se, pela penúltima
linha dessa tabela, que o sistema foi superavitário durante todo o período. O governo pôde dispor de
recursos excedentes em montantes consideráveis. O superávit foi de R$58 bilhões, em 2005, de
R$50,9 bilhões em 2006 e, no ano de 2007, alcançou R$69 bilhões. Ao decidir sobre sua utilização,
no entanto, o governo deixou de gastá-los com serviços de saúde, previdência e assistência social,
para aplicá-los no orçamento fiscal em despesas arbitrariamente escolhidas e para o acúmulo dos
superávits primários elevados dos últimos tempos (GENTIL, 2006 e 2007).
Com o excedente de recursos do sistema de seguridade social do ano de 2007 o governo poderia ter
aumentado em 75% o sistema de saúde pública ou ter elevado as transferências de renda a pessoas
carentes em quase três vezes.
A desvinculação
Há que se fazer menção ao mecanismo fiscal mais importante de alimentação desse processo de
financeirização do orçamento público. Para que parte substancial da arrecadação do orçamento da
seguridade social se tornasse fonte de financiamento de outros propósitos fiscais, foi criada a
desvinculação das receitas da União (DRU), estabelecida através de emenda ao texto constitucional,
autorizando o governo a utilizar 20% dos recursos arrecadados de forma livre de qualquer vinculação
a despesas específicas. Com este mecanismo, receitas da seguridade social passaram a ser legalmente
deslocadas do seu orçamento próprio para o orçamento fiscal, destinadas a qualquer uso. Entretanto,
têm sido desviadas muito mais, conforme fica demonstrado na última linha da Tabela 4. Apenas no
ano de 2007, o governo federal desvinculou R$30,9 bilhões acima do limite de 20% que lhe é
legalmente permitido. Valores significativos também foram excluídos nos anos anteriores, chegando
a um montante de R$152 bilhões no espaço de oito anos.
Conclusão
Os dados revelam que Sistema de Seguridade social foi criado com uma estrutura de financiamento
apoiada em sólidas e diversificadas bases de arrecadação que, até o momento, está preservada no
texto da Constituição. O sistema não está e nem tende para uma situação deficitária como apregoa o
discurso padronizado da mídia. As investidas liberais-privatizantes da política econômica
desencadeadas nos três últimos governos não conseguiram ou, pelo menos, ainda não conseguiram,
viabilizar econômica e politicamente sua alteração.
O sistema de seguridade social sobreviveu a vinte anos de predomínio de políticas econômicas
conservadoras, sofreu algumas reformas paramétricas, mas seus alicerces permanecem intactos na
letra da Constituição.
Sob a vigência de um regime de acumulação financeirizado, entretanto, a expansão e
aperfeiçoamento das políticas de proteção social esbarram em limites muito estreitos, porque os
recursos do sistema de seguridade social são crescentemente drenados para dar suporte aos gastos
financeiros do orçamento público. Além disso, o sistema de assistência social se configurou, na
prática, fortemente cercado de condicionalidades e acessos fortemente restritivos, ainda distante do
espírito universalista e redistributivo da Constituição de 1988. O sistema de previdência permanece,
em grande parte, voltado para os segmentos formais da economia, com transferências de cunho
contributivo.
O ritmo de acumulação de capital fixo produtivo teria que ser muito mais elevado para provocar um
crescimento veloz do emprego formal e do salário médio, de forma a elevar o grau de cobertura
proporcionado pelo sistema de previdência. Nos marcos do atual regime de acumulação
financeirizado, entretanto, o crescimento econômico mantém-se contido, em função da elevada carga
de juros sobre o PIB e pela instabilidade da demanda efetiva, determinada, em parte, pelo comercio
externo.
A superação dessa estrutura econômica exige luta política e social de envergadura por parte dos
trabalhadores e do povo brasileiro em defesa dos direitos sociais e das conquistas políticas da
Constituição de 1988. Esta luta política implica também em libertar o funcionamento da economia
dos interesses financeiros que têm prevalecido. Comemorar os vinte anos de existência da
Constituição é mais que uma manifestação coletiva em defesa de seu fortalecimento. É uma
comemoração das vitórias dos movimentos populares do passado que deixam um rastro de esperança
para o futuro.
Bibliografia:
BRUNO, Miguel (2008). Transição Demográfica e Regime de Acumulação Financeirizado no
Brasil: ‘bônus` ou ‘ônus’ para a Previdência Social?”. In: FAGNANI, E.; HENRIQUE, W.; LÚCIO,
C.G. Previdência Social: Como Incluir os Excluídos? Campinas, Instituto de Economia – Unicamp,
Centro de Estudos Sindicais e do Trabalho – CESIT.
GENTIL, Denise L. (2006). A Política Fiscal e a Falsa Crise da Seguridade Social Brasileira –
Análise Financeira do Período 1990-2005. Tese de doutorado – Instituto de Economia/UFRJ, Rio de
Janeiro.
________________ (2007). Seguridade Social no Brasil: análise financeira do período recente. In:
SICSÚ, J. (Org.). Arrecadação (de onde vem?) e Gastos Públicos (para onde vão?). São Paulo,
Boitempo.
POCHMANN, M. (2007). Gasto Social, o nível de emprego e a desigualdade da renda do trabalho
no Brasil. In: SICSÚ, J. (Org.). Arrecadação (de onde vem?) e Gastos Públicos (para onde vão?). São
Paulo, Boitempo.
Notas:
1 Artigo publicado no livro VAZ, Flávio Tonelli; MUSSE, Juliano Sander; DOS SANTOS, Rodolfo
Fonseca (Org.) “Vinte Anos da Constituição Cidadã: Avanços e Desafios da Seguridade Social”.
Brasília, ANFIP, 2008.
2 Professora do Instituto de Economia da UFRJ e Diretora-Adjunta da Diretoria de Macroeconomia
do IPEA.
3 Historiador, pesquisador do IPEA e professor da Fundação Cásper Líbero
4 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Emendas/Emc/quadro_emc.htm
1
quarta-feira, 14 de dezembro de 2011
terça-feira, 13 de dezembro de 2011
FRASE DA SEMANA
“QUEM PERDE SEUS BENS PERDE MUITO. QUEM PERDE UM AMIGO PERDE MAIS, MAS QUEM PERDE A CORAGEM PERDE TUDO.”
Miguel de Cervantes
Miguel de Cervantes
O FALSO ARGUMENTO DA GOVERNABILIDADE
Governabilidade é uma palavra substantiva com definições complexas e abrangentes. Neste texto pretendo me ater a uma questão que é muito difundida pela mídia quando ela conceitua que para ter governabilidade é absolutamente necessário ter maioria no parlamento, independendo da esfera do poder. Considero este argumento como uma meia-verdade.
É óbvio que quando o Executivo tem maioria parlamentar fica mais fácil aprovar projetos, leis e fazer o processo de condução política. Entretanto, isso não pode servir de escudo para alianças estapafúrdias com partidos que possuem projetos antagônicos ou políticos reconhecidamente corruptos em nome desta formação de maiorias para sustentar a suposta governabilidade.
Está provado que no decorrer de qualquer governo esta troca escorre para o fisiologismo, condutas não republicanas, barganha, canalhice política e consequentemente, escândalos de corrupção. O exemplo maior deste fato é a forma de alianças que foi costurada no governo Lula e continua durante o governo Dilma. Alianças sem base programática, pautada apenas em distribuição de cargos e benesses, emendas parlamentares individuais que o governo libera ou não, dependendo de como vota o parlamentar, ministérios entregues com porteira fechada, além de outros. Alianças com políticos que antes eram execrados por serem notórios ladrões de dinheiro público como Sarney, Renan, Collor, Barbalho e Maluf são justificadas por esta falsa argumentação. Fatos semelhantes ocorrem nos Estados e Municípios.
Aqui em nosso município constroem-se maiorias assim. Vereadores recebem cargos e benesses do executivo em troca de total subserviência para aprovar tudo sem nenhuma discussão. Este tipo de “governabilidade” transforma a Poder Legislativo em apêndice do governo, e muitas vezes, longe da vontade e do interesse público. Fere de morte a institucionalidade que prevê a independência entre os poderes.
Normalmente, a maioria parlamentar construída sob estes parâmetros serve para votar projetos e leis que beneficiam grupos econômicos que bancaram campanhas políticas em detrimento da vontade popular. O caso recente da aprovação do novo Código Florestal pelo Congresso atesta este fato. A blindagem feita pela base parlamentar aos ministros envolvidos em mutretas e negociatas, impedindo uma investigação necessária sobre o desvio de dinheiro público para partidos e também para enriquecimento ilícito é outro exemplo.
No nosso município o caso da aprovação pela Câmara da privatização do estacionamento é outro caso clássico de votar contra a população e a favor de interesses privados.
Querem enfiar goela abaixo da população que só é possível governar construindo maiorias, avalizando a prática do vale-tudo no ambiente político.
Quando as iniciativas de projetos e leis do governo são de interesse social e vão comprovadamente promover mudanças positivas, através de políticas públicas que vão melhorar a qualidade de vida da população, nenhum parlamentar vai votar contra. Um governo eleito pela maioria tem credibilidade e força política popular para pressionar qualquer parlamentar que por interesses escusos se posicionar contra. Governar é definir prioridades. O orçamento não comporta todos os interesses. A maioria parlamentar é importante quando a prioridade não é a maioria da população. Vide o caso do Orçamento Geral da União para 2011, aprovado pela maioria parlamentar do governo no congresso, onde ficou definido por exemplo, a destinação de 44% dos recursos para pagamentos dos juros da imoral dívida pública e apenas 2,9% para a Educação e 3,9% para a Saúde. Quem é mais beneficiado por esta medida, os banqueiros ou o grosso da população? As instituições financeiras são os grandes financiadores das campanhas políticas, beneficiando diretamente os grandes partidos. O mesmo script está sendo montado para 2012.
O quadro político não mudará se continuarmos aceitando e dando nosso aval através do voto a este modelo de suposta governabilidade. Ganharão sempre os mesmos.
Temos que questionar certas “verdades” que a grande mídia altamente comprometida com os interesses econômicos e dominada por grupos políticos conservadores quer nos impor como realidade inevitável.
“A primeira condição para modificar a realidade consiste em conhecê-la.”
Eduardo Galeano
Cláudio Leitão é economista, propagandista, dirigente sindical e presidente do diretório municipal do PSOL em Cabo Frio.
É óbvio que quando o Executivo tem maioria parlamentar fica mais fácil aprovar projetos, leis e fazer o processo de condução política. Entretanto, isso não pode servir de escudo para alianças estapafúrdias com partidos que possuem projetos antagônicos ou políticos reconhecidamente corruptos em nome desta formação de maiorias para sustentar a suposta governabilidade.
Está provado que no decorrer de qualquer governo esta troca escorre para o fisiologismo, condutas não republicanas, barganha, canalhice política e consequentemente, escândalos de corrupção. O exemplo maior deste fato é a forma de alianças que foi costurada no governo Lula e continua durante o governo Dilma. Alianças sem base programática, pautada apenas em distribuição de cargos e benesses, emendas parlamentares individuais que o governo libera ou não, dependendo de como vota o parlamentar, ministérios entregues com porteira fechada, além de outros. Alianças com políticos que antes eram execrados por serem notórios ladrões de dinheiro público como Sarney, Renan, Collor, Barbalho e Maluf são justificadas por esta falsa argumentação. Fatos semelhantes ocorrem nos Estados e Municípios.
Aqui em nosso município constroem-se maiorias assim. Vereadores recebem cargos e benesses do executivo em troca de total subserviência para aprovar tudo sem nenhuma discussão. Este tipo de “governabilidade” transforma a Poder Legislativo em apêndice do governo, e muitas vezes, longe da vontade e do interesse público. Fere de morte a institucionalidade que prevê a independência entre os poderes.
Normalmente, a maioria parlamentar construída sob estes parâmetros serve para votar projetos e leis que beneficiam grupos econômicos que bancaram campanhas políticas em detrimento da vontade popular. O caso recente da aprovação do novo Código Florestal pelo Congresso atesta este fato. A blindagem feita pela base parlamentar aos ministros envolvidos em mutretas e negociatas, impedindo uma investigação necessária sobre o desvio de dinheiro público para partidos e também para enriquecimento ilícito é outro exemplo.
No nosso município o caso da aprovação pela Câmara da privatização do estacionamento é outro caso clássico de votar contra a população e a favor de interesses privados.
Querem enfiar goela abaixo da população que só é possível governar construindo maiorias, avalizando a prática do vale-tudo no ambiente político.
Quando as iniciativas de projetos e leis do governo são de interesse social e vão comprovadamente promover mudanças positivas, através de políticas públicas que vão melhorar a qualidade de vida da população, nenhum parlamentar vai votar contra. Um governo eleito pela maioria tem credibilidade e força política popular para pressionar qualquer parlamentar que por interesses escusos se posicionar contra. Governar é definir prioridades. O orçamento não comporta todos os interesses. A maioria parlamentar é importante quando a prioridade não é a maioria da população. Vide o caso do Orçamento Geral da União para 2011, aprovado pela maioria parlamentar do governo no congresso, onde ficou definido por exemplo, a destinação de 44% dos recursos para pagamentos dos juros da imoral dívida pública e apenas 2,9% para a Educação e 3,9% para a Saúde. Quem é mais beneficiado por esta medida, os banqueiros ou o grosso da população? As instituições financeiras são os grandes financiadores das campanhas políticas, beneficiando diretamente os grandes partidos. O mesmo script está sendo montado para 2012.
O quadro político não mudará se continuarmos aceitando e dando nosso aval através do voto a este modelo de suposta governabilidade. Ganharão sempre os mesmos.
Temos que questionar certas “verdades” que a grande mídia altamente comprometida com os interesses econômicos e dominada por grupos políticos conservadores quer nos impor como realidade inevitável.
“A primeira condição para modificar a realidade consiste em conhecê-la.”
Eduardo Galeano
Cláudio Leitão é economista, propagandista, dirigente sindical e presidente do diretório municipal do PSOL em Cabo Frio.
segunda-feira, 5 de dezembro de 2011
FRASE DA SEMANA
“PAZ SEM VOZ NÃO É PAZ, É MEDO.”
Marcelo Freixo
Dep. Estadual-PSOL sobre a UPP no Complexo do Alemão
Marcelo Freixo
Dep. Estadual-PSOL sobre a UPP no Complexo do Alemão
A CRÍTICA COMO ELEMENTO DA CIDADANIA
Um fato que chama atenção aqui em Cabo Frio quando se analisa os ‘grupos” que passaram e estão no poder é a dificuldade que eles têm em lidar com as críticas que são feitas pelos vários seguimentos da sociedade que não compartilham com a forma de como é administrada a cidade.
Na grande maioria das vezes, a resposta que é dada não é em cima dos argumentos utilizados, mas sim, buscando uma tentativa de desqualificar o seguimento ou o cidadão que fez as criticas, principalmente, quando a crítica é feita de forma evidente e contundente não deixando dúvidas a razão.
A tentativa de calar a opinião pública exercendo controle sobre as rádios, TVs e jornais, usando para isso o grande poder econômico de maior anunciante é um fato consumado. Mostra a falta de capacidade de dialogar com a opinião contrária e o viés autoritário que vem marcando os últimos governos da nossa cidade.
Alguns “mandatários de plantão”beiram ao ridículo, quando alegam que a critica é feita por quem não ocupa nenhum cargo público ou não tem votos, como se o cidadão comum não tivesse o direito e a capacidade de fazer criticas sobre qualquer fato referente a administração pública.
Outro argumento muito utilizado por eles para desqualificar a crítica é dizer que o crítico não tem nenhum “trabalho” realizado em prol da comunidade. O “trabalho” referido é sempre atividades assistencialistas, feitas nas brechas deixadas de propósito pelo Poder Público, usurpando a cidadania daquele cidadão mais humilde e vulnerável a essas práticas, muitas vezes feitas com dinheiro público desviado, quando não, patrocinado por algum empresário que depois, certamente, vai cobrar esta conta.
Com a chegada das rádios e TVs alternativas ou comunitárias, redes sociais, twiter, e principalmente dos blogs, este contexto crítico legítimo ganhou novos contornos e dificultou para os governantes o uso da força política para esconder fatos e denúncias de nossa população.
Este fato ocorre de forma clara em nossa cidade. Blogueiros e programas de rádio e televisão que não se alinham com o governo são, sistematicamente, combatidos e desqualificados.
No meu caso específico, outro dia fui chamado de oportunista por um vereador insatisfeito por uma critica feita a Câmara de Vereadores, durante o Programa Cidadania e Socialismo que apresento pela JovemTV.
Devo ser um oportunista bem idiota, pois milito politicamente num pequeno partido de esquerda e socialista, que contesta o atual modelo de gestão pública, que não admite coligação visando apenas cargos, que não tem dinheiro para fazer campanha, que não aceita doações de empreiteiras e concessionárias de serviços públicos, que trabalha desde os 15 anos de idade e nunca teve “boquinhas” na administração pública.
Outro caso emblemático esta semana foram as postagens corajosas neste blog mostrando as nebulosas relações entre “empresários e “donos do poder” nesta cidade. Tentam desqualificar e teimam em não aceitar a podridão e a quadrilhagem em que se transformaram as relações política praticadas e que deveriam despertar indignidade em toda a população, principalmente, entre aqueles que dispõem de senso crítico para compreenderem o quadro de forma geral.
De minha parte, posso garantir que não vou me abater. Vou continuar na luta fazendo o enfretamento com estes “grupos”, buscando mudanças que possam trazer mais transparência e ética nas práticas políticas, embora reconheça a dificuldade conjuntural deste momento de refluxo dos movimentos sociais de massa.
A política, hoje, infelizmente, vive sob a égide da corrupção e do poder econômico, mas não pode ser motivo de desculpas para cruzarmos nossos braços.
É preciso continuar estimulando as pessoas de bem a participarem da vida pública.
Tudo na nossa vida depende de decisões políticas, usando o sentido mais amplo da palavra. Mesmo aquele cidadão que se sente menos impactado por qualquer decisão governamental tem o dever social de ter responsabilidade com o coletivo da sociedade. Não é possível construir uma nação sem estes valores.
“O que me preocupa não é o grito dos maus, mas o silêncio dos bons.”
Martin Luther King
Cláudio Leitão é economista, propagandista, dirigente sindical e presidente do diretório municipal do PSOL em Cabo Frio.
Na grande maioria das vezes, a resposta que é dada não é em cima dos argumentos utilizados, mas sim, buscando uma tentativa de desqualificar o seguimento ou o cidadão que fez as criticas, principalmente, quando a crítica é feita de forma evidente e contundente não deixando dúvidas a razão.
A tentativa de calar a opinião pública exercendo controle sobre as rádios, TVs e jornais, usando para isso o grande poder econômico de maior anunciante é um fato consumado. Mostra a falta de capacidade de dialogar com a opinião contrária e o viés autoritário que vem marcando os últimos governos da nossa cidade.
Alguns “mandatários de plantão”beiram ao ridículo, quando alegam que a critica é feita por quem não ocupa nenhum cargo público ou não tem votos, como se o cidadão comum não tivesse o direito e a capacidade de fazer criticas sobre qualquer fato referente a administração pública.
Outro argumento muito utilizado por eles para desqualificar a crítica é dizer que o crítico não tem nenhum “trabalho” realizado em prol da comunidade. O “trabalho” referido é sempre atividades assistencialistas, feitas nas brechas deixadas de propósito pelo Poder Público, usurpando a cidadania daquele cidadão mais humilde e vulnerável a essas práticas, muitas vezes feitas com dinheiro público desviado, quando não, patrocinado por algum empresário que depois, certamente, vai cobrar esta conta.
Com a chegada das rádios e TVs alternativas ou comunitárias, redes sociais, twiter, e principalmente dos blogs, este contexto crítico legítimo ganhou novos contornos e dificultou para os governantes o uso da força política para esconder fatos e denúncias de nossa população.
Este fato ocorre de forma clara em nossa cidade. Blogueiros e programas de rádio e televisão que não se alinham com o governo são, sistematicamente, combatidos e desqualificados.
No meu caso específico, outro dia fui chamado de oportunista por um vereador insatisfeito por uma critica feita a Câmara de Vereadores, durante o Programa Cidadania e Socialismo que apresento pela JovemTV.
Devo ser um oportunista bem idiota, pois milito politicamente num pequeno partido de esquerda e socialista, que contesta o atual modelo de gestão pública, que não admite coligação visando apenas cargos, que não tem dinheiro para fazer campanha, que não aceita doações de empreiteiras e concessionárias de serviços públicos, que trabalha desde os 15 anos de idade e nunca teve “boquinhas” na administração pública.
Outro caso emblemático esta semana foram as postagens corajosas neste blog mostrando as nebulosas relações entre “empresários e “donos do poder” nesta cidade. Tentam desqualificar e teimam em não aceitar a podridão e a quadrilhagem em que se transformaram as relações política praticadas e que deveriam despertar indignidade em toda a população, principalmente, entre aqueles que dispõem de senso crítico para compreenderem o quadro de forma geral.
De minha parte, posso garantir que não vou me abater. Vou continuar na luta fazendo o enfretamento com estes “grupos”, buscando mudanças que possam trazer mais transparência e ética nas práticas políticas, embora reconheça a dificuldade conjuntural deste momento de refluxo dos movimentos sociais de massa.
A política, hoje, infelizmente, vive sob a égide da corrupção e do poder econômico, mas não pode ser motivo de desculpas para cruzarmos nossos braços.
É preciso continuar estimulando as pessoas de bem a participarem da vida pública.
Tudo na nossa vida depende de decisões políticas, usando o sentido mais amplo da palavra. Mesmo aquele cidadão que se sente menos impactado por qualquer decisão governamental tem o dever social de ter responsabilidade com o coletivo da sociedade. Não é possível construir uma nação sem estes valores.
“O que me preocupa não é o grito dos maus, mas o silêncio dos bons.”
Martin Luther King
Cláudio Leitão é economista, propagandista, dirigente sindical e presidente do diretório municipal do PSOL em Cabo Frio.
segunda-feira, 28 de novembro de 2011
FRASE DA SEMANA
“O FUTURO TEM MUITOS NOMES. PARA OS INCAPAZES O INALCANSÁVEL, PARA OS MEDROSOS O DESCONHECIDO, PARA OS VALENTES A OPORTUNIDADE.”
Victor Hugo
Victor Hugo
Falta pacificar Brasília
Francisco Bosco - 17/11/2011
Não quero diminuir a importância da ocupação da Rocinha pela polícia, tampouco a política das UPPs em geral. Comemoro ambas. Mas devo começar essa coluna com uma frase estranha, e entretanto necessária para encaminhar o pensamento estrutural que deve orientar a sociedade brasileira nesse momento: embora legal, a prisão de Nem, num sentido profundo, é injusta. Um imenso contingente de jovens, quase todos pretos (ou pretos simbólicos, como Nem), compete em condições radicalmente desiguais com jovens de classe média ou ricos; são humilhados pela polícia; têm sua cidadania esvaziada pela precariedade de serviços públicos fundamentais (saúde, saneamento etc); são quase sempre invisibilizados pelo olhar do outro; não são reconhecidos, em suma, pelo Estado, nem pela sociedade. Por que então deveriam respeitar um pacto social que não os respeita? Impelidos à criminalidade, são presos ou mortos pela polícia. Isso é justo?
Eis a diferença entre os modos como a direita e a esquerda compreendem o problema da criminalidade. Para a direta, o crime é sobretudo uma decisão da ordem da escolha moral individual. Basta ver a capa da revista “Veja” dessa semana: um personagem de novela, uma mulher de meia-idade, com macacão sujo e uma ferramenta na mão, olhar sofrido e firme, encara quem a olha. É o elogio da integridade moral individual nos trabalhadores de classes sociais inferiores. Mas o que, no fundo, essa capa diz é o seguinte: há pessoas que, mesmo desfavorecidas socialmente na largada, recusam-se a quebrar as regras do jogo e trabalham obstinadamente para melhorar de vida. Logo, os criminosos são esses seres abjetos a quem falta essa grandeza moral. Conclusão: a culpa é deles mesmos, que portanto devem ser punidos com rigor pela sociedade. É fácil pensar assim, responsabilizando o outro, e não a sociedade em seu funcionamento geral (o que inclui cada um de nós, sendo essa a visão da esquerda).
Alguns dias antes de ser preso, Nem conversou com a jornalista Ruth de Aquino, da revista “Época”. A fala de Nem não traz nenhum dado inédito ou interpretação nova do problema; além disso, é possível que, nela, Nem esteja querendo influenciar a opinião pública a seu favor. Mas mesmo que seja forjada, é autêntica; mesmo que seja mentirosa, é verdadeira. Há duas linhas que ela estabelece. Numa delas, Nem se apresenta como uma versão do “bandido justo”, que cuida da comunidade (“Mando para a casa de recuperação na Cidade de Deus garotas prostitutas, meninos viciados”) e separa, no interior do crime, as dimensões do pragmático e da crueldade, rechaçando essa ultima (“Nada de atirar em policial que entra na favela. São todos pais de família, vêm para cá mandados”). Na outra linha, ele se revela um traficante lúcido, crítico da estrutura social e a favor da política de segurança do Estado: “A UPP é um projeto excelente”. E ainda: “Meu ídolo é o Lula. Ele foi quem combateu o crime com mais sucesso. Por causa do PAC da Rocinha. Cinquenta dos meus homens saíram do trágico para trabalhar nas obras. Sabe quantas voltaram pra o crime? Nenhum. Porque viram que tinham trabalho e futuro na construção civil”.
Dois pontos fundamentais foram tocados aí. Conta-se que Nem seria, na verdade, um bandido sanguinário, desses que ri enquanto toca fogo em alguém nos pavorosos “microondas” das favelas. Não sei se é verdade, mas o argumento é usado para defender que não se deve ter pena ao julgar, sentenciar, ou mesmo matar sem julgamento um criminoso como ele. A versão do bom bandido, apresentada por ele, serviria para amenizar essa visão. Seja como for, a versão “bandido sanguinário” é, justamente, aquela em que se revela melhor a estrutura social perversa de que o crime deriva: como esperar que um sujeito humilhado, desprezado, agredido, possa ser racional e calculista no crime? O seu ódio é a resposta simétrica à humilhação sofrida. Quem pode ser racional e calculista no crime são os sujeitos para quem o crime não resulta de violências sofridas no mais íntimo de sua identidade, mas aqueles para quem o crime é uma escolha possível entre outras, ou seja: banqueiros ladrões, políticos corruptos etc.
Quando Nem diz que perdeu seus homens para o PAC, a implicação é a mesma: se a sociedade oferecer emprego e cidadania, dificilmente as pessoas optarão pela vida do crime. Aí sim será legítimo falar de escolha individual moral. Os que têm alternativa digna e optam pelo crime, esses sim serão presos com toda a justiça. Muito se falou sobre o valor simbólico da prisão de Nem. Mas chefões do tráfico são presos ou mortos há décadas. Valor simbólico deve ser atribuído ao feito que consagra uma mudança estrutural, ou abre caminho a ela. Valor simbólico terão as prisões de políticos corruptos e banqueiros ladrões (aqui é preciso ser justo: a revista “Veja” contribui intensamente nesse sentido). Valor simbólico terá a entrada em vigor da lei da Ficha Limpa. Mas no mesmo dia da prisão de Nem, o ministro Luiz Fux, do STF, deu parecer contrário a um ponto importante da lei. E, nas semanas anteriores, assistimos ao velho espetáculo da corrupção política. Só o Nem foi preso. Mas, na origem, é a ilegalidade do centro mesmo de onde a lei emana que condena a estrutura social brasileira ao ciclo vicioso da injustiça profunda, de que a criminalidade é o grande sintoma.
As favelas recebem UPPs; a classe média recebe choques de ordem. Mas o desafio final não é a pacificação da Rocinha, e sim de Brasília.
Não quero diminuir a importância da ocupação da Rocinha pela polícia, tampouco a política das UPPs em geral. Comemoro ambas. Mas devo começar essa coluna com uma frase estranha, e entretanto necessária para encaminhar o pensamento estrutural que deve orientar a sociedade brasileira nesse momento: embora legal, a prisão de Nem, num sentido profundo, é injusta. Um imenso contingente de jovens, quase todos pretos (ou pretos simbólicos, como Nem), compete em condições radicalmente desiguais com jovens de classe média ou ricos; são humilhados pela polícia; têm sua cidadania esvaziada pela precariedade de serviços públicos fundamentais (saúde, saneamento etc); são quase sempre invisibilizados pelo olhar do outro; não são reconhecidos, em suma, pelo Estado, nem pela sociedade. Por que então deveriam respeitar um pacto social que não os respeita? Impelidos à criminalidade, são presos ou mortos pela polícia. Isso é justo?
Eis a diferença entre os modos como a direita e a esquerda compreendem o problema da criminalidade. Para a direta, o crime é sobretudo uma decisão da ordem da escolha moral individual. Basta ver a capa da revista “Veja” dessa semana: um personagem de novela, uma mulher de meia-idade, com macacão sujo e uma ferramenta na mão, olhar sofrido e firme, encara quem a olha. É o elogio da integridade moral individual nos trabalhadores de classes sociais inferiores. Mas o que, no fundo, essa capa diz é o seguinte: há pessoas que, mesmo desfavorecidas socialmente na largada, recusam-se a quebrar as regras do jogo e trabalham obstinadamente para melhorar de vida. Logo, os criminosos são esses seres abjetos a quem falta essa grandeza moral. Conclusão: a culpa é deles mesmos, que portanto devem ser punidos com rigor pela sociedade. É fácil pensar assim, responsabilizando o outro, e não a sociedade em seu funcionamento geral (o que inclui cada um de nós, sendo essa a visão da esquerda).
Alguns dias antes de ser preso, Nem conversou com a jornalista Ruth de Aquino, da revista “Época”. A fala de Nem não traz nenhum dado inédito ou interpretação nova do problema; além disso, é possível que, nela, Nem esteja querendo influenciar a opinião pública a seu favor. Mas mesmo que seja forjada, é autêntica; mesmo que seja mentirosa, é verdadeira. Há duas linhas que ela estabelece. Numa delas, Nem se apresenta como uma versão do “bandido justo”, que cuida da comunidade (“Mando para a casa de recuperação na Cidade de Deus garotas prostitutas, meninos viciados”) e separa, no interior do crime, as dimensões do pragmático e da crueldade, rechaçando essa ultima (“Nada de atirar em policial que entra na favela. São todos pais de família, vêm para cá mandados”). Na outra linha, ele se revela um traficante lúcido, crítico da estrutura social e a favor da política de segurança do Estado: “A UPP é um projeto excelente”. E ainda: “Meu ídolo é o Lula. Ele foi quem combateu o crime com mais sucesso. Por causa do PAC da Rocinha. Cinquenta dos meus homens saíram do trágico para trabalhar nas obras. Sabe quantas voltaram pra o crime? Nenhum. Porque viram que tinham trabalho e futuro na construção civil”.
Dois pontos fundamentais foram tocados aí. Conta-se que Nem seria, na verdade, um bandido sanguinário, desses que ri enquanto toca fogo em alguém nos pavorosos “microondas” das favelas. Não sei se é verdade, mas o argumento é usado para defender que não se deve ter pena ao julgar, sentenciar, ou mesmo matar sem julgamento um criminoso como ele. A versão do bom bandido, apresentada por ele, serviria para amenizar essa visão. Seja como for, a versão “bandido sanguinário” é, justamente, aquela em que se revela melhor a estrutura social perversa de que o crime deriva: como esperar que um sujeito humilhado, desprezado, agredido, possa ser racional e calculista no crime? O seu ódio é a resposta simétrica à humilhação sofrida. Quem pode ser racional e calculista no crime são os sujeitos para quem o crime não resulta de violências sofridas no mais íntimo de sua identidade, mas aqueles para quem o crime é uma escolha possível entre outras, ou seja: banqueiros ladrões, políticos corruptos etc.
Quando Nem diz que perdeu seus homens para o PAC, a implicação é a mesma: se a sociedade oferecer emprego e cidadania, dificilmente as pessoas optarão pela vida do crime. Aí sim será legítimo falar de escolha individual moral. Os que têm alternativa digna e optam pelo crime, esses sim serão presos com toda a justiça. Muito se falou sobre o valor simbólico da prisão de Nem. Mas chefões do tráfico são presos ou mortos há décadas. Valor simbólico deve ser atribuído ao feito que consagra uma mudança estrutural, ou abre caminho a ela. Valor simbólico terão as prisões de políticos corruptos e banqueiros ladrões (aqui é preciso ser justo: a revista “Veja” contribui intensamente nesse sentido). Valor simbólico terá a entrada em vigor da lei da Ficha Limpa. Mas no mesmo dia da prisão de Nem, o ministro Luiz Fux, do STF, deu parecer contrário a um ponto importante da lei. E, nas semanas anteriores, assistimos ao velho espetáculo da corrupção política. Só o Nem foi preso. Mas, na origem, é a ilegalidade do centro mesmo de onde a lei emana que condena a estrutura social brasileira ao ciclo vicioso da injustiça profunda, de que a criminalidade é o grande sintoma.
As favelas recebem UPPs; a classe média recebe choques de ordem. Mas o desafio final não é a pacificação da Rocinha, e sim de Brasília.
terça-feira, 15 de novembro de 2011
FRASE DA SEMANA
“PODEMOS FACILMENTE PERDOAR UMA CRIANÇA QUE TEM MEDO DO ESCURO; A REAL TRAGÉDIA DA VIDA É QUANDO OS HOMENS TÊM MEDO DA LUZ.”
Platão
Platão
A Cidadania desencarnada e o fascismo de mercado
A história recente do Brasil, do esgarçamento da ditadura militar até os dias de hoje, tem sido feita dos fluxos e refluxos da luta interminável pela afirmação daquilo que foi batizado, nos tempos heróicos da resistência democrática, como “nova cidadania”. Uma poderosa aspiração por mudança, como um espectro que ronda os acontecimentos, tentou se apossar do corpo da política, na busca por conteúdos novos para a democracia e na tentativa de inventar uma nova “gramática do poder”.
O desencanto com a política e o refluxo dos movimentos sociais, marcas indiscutíveis do momento atual, estão situados no reverso daquele impulso. Uma espécie de contraface lógica de um processo que extrapola os limites do conjuntural. São fenômenos lastreados no estrutural e, por conta disto, só podem ser explicados a partir dos percalços da história recente. Definem o perfil da conjuntura política em curso, mas decorrem de causas que vão muito além dela.
O espírito buliçoso da “nova cidadania”, que agitava o âmago de todos os conflitos, pintou e bordou na resistência e no pós-ditadura. Não há fatos da política brasileira nem estruturas da nossa sociedade que tenham conseguido ficar imunes ao impulso renovador do ativismo cidadão. Mesmo golpeado por derrotas parciais, ele ressurgia sempre, transportando para outras frentes de luta o seu inesgotável estoque de esperança.
Em alguns casos essa presença foi explícita e luminosa. Basta ver a enorme fieira das grandes manifestações populares que pontuaram os diferentes momentos do período. O movimento da “Anistia, Ampla, Geral e Irrestrita”, as “Diretas-Já”, os comícios da campanha pela eleição indireta de Tancredo Neves, o movimento Lula-Brasil nas diretas finalmente reconquistadas, além do Fora Collor, que afastou por corrupto o primeiro presidente eleito depois da ditadura, foram manifestações gigantescas e impressionantes. Concentradas em curto período histórico, elas marcaram época.
Além dos eventos grandiosos, o período desencadeou processos que, como manchas de óleo, aos poucos foram refazendo a fisionomia dos diferentes agentes políticos e sociais. Houve mudanças radicais na agenda de debates de todos os partidos políticos e de todas as estruturas intermediárias de poder da nossa sociedade. Sem falar, claro, dos novos movimentos sociais – sindicalismo renovado, associativismo de moradores, movimentos culturais, ecológicos, feministas, antidiscriminatórios e tantos outros – todos diretamente ligados ao impulso da “nova cidadania”.
A forte presença de uma aspiração renovadora, apesar dos acontecimentos grandiosos que conseguiu produzir, não logrou fechar o circuito de uma mudança qualitativa no quadro da política. A anistia veio, mas não foi “ampla, geral e irrestrita”. As diretas não foram “já”. Tancredo Neves, depois de refazer o roteiro dos comícios das diretas, ganhou no Colégio Eleitoral, mas agonizou e morreu antes da posse. A coalizão de veto ao regime militar foi hegemonizada, no governo Sarney, pela Aliança Democrática, no cerne da qual se articulavam os setores mais moderados da oposição e os segmentos recém descolados do autoritarismo.
Dependendo do pano de fundo sobre o qual se projetam tais acontecimentos, eles podem ser vistos como derrotas parciais ou vitórias relativas. O vetor resultante foi a chamada “transição intransitiva”, na qual se resgatou a lógica do velho patrimonialismo brasileiro. O rearranjo no interior das elites, a lógica da restauração da ordem a partir de mudanças controladas de cima, padrão recorrente nas grandes crises da nossa vida política, foi a marca constitutiva da chamada “Nova República”.
No milagre econômico da ditadura, a estrutura social foi metamorfoseada no contexto opressivo e de eclipse total no livre jogo da política. Na transição intransitiva, os novos agentes sociais subversivos, apesar da presença forte, não conseguiram se apossar do corpo político. O surto neoliberal, que emergiu no intervalo trevoso do primeiro Fernando e se consolidou na era FHC, contribuiu para embaralhar ainda mais as cartas da política.
A inversão de mão nas relações entre o estado e a sociedade civil, antiga bandeira dos movimentos sociais, se realizou como simulacro. Onde se queria o estado controlado pelo ativismo cidadão, tivemos a farsa do estado mínimo, que na verdade só minimizou o que nele havia de conquistas sociais. O processo de privatização transferiu o patrimônio estatal para os pontos fortes do mercado, onde ele continuará fora do alcance do controle democrático da cidadania.
O deslocamento de forças políticas, antes identificadas com a luta por mudanças radicais nas práticas políticas, para o campo conservador alcançou seu ponto culminante com a chegada do PT ao governo central. O “pequeno insolente” virou grandalhão indolente e trocou a “mística radical” pelo intestino grosso da pequena política. A maior liderança popular produzida pelo impulso vindo de baixo, que cresceu na planície como Quixote da classe trabalhadora, serrou de cima no Planalto como o Sancho Pança da restauração oligárquica.
Quando uma época de tantas e tamanhas mudanças não logra se completar como uma mudança de época, o processo político volta a correr na bitola tradicional. O conservadorismo recompõe seu padrão de domínio pelas mágicas do envolvimento e da cooptação e a “nova cidadania” envelhece como uma realidade apenas virtual. Produziu surtos, combinou fulgurações e fugas, e, no momento atual, paira sobre os acontecimentos como um espírito desencarnado.
Em tal quadro, a política se apequena como administração e gerência do interesse puro. Um teatro de sombras, sem projetos, nitidez ou transparência, que cuida da mera reprodução da ordem dominante, onde os magnatas do mercado nadam de braçada. Controlam a mídia grande e mandam nos poderes da República. Máquinas eleitorais, acoitadas em máquinas de governo e financiadas pelas grandes corporações decretam a falência do voto como instrumento de mudança.
O poder corrosivo do dinheiro é o único “valor” de livre curso entre os mantenedores da ordem dominante. Basta ver a fieira interminável de escândalos que começam em obras superfaturadas e terminam nos tesoureiros de campanha eleitoral. O formato atual de financiamento privado de campanha, elo que articula o absolutismo do mercado com a pequena política, é o fator determinante da corrupção sistêmica e da primazia do poder econômico como soberano da política.
A cada nova eleição, a metástase se alastra. Os vitoriosos para a chefia dos executivos (presidente, governadores, prefeitos) serão sempre os que mais gastarem nas campanhas. Em segundo lugar, estarão os segundos também em gastos. Uma exceção ou outra, aqui ou acolá, confirma a regra geral. O peso do poder econômico no resultado eleitoral se tornou ostensivo e despudorado.
Nos legislativos, a mesma história. Reduziu-se o espaço dos candidatos de opinião, sejam eles de esquerda, centro ou direita. Usassem macacões como pilotos de corrida, os parlamentares ostentariam na roupa as logomarcas dos patrocinadores. Ao invés de valores ideológicos e programas partidários, o ordenamento da representação se faz pelo interesse das grandes corporações, como no ideário fascista de Mussolini.
As campanhas eleitorais no Brasil estão entre as mais caras do mundo. Além de caras, se organizam de tal forma que torna impossível a fiscalização efetiva. São pouquíssimos os países que permitem ao candidato arrecadar e gastar fundos de campanha, tarefa que deveria ser de responsabilidade exclusiva das organizações partidárias.
Um seleto grupo de magnatas do poder econômico monopoliza o financiamento de campanha eleitoral no Brasil. Os grandes banqueiros, as empreiteiras gigantescas, os estofadinhos do agronegócio, os mega-exportadores, os novos barões da privatização tucana e das fusões lulistas, além, é claro, da miríade de fornecedores diretos de bens e serviços para o setor público. A conta do financiamento privado é paga em dobro pelo que vaza ou deixa de entrar nos cofres públicos: obras superfaturadas, licenças ambientais criminosas, subsídios suspeitos, sonegação e elisão fiscal, vista grossa para armações cavilosas.
O financiamento privado é a espoleta que aciona a mercantilização geral do processo: a corrosão da representação, a desmoralização das instituições republicanas e a gangsterização da política. Hoje, no Brasil, governar é intermediar negócios. A soberania popular foi substituída no artigo primeiro da Constituição. Agora, “todo poder emana dos financiadores de campanha e em seu nome está sendo exercido”. A prevalência de tal situação, ancorada nos percalços da história recente, explica o refluxo do ativismo cidadão. Só um novo choque da cidadania reencarnada poderá nos livrar do fascismo de mercado.
Rio, novembro de 2011
Léo Lince
O desencanto com a política e o refluxo dos movimentos sociais, marcas indiscutíveis do momento atual, estão situados no reverso daquele impulso. Uma espécie de contraface lógica de um processo que extrapola os limites do conjuntural. São fenômenos lastreados no estrutural e, por conta disto, só podem ser explicados a partir dos percalços da história recente. Definem o perfil da conjuntura política em curso, mas decorrem de causas que vão muito além dela.
O espírito buliçoso da “nova cidadania”, que agitava o âmago de todos os conflitos, pintou e bordou na resistência e no pós-ditadura. Não há fatos da política brasileira nem estruturas da nossa sociedade que tenham conseguido ficar imunes ao impulso renovador do ativismo cidadão. Mesmo golpeado por derrotas parciais, ele ressurgia sempre, transportando para outras frentes de luta o seu inesgotável estoque de esperança.
Em alguns casos essa presença foi explícita e luminosa. Basta ver a enorme fieira das grandes manifestações populares que pontuaram os diferentes momentos do período. O movimento da “Anistia, Ampla, Geral e Irrestrita”, as “Diretas-Já”, os comícios da campanha pela eleição indireta de Tancredo Neves, o movimento Lula-Brasil nas diretas finalmente reconquistadas, além do Fora Collor, que afastou por corrupto o primeiro presidente eleito depois da ditadura, foram manifestações gigantescas e impressionantes. Concentradas em curto período histórico, elas marcaram época.
Além dos eventos grandiosos, o período desencadeou processos que, como manchas de óleo, aos poucos foram refazendo a fisionomia dos diferentes agentes políticos e sociais. Houve mudanças radicais na agenda de debates de todos os partidos políticos e de todas as estruturas intermediárias de poder da nossa sociedade. Sem falar, claro, dos novos movimentos sociais – sindicalismo renovado, associativismo de moradores, movimentos culturais, ecológicos, feministas, antidiscriminatórios e tantos outros – todos diretamente ligados ao impulso da “nova cidadania”.
A forte presença de uma aspiração renovadora, apesar dos acontecimentos grandiosos que conseguiu produzir, não logrou fechar o circuito de uma mudança qualitativa no quadro da política. A anistia veio, mas não foi “ampla, geral e irrestrita”. As diretas não foram “já”. Tancredo Neves, depois de refazer o roteiro dos comícios das diretas, ganhou no Colégio Eleitoral, mas agonizou e morreu antes da posse. A coalizão de veto ao regime militar foi hegemonizada, no governo Sarney, pela Aliança Democrática, no cerne da qual se articulavam os setores mais moderados da oposição e os segmentos recém descolados do autoritarismo.
Dependendo do pano de fundo sobre o qual se projetam tais acontecimentos, eles podem ser vistos como derrotas parciais ou vitórias relativas. O vetor resultante foi a chamada “transição intransitiva”, na qual se resgatou a lógica do velho patrimonialismo brasileiro. O rearranjo no interior das elites, a lógica da restauração da ordem a partir de mudanças controladas de cima, padrão recorrente nas grandes crises da nossa vida política, foi a marca constitutiva da chamada “Nova República”.
No milagre econômico da ditadura, a estrutura social foi metamorfoseada no contexto opressivo e de eclipse total no livre jogo da política. Na transição intransitiva, os novos agentes sociais subversivos, apesar da presença forte, não conseguiram se apossar do corpo político. O surto neoliberal, que emergiu no intervalo trevoso do primeiro Fernando e se consolidou na era FHC, contribuiu para embaralhar ainda mais as cartas da política.
A inversão de mão nas relações entre o estado e a sociedade civil, antiga bandeira dos movimentos sociais, se realizou como simulacro. Onde se queria o estado controlado pelo ativismo cidadão, tivemos a farsa do estado mínimo, que na verdade só minimizou o que nele havia de conquistas sociais. O processo de privatização transferiu o patrimônio estatal para os pontos fortes do mercado, onde ele continuará fora do alcance do controle democrático da cidadania.
O deslocamento de forças políticas, antes identificadas com a luta por mudanças radicais nas práticas políticas, para o campo conservador alcançou seu ponto culminante com a chegada do PT ao governo central. O “pequeno insolente” virou grandalhão indolente e trocou a “mística radical” pelo intestino grosso da pequena política. A maior liderança popular produzida pelo impulso vindo de baixo, que cresceu na planície como Quixote da classe trabalhadora, serrou de cima no Planalto como o Sancho Pança da restauração oligárquica.
Quando uma época de tantas e tamanhas mudanças não logra se completar como uma mudança de época, o processo político volta a correr na bitola tradicional. O conservadorismo recompõe seu padrão de domínio pelas mágicas do envolvimento e da cooptação e a “nova cidadania” envelhece como uma realidade apenas virtual. Produziu surtos, combinou fulgurações e fugas, e, no momento atual, paira sobre os acontecimentos como um espírito desencarnado.
Em tal quadro, a política se apequena como administração e gerência do interesse puro. Um teatro de sombras, sem projetos, nitidez ou transparência, que cuida da mera reprodução da ordem dominante, onde os magnatas do mercado nadam de braçada. Controlam a mídia grande e mandam nos poderes da República. Máquinas eleitorais, acoitadas em máquinas de governo e financiadas pelas grandes corporações decretam a falência do voto como instrumento de mudança.
O poder corrosivo do dinheiro é o único “valor” de livre curso entre os mantenedores da ordem dominante. Basta ver a fieira interminável de escândalos que começam em obras superfaturadas e terminam nos tesoureiros de campanha eleitoral. O formato atual de financiamento privado de campanha, elo que articula o absolutismo do mercado com a pequena política, é o fator determinante da corrupção sistêmica e da primazia do poder econômico como soberano da política.
A cada nova eleição, a metástase se alastra. Os vitoriosos para a chefia dos executivos (presidente, governadores, prefeitos) serão sempre os que mais gastarem nas campanhas. Em segundo lugar, estarão os segundos também em gastos. Uma exceção ou outra, aqui ou acolá, confirma a regra geral. O peso do poder econômico no resultado eleitoral se tornou ostensivo e despudorado.
Nos legislativos, a mesma história. Reduziu-se o espaço dos candidatos de opinião, sejam eles de esquerda, centro ou direita. Usassem macacões como pilotos de corrida, os parlamentares ostentariam na roupa as logomarcas dos patrocinadores. Ao invés de valores ideológicos e programas partidários, o ordenamento da representação se faz pelo interesse das grandes corporações, como no ideário fascista de Mussolini.
As campanhas eleitorais no Brasil estão entre as mais caras do mundo. Além de caras, se organizam de tal forma que torna impossível a fiscalização efetiva. São pouquíssimos os países que permitem ao candidato arrecadar e gastar fundos de campanha, tarefa que deveria ser de responsabilidade exclusiva das organizações partidárias.
Um seleto grupo de magnatas do poder econômico monopoliza o financiamento de campanha eleitoral no Brasil. Os grandes banqueiros, as empreiteiras gigantescas, os estofadinhos do agronegócio, os mega-exportadores, os novos barões da privatização tucana e das fusões lulistas, além, é claro, da miríade de fornecedores diretos de bens e serviços para o setor público. A conta do financiamento privado é paga em dobro pelo que vaza ou deixa de entrar nos cofres públicos: obras superfaturadas, licenças ambientais criminosas, subsídios suspeitos, sonegação e elisão fiscal, vista grossa para armações cavilosas.
O financiamento privado é a espoleta que aciona a mercantilização geral do processo: a corrosão da representação, a desmoralização das instituições republicanas e a gangsterização da política. Hoje, no Brasil, governar é intermediar negócios. A soberania popular foi substituída no artigo primeiro da Constituição. Agora, “todo poder emana dos financiadores de campanha e em seu nome está sendo exercido”. A prevalência de tal situação, ancorada nos percalços da história recente, explica o refluxo do ativismo cidadão. Só um novo choque da cidadania reencarnada poderá nos livrar do fascismo de mercado.
Rio, novembro de 2011
Léo Lince
segunda-feira, 31 de outubro de 2011
FRASE DA SEMANA
"A HISTÓRIA SE REPETE. A PRIMEIRA VEZ COMO TRAGÉDIA E A SEGUNDA COMO FARSA"
Karl Marx
Karl Marx
domingo, 30 de outubro de 2011
UPAs administradas por OS custam mais caro.
A exemplo do que já havia sido comprovado em São Paulo, as unidades públicas de saúde do Rio privatizadas através das chamadas Organizações Sociais (OS) também pagam mais caro por serviços, medicamentos e produtos do que aquelas que continuam sendo administradas pelo poder público. De acordo com matéria publicada pelo jornal O DIA, nesta terça-feira (25/10) relatório do Tribunal de Contas do Município (TCM) mostrou que as UPAs da Prefeitura do Rio, que estão sendo administradas por Organizações Sociais (OSs), pagam por serviços, medicamentos e produtos preços muito maiores do que as unidades administradas pelo município.
Os preços para serviços de limpeza, por exemplo, são 56% mais caro nas OSs; os de remédios chegam ao exorbitante percentual de 168% a mais do que nos centros de saúde da prefeitura. O relatório do TCM foi solicitado pelo vereador Paulo Pinheiro (PSOL). De acordo com o documento, em um ano poderiam ser economizados pelo menos R$ 411 mil, caso os preços fossem iguais aos dos produtos e serviços adquiridos pela Secretaria Municipal de Saúde.
Para a deputada Janira Rocha (PSOL) os dados não surpreendem, porque já é de conhecimento de todos que a privatização da saúde pública através das OSs sai mais caro para o poder público. O Tribunal de Contas (TCE) de São Paulo já havia comprovado este fato. Relatório do órgão, em 2010, mostrou que os hospitais administrados por Organizações Sociais tem um custo maior do que os de administração direta estadual. Segundo o TCE, somados, os serviços prestados por três hospitais administrados pelo estado custaram aos cofres públicos R$ 193.918.557,53 em 2009, e R$ 198.645.891,00 em 2010. Já os três hospitais administrados pelas OSs realizaram procedimentos e compra de materiais 14,58% e 17,40% mais caros nos mesmos anos. O custo dos serviços das três OSs foi de R$ 222.201.351,64 em 2009, e R$ 233.229.999,00 no ano seguinte. Para Janira, estes números comprovam que o projeto de entrega da rede pública estadual para as OSs não passa de "um grande negócio", para favorecer grupos privados da saúde. "O atendimento parea a população não vai melhorar e ainda vai custar mais caro para o bolso do contribuinte", afirma a deputada.
Os preços para serviços de limpeza, por exemplo, são 56% mais caro nas OSs; os de remédios chegam ao exorbitante percentual de 168% a mais do que nos centros de saúde da prefeitura. O relatório do TCM foi solicitado pelo vereador Paulo Pinheiro (PSOL). De acordo com o documento, em um ano poderiam ser economizados pelo menos R$ 411 mil, caso os preços fossem iguais aos dos produtos e serviços adquiridos pela Secretaria Municipal de Saúde.
Para a deputada Janira Rocha (PSOL) os dados não surpreendem, porque já é de conhecimento de todos que a privatização da saúde pública através das OSs sai mais caro para o poder público. O Tribunal de Contas (TCE) de São Paulo já havia comprovado este fato. Relatório do órgão, em 2010, mostrou que os hospitais administrados por Organizações Sociais tem um custo maior do que os de administração direta estadual. Segundo o TCE, somados, os serviços prestados por três hospitais administrados pelo estado custaram aos cofres públicos R$ 193.918.557,53 em 2009, e R$ 198.645.891,00 em 2010. Já os três hospitais administrados pelas OSs realizaram procedimentos e compra de materiais 14,58% e 17,40% mais caros nos mesmos anos. O custo dos serviços das três OSs foi de R$ 222.201.351,64 em 2009, e R$ 233.229.999,00 no ano seguinte. Para Janira, estes números comprovam que o projeto de entrega da rede pública estadual para as OSs não passa de "um grande negócio", para favorecer grupos privados da saúde. "O atendimento parea a população não vai melhorar e ainda vai custar mais caro para o bolso do contribuinte", afirma a deputada.
terça-feira, 25 de outubro de 2011
FRASE DA SEMANA
“SE EU PARAR DE LUTAR, ELES TERÃO ME MATADO SEM TIRAR A MINHA VIDA.”
Marcelo Freixo
Deputado Estadual (PSOL-RJ)
Marcelo Freixo
Deputado Estadual (PSOL-RJ)
PRECISAMOS BUSCAR ALTERNATIVAS
O noticiário dos últimos dias tem trazido à luz duas situações marcantes. A primeira trata da continuidade dos escândalos de corrupção no Brasil. A mais recente no Ministério dos Esportes comandada pelo PC do B. A segunda trata das manifestações globais em 85 países questionando o modelo econômico neoliberal e suas políticas de arrocho contra a população mais pobre.
O elo de ligação é a ação predatória do “grande capital” que se propõe a angariar lucros a qualquer preço e sob quaisquer condições.
O modelo capitalista de produção, inegavelmente, produz riqueza, entretanto, ela se torna propriedade de poucos. Menos de 1/3 de população mundial desfruta do que é produzido, em detrimento de mais de 2/3 que vive “a mingua” desta acumulação. Esta é a regra do jogo que estamos jogando preferencialmente há 200 anos.
Estas recentes manifestações no mundo mostram a saturação do modelo e representam um processo inicial. É apenas a ponta do iceberg.
É crescente o número de marginalizados no mundo. É crescente, inclusive, nos países mais industrializados e desenvolvidos.
O grande capital só aceita perder riqueza e dinheiro quando é para salvar o próprio sistema. Dominam os governos nacionais e usam também o dinheiro público para salvar bancos e grandes conglomerados de empresas como fizeram em 2008/2009, onde o “trio”, EUA, Japão e União Européia investiram 13 trilhões de dólares de dinheiro público para evitar a derrocada do sistema.
Quando a questão é o drama social destas populações marginais, a palavra de ordem é ARROCHO, por que não há recursos disponíveis para “estas demandas”. Vide caso da Grécia, Espanha, Irlanda e alguns países do leste europeu. E olhe que não estou citando as situações calamitosas da África e do Sudeste Asiático que contém outros componentes históricos.
Vejo com alegria as tímidas manifestações recentes de marchas contra a corrupção que aconteceram em várias capitais brasileiras.
Entretanto, cabe aí nova reflexão. Estas pessoas que estão nestas marchas votarem em quem? È comum ver pessoas criticando o modelo e a corrupção, mas votaram nos agentes políticos ou em seus herdeiros que são participantes destas quadrilhas que desviam o dinheiro público e são responsáveis pelas mortes nas filas dos hospitais e pela falta de políticas públicas na educação que levam milhares de crianças para a marginalidade e prostituição.
É argumento comum, estas pessoas dizerem que político é tudo igual e que partidos políticos representam a mesma coisa. Usam a generalização para balizarem suas convicções. Nada mais errado e injusto com vários lutadores sociais que embora em minoria nesta luta, diariamente, estão na outra trincheira e muitas vezes sem nenhum reconhecimento.
Não basta apenas protestar. Precisamos ter a ousadia e a coragem de buscar alternativas. A mudança do modelo econômico e das práticas políticas depende de nossa capacidade de entender que dentro deste processo de democracia de massas somente através do voto consciente podemos alterar este quadro. A outra alternativa seria um processo revolucionário de rompimento institucional que no momento atual se inviabiliza pela total falta de condições objetivas.
A maior responsabilidade deste voto consciente está na sociedade civil organizada e nas pessoas que dispõem de meios de apurar a sensibilidade e separar “o joio do trigo”. Mas tem que querer de fato. Assumir esta tarefa e parar de apenas responsabilizar o sistema e os que participam dele. O voto nulo é uma alternativa democrática, mas não vai mudar nada, pelo contrário, sempre favorece aqueles que estão fraudando o processo com o apoio do grande capital e se beneficiando do voto dos incautos, dos excluídos, e daqueles que não dispõem dos meios de informação para formar uma massa crítica e entender o contexto político que os cercam.
Na nossa cidade, por exemplo, há vinte anos que conjugam o verbo “roubar” em todas as formas e tempos. Muita gente reclama nas ruas, bares, cafés, filas de banco, supermercados, blogs e outros lugares menos votados, mas nada muda. Elegem sempre os mesmos ou seus respectivos herdeiros políticos. Querem mudar o que?
As práticas políticas estão se repetindo novamente neste período pré-eleitoral. Estão aí escancaradas para quem quiser ver.
Assim como navegar era preciso em outras épocas, lutar e participar deste processo de mudanças neste momento atual é fundamental e imperativo.
“O que se pensa que é face humana do capitalismo é o que o socialismo arrancou dele com suor, lágrimas e sangue.”
Antonio Candido
Cláudio Leitão é economista e presidente do Diretório Municipal do PSOL em Cabo Frio.
O elo de ligação é a ação predatória do “grande capital” que se propõe a angariar lucros a qualquer preço e sob quaisquer condições.
O modelo capitalista de produção, inegavelmente, produz riqueza, entretanto, ela se torna propriedade de poucos. Menos de 1/3 de população mundial desfruta do que é produzido, em detrimento de mais de 2/3 que vive “a mingua” desta acumulação. Esta é a regra do jogo que estamos jogando preferencialmente há 200 anos.
Estas recentes manifestações no mundo mostram a saturação do modelo e representam um processo inicial. É apenas a ponta do iceberg.
É crescente o número de marginalizados no mundo. É crescente, inclusive, nos países mais industrializados e desenvolvidos.
O grande capital só aceita perder riqueza e dinheiro quando é para salvar o próprio sistema. Dominam os governos nacionais e usam também o dinheiro público para salvar bancos e grandes conglomerados de empresas como fizeram em 2008/2009, onde o “trio”, EUA, Japão e União Européia investiram 13 trilhões de dólares de dinheiro público para evitar a derrocada do sistema.
Quando a questão é o drama social destas populações marginais, a palavra de ordem é ARROCHO, por que não há recursos disponíveis para “estas demandas”. Vide caso da Grécia, Espanha, Irlanda e alguns países do leste europeu. E olhe que não estou citando as situações calamitosas da África e do Sudeste Asiático que contém outros componentes históricos.
Vejo com alegria as tímidas manifestações recentes de marchas contra a corrupção que aconteceram em várias capitais brasileiras.
Entretanto, cabe aí nova reflexão. Estas pessoas que estão nestas marchas votarem em quem? È comum ver pessoas criticando o modelo e a corrupção, mas votaram nos agentes políticos ou em seus herdeiros que são participantes destas quadrilhas que desviam o dinheiro público e são responsáveis pelas mortes nas filas dos hospitais e pela falta de políticas públicas na educação que levam milhares de crianças para a marginalidade e prostituição.
É argumento comum, estas pessoas dizerem que político é tudo igual e que partidos políticos representam a mesma coisa. Usam a generalização para balizarem suas convicções. Nada mais errado e injusto com vários lutadores sociais que embora em minoria nesta luta, diariamente, estão na outra trincheira e muitas vezes sem nenhum reconhecimento.
Não basta apenas protestar. Precisamos ter a ousadia e a coragem de buscar alternativas. A mudança do modelo econômico e das práticas políticas depende de nossa capacidade de entender que dentro deste processo de democracia de massas somente através do voto consciente podemos alterar este quadro. A outra alternativa seria um processo revolucionário de rompimento institucional que no momento atual se inviabiliza pela total falta de condições objetivas.
A maior responsabilidade deste voto consciente está na sociedade civil organizada e nas pessoas que dispõem de meios de apurar a sensibilidade e separar “o joio do trigo”. Mas tem que querer de fato. Assumir esta tarefa e parar de apenas responsabilizar o sistema e os que participam dele. O voto nulo é uma alternativa democrática, mas não vai mudar nada, pelo contrário, sempre favorece aqueles que estão fraudando o processo com o apoio do grande capital e se beneficiando do voto dos incautos, dos excluídos, e daqueles que não dispõem dos meios de informação para formar uma massa crítica e entender o contexto político que os cercam.
Na nossa cidade, por exemplo, há vinte anos que conjugam o verbo “roubar” em todas as formas e tempos. Muita gente reclama nas ruas, bares, cafés, filas de banco, supermercados, blogs e outros lugares menos votados, mas nada muda. Elegem sempre os mesmos ou seus respectivos herdeiros políticos. Querem mudar o que?
As práticas políticas estão se repetindo novamente neste período pré-eleitoral. Estão aí escancaradas para quem quiser ver.
Assim como navegar era preciso em outras épocas, lutar e participar deste processo de mudanças neste momento atual é fundamental e imperativo.
“O que se pensa que é face humana do capitalismo é o que o socialismo arrancou dele com suor, lágrimas e sangue.”
Antonio Candido
Cláudio Leitão é economista e presidente do Diretório Municipal do PSOL em Cabo Frio.
domingo, 9 de outubro de 2011
FRASE DA SEMANA
" O QUE SE PENSA QUE É FACE HUMANA DO CAPITALISMO É O QUE O SOCIALISMO ARRANCOU DELE COM SUOR, LÁGRIMAS E SANGUE." Antonio Candido
O verbo "roubar"
Chico Alencar - O Globo - 05/09/2011
“Perdi o bonde e a esperança. Volto pálido para casa. A rua é inútil e nenhum auto passaria sobre meu corpo.”
(Carlos Drummond de Andrade, Soneto da Perdida Esperança – 1934)
O desastre do bondinho de Santa Teresa, no Rio, é tragédia e metáfora. Mesmo sucateado pela omissão criminosa das autoridades e pela fadiga de materiais, o “bonde Brasil” prossegue: alguns parecem acordar para a mobilização contra a corrupção. Para ser transformadora, porém, toda justa indignação precisa de trilhos e trajeto. Um bonde percorre etapas até chegar ao destino final.
Padre Vieira, no século XVII, clamou: “Aqui se conjuga o verbo roubar em todos os tempos, modos e lugares.” O sistema colonial, fundado no latifúndio, na escravidão e na dependência externa, que continuou no Império, produzia corrupção larvar, derivada do mandonismo local. A República ainda não superou muitas dessas práticas patrimonialistas.
A história ensina que corrupção não se combate com “vassouradas” a la Jânio e “caçadas a marajás” estilo Collor. Corruptores - tão pouco mencionados - e seus beneficiários, os corruptos, são como mofo e bolor: só a luz do sol os afeta. Esta é uma primeira exigência, a estação inicial: transparência total nas atividades públicas e acompanhamento pari passu dos eleitos, com controle social de seus atos. A crescente autonomização do Poder Público em relação à sociedade é a morte da democracia.
Órgãos de controle existem: tribunais de contas, controladorias, legislativos. Quantos exercem, com eficácia, essas funções? Daí o imperativo de constituí-los com quadros técnicos competentes e dirigentes dotados de espírito público, sem corporativismos. O compadrio risonho precisa ser retirado do bonde onde está aboletado, viajando gratuitamente, há séculos. A impunidade, força motriz das trombadas contra o interesse público, gera prejuízos nunca ressarcidos: a Advocacia Geral da União só recuperou 7% do que foi subtraído, na última década.
A Educação, como os Arcos da Lapa, é o caminho para se alcançar áreas mais elevadas? Sim, desde que ela não continue, como o antigo aqueduto, com suas telas de proteção furadas: profissionais mal remunerados, sem atualização adequada, e gestões centralizadas, autoritárias. Não é admissível que de cada R$10 investidos no setor apenas R$1 chegue na atividade fim, o encontro vivificante da sala de aula. Clama-se, com razão, por 10% do PIB para a Educação já, sem desvios!
É indispensável também profunda reforma do nosso sistema político, que perde credibilidade com tantas legendas de aluguel, entre as quais "novas" já carregadas das velhas fraudes, e grandes partidos acometidos de nanismo moral. “Não, não nos representam”, cantam os jovens na Puerta Del Sol, em Madri. Esse clamor está chegando aqui.
Reforma política não existirá sem uma nova consciência cidadã, que desmercantilize o voto. E sem campanhas austeras, em torno de projetos e causas, e não de favores ou promessas enganosas anunciadas em marketings milionários. Nenhuma política pública se sustenta com uma estrutura administrativa que dá ao Executivo federal 25 mil cargos de livre nomeação – usados, em geral, para barganhas partidárias menores, como nos estados. Nem com pagamento de juros e amortização da dívida, que comprometerão 47,5% do Orçamento deste ano. Financeirização da economia e corrupção têm parentesco.
Só discernindo quem é quem nessa viagem poderemos chegar às esperanças recuperadas de Drummond, em 1934: “Vou subir a ladeira lenta em que os caminhos se fundem. Todos eles conduzem ao princípio do drama e da flora.(...) Há muito tempo nós gritamos: sim! Ao eterno.”
CHICO ALENCAR é deputado federal (PSOL/RJ).
“Perdi o bonde e a esperança. Volto pálido para casa. A rua é inútil e nenhum auto passaria sobre meu corpo.”
(Carlos Drummond de Andrade, Soneto da Perdida Esperança – 1934)
O desastre do bondinho de Santa Teresa, no Rio, é tragédia e metáfora. Mesmo sucateado pela omissão criminosa das autoridades e pela fadiga de materiais, o “bonde Brasil” prossegue: alguns parecem acordar para a mobilização contra a corrupção. Para ser transformadora, porém, toda justa indignação precisa de trilhos e trajeto. Um bonde percorre etapas até chegar ao destino final.
Padre Vieira, no século XVII, clamou: “Aqui se conjuga o verbo roubar em todos os tempos, modos e lugares.” O sistema colonial, fundado no latifúndio, na escravidão e na dependência externa, que continuou no Império, produzia corrupção larvar, derivada do mandonismo local. A República ainda não superou muitas dessas práticas patrimonialistas.
A história ensina que corrupção não se combate com “vassouradas” a la Jânio e “caçadas a marajás” estilo Collor. Corruptores - tão pouco mencionados - e seus beneficiários, os corruptos, são como mofo e bolor: só a luz do sol os afeta. Esta é uma primeira exigência, a estação inicial: transparência total nas atividades públicas e acompanhamento pari passu dos eleitos, com controle social de seus atos. A crescente autonomização do Poder Público em relação à sociedade é a morte da democracia.
Órgãos de controle existem: tribunais de contas, controladorias, legislativos. Quantos exercem, com eficácia, essas funções? Daí o imperativo de constituí-los com quadros técnicos competentes e dirigentes dotados de espírito público, sem corporativismos. O compadrio risonho precisa ser retirado do bonde onde está aboletado, viajando gratuitamente, há séculos. A impunidade, força motriz das trombadas contra o interesse público, gera prejuízos nunca ressarcidos: a Advocacia Geral da União só recuperou 7% do que foi subtraído, na última década.
A Educação, como os Arcos da Lapa, é o caminho para se alcançar áreas mais elevadas? Sim, desde que ela não continue, como o antigo aqueduto, com suas telas de proteção furadas: profissionais mal remunerados, sem atualização adequada, e gestões centralizadas, autoritárias. Não é admissível que de cada R$10 investidos no setor apenas R$1 chegue na atividade fim, o encontro vivificante da sala de aula. Clama-se, com razão, por 10% do PIB para a Educação já, sem desvios!
É indispensável também profunda reforma do nosso sistema político, que perde credibilidade com tantas legendas de aluguel, entre as quais "novas" já carregadas das velhas fraudes, e grandes partidos acometidos de nanismo moral. “Não, não nos representam”, cantam os jovens na Puerta Del Sol, em Madri. Esse clamor está chegando aqui.
Reforma política não existirá sem uma nova consciência cidadã, que desmercantilize o voto. E sem campanhas austeras, em torno de projetos e causas, e não de favores ou promessas enganosas anunciadas em marketings milionários. Nenhuma política pública se sustenta com uma estrutura administrativa que dá ao Executivo federal 25 mil cargos de livre nomeação – usados, em geral, para barganhas partidárias menores, como nos estados. Nem com pagamento de juros e amortização da dívida, que comprometerão 47,5% do Orçamento deste ano. Financeirização da economia e corrupção têm parentesco.
Só discernindo quem é quem nessa viagem poderemos chegar às esperanças recuperadas de Drummond, em 1934: “Vou subir a ladeira lenta em que os caminhos se fundem. Todos eles conduzem ao princípio do drama e da flora.(...) Há muito tempo nós gritamos: sim! Ao eterno.”
CHICO ALENCAR é deputado federal (PSOL/RJ).
APENAS UM PEQUENO DESABAFO
APENAS UM PEQUENO DESABAFO
Fiquei duas semanas sem escrever minha coluna semanal neste blog e de forma bem humorada fui “sacaneado” pelo professor Chicão, o dono do pedaço.
Confesso. Estava sem saco, mas não sumi da cidade. Pelo contrário, estive todo este tempo atento aos acontecimentos políticos da cidade, tema predominante em meus textos.
As notícias que colhemos nos bastidores e as que saem na mídia, sejam em blogs, jornais, rádios e TVs dão uma grande desesperança e fastio em todos nós. Diante de tanta negociata, arrumações e armações nebulosas praticadas por esta camarilha que atualmente nos governa ou tenta voltar a nos governar dá vontade de “vomitar” e não de escrever.
Diante de tanta iniqüidade política, as vezes, a gente arrefece a luta. É preciso parar um pouco para recuperar a energia necessária e dar continuidade ao difícil enfrentamento político que se seguirá nos próximos meses.
Faço militância política por motivação ideológica e movido por um profundo desejo de mudança que possa alterar esta realidade. A grande maioria de minhas demandas são coletivas. Não vejo cargo público como profissão e carreira e não dependo dele para sobreviver. Falo isso para aqueles que me criticam sem me conhecer. Falo isso para aqueles que querem me igualar a estas quadrilhas políticas, nas quais eles costumam votar e reclamar depois.
Alguns me chamam de radical porque o PSOL não age pragmaticamente, através das coligações de praxe para ter mais chances eleitorais. Digo e repito: Para ganhar com estes “caras´” que estão aí preferimos perder sozinhos. A vitória deles representa a derrota de toda sociedade. Os fatos sociais e políticos presentes no nosso dia a dia atestam isso.
O eleitor é co-responsável por tudo isso e não pode ser paternalizado. Grande parte dos que reclamam, reelegem sistematicamente o político corrupto e seu respectivo grupo ou quadrilha política. A falta de consciência política aliada à deficiência na formação escolar e da cidadania contribuem para a manutenção deste quadro.
Alguns ainda debocham de nossa participação política, fazendo piadas de resultados eleitorais, deixando de valorizar a importância e a coragem daqueles que se contrapõem ao modelo vigente e que querem provocar um debate sobre outros caminhos e formas.
Alguns também duvidam de nossa capacidade e preparo e criticam sem conhecer. Fazem avaliações superficiais e concluem que é preparado quem é bom de voto.
Um picareta chamado Joaquim Roriz, em Brasília, ganhou duas eleições em cima de Cristóvão Buarque para citar como exemplo. O desnível entre os dois é abissal em qualquer tipo de comparação. Logo, o político que tem mais voto não é necessariamente o mais capacitado e preparado para implementar um projeto de políticas públicas que possam reverter o drama social presente em nossa cidade e no país.
Lamento informar a aqueles que não confiam em mim e no meu partido e também a aqueles que respeitam, mas divergem política e ideologicamente das nossas idéias e projetos que não vamos desistir da luta política. Estaremos ativamente participando das disputas eleitorais atuais e futuras, independente do resultado eleitoral obtido.
Não vejo nos nomes que se colocam para a eleição nenhuma sumidade. Pelo contrário, alguns são contumazes freqüentadores de tribunais por desvios éticos e de malversação do dinheiro público. Alguns estão envolvidos em escândalos de corrupção recentes. Outros votam sistematicamente contra demandas legítimas dos trabalhadores. Estou pronto para debater com qualquer um deles, em qualquer lugar e sobre qualquer tema.
Acrescento ainda, sem falsa modéstia, que estou preparado sim, tanto técnica quanto politicamente para implementar um projeto transformador em nossa cidade. Sou economista, conheço de finanças públicas e tenho plena capacidade de gerenciar pessoas que seriam escolhidas, preferencialmente, por critérios técnicos, de dentro do partido ou da própria sociedade para que se possa em conjunto, efetuar as mudanças necessárias nesta esculhambação e roubalheira em que se transformou a administração pública desta cidade ao longo de décadas.
Tenho pena, meu caro Chicão, daquele comentarista que disse que iria rir se você manifestasse sua preferência eleitoral na eleição majoritária. Vai continuar sendo governado pelos mesmos, que ora são adversários e ora são aliados, dependendo de suas conveniências pessoais. Observando os personagens envolvidos e os métodos de negociação política e alianças que vão se estabelecendo, fica muito claro que novamente nada mudará. Estão engendrando mais uma grande farsa eleitoral.
Cada um que faça sua escolha e seja co-responsável sobre o que vai ocorrer no ambiente político futuro de nossa cidade.
“ A história se repete, a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa.”
Karl Marx
Cláudio Leitão é presidente do Diretório Municipal do PSOL em Cabo Frio.
Fiquei duas semanas sem escrever minha coluna semanal neste blog e de forma bem humorada fui “sacaneado” pelo professor Chicão, o dono do pedaço.
Confesso. Estava sem saco, mas não sumi da cidade. Pelo contrário, estive todo este tempo atento aos acontecimentos políticos da cidade, tema predominante em meus textos.
As notícias que colhemos nos bastidores e as que saem na mídia, sejam em blogs, jornais, rádios e TVs dão uma grande desesperança e fastio em todos nós. Diante de tanta negociata, arrumações e armações nebulosas praticadas por esta camarilha que atualmente nos governa ou tenta voltar a nos governar dá vontade de “vomitar” e não de escrever.
Diante de tanta iniqüidade política, as vezes, a gente arrefece a luta. É preciso parar um pouco para recuperar a energia necessária e dar continuidade ao difícil enfrentamento político que se seguirá nos próximos meses.
Faço militância política por motivação ideológica e movido por um profundo desejo de mudança que possa alterar esta realidade. A grande maioria de minhas demandas são coletivas. Não vejo cargo público como profissão e carreira e não dependo dele para sobreviver. Falo isso para aqueles que me criticam sem me conhecer. Falo isso para aqueles que querem me igualar a estas quadrilhas políticas, nas quais eles costumam votar e reclamar depois.
Alguns me chamam de radical porque o PSOL não age pragmaticamente, através das coligações de praxe para ter mais chances eleitorais. Digo e repito: Para ganhar com estes “caras´” que estão aí preferimos perder sozinhos. A vitória deles representa a derrota de toda sociedade. Os fatos sociais e políticos presentes no nosso dia a dia atestam isso.
O eleitor é co-responsável por tudo isso e não pode ser paternalizado. Grande parte dos que reclamam, reelegem sistematicamente o político corrupto e seu respectivo grupo ou quadrilha política. A falta de consciência política aliada à deficiência na formação escolar e da cidadania contribuem para a manutenção deste quadro.
Alguns ainda debocham de nossa participação política, fazendo piadas de resultados eleitorais, deixando de valorizar a importância e a coragem daqueles que se contrapõem ao modelo vigente e que querem provocar um debate sobre outros caminhos e formas.
Alguns também duvidam de nossa capacidade e preparo e criticam sem conhecer. Fazem avaliações superficiais e concluem que é preparado quem é bom de voto.
Um picareta chamado Joaquim Roriz, em Brasília, ganhou duas eleições em cima de Cristóvão Buarque para citar como exemplo. O desnível entre os dois é abissal em qualquer tipo de comparação. Logo, o político que tem mais voto não é necessariamente o mais capacitado e preparado para implementar um projeto de políticas públicas que possam reverter o drama social presente em nossa cidade e no país.
Lamento informar a aqueles que não confiam em mim e no meu partido e também a aqueles que respeitam, mas divergem política e ideologicamente das nossas idéias e projetos que não vamos desistir da luta política. Estaremos ativamente participando das disputas eleitorais atuais e futuras, independente do resultado eleitoral obtido.
Não vejo nos nomes que se colocam para a eleição nenhuma sumidade. Pelo contrário, alguns são contumazes freqüentadores de tribunais por desvios éticos e de malversação do dinheiro público. Alguns estão envolvidos em escândalos de corrupção recentes. Outros votam sistematicamente contra demandas legítimas dos trabalhadores. Estou pronto para debater com qualquer um deles, em qualquer lugar e sobre qualquer tema.
Acrescento ainda, sem falsa modéstia, que estou preparado sim, tanto técnica quanto politicamente para implementar um projeto transformador em nossa cidade. Sou economista, conheço de finanças públicas e tenho plena capacidade de gerenciar pessoas que seriam escolhidas, preferencialmente, por critérios técnicos, de dentro do partido ou da própria sociedade para que se possa em conjunto, efetuar as mudanças necessárias nesta esculhambação e roubalheira em que se transformou a administração pública desta cidade ao longo de décadas.
Tenho pena, meu caro Chicão, daquele comentarista que disse que iria rir se você manifestasse sua preferência eleitoral na eleição majoritária. Vai continuar sendo governado pelos mesmos, que ora são adversários e ora são aliados, dependendo de suas conveniências pessoais. Observando os personagens envolvidos e os métodos de negociação política e alianças que vão se estabelecendo, fica muito claro que novamente nada mudará. Estão engendrando mais uma grande farsa eleitoral.
Cada um que faça sua escolha e seja co-responsável sobre o que vai ocorrer no ambiente político futuro de nossa cidade.
“ A história se repete, a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa.”
Karl Marx
Cláudio Leitão é presidente do Diretório Municipal do PSOL em Cabo Frio.
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