Joaquim São Pedro*
Li a entrevista da blogueira cubana Yoani Sanches à revista Veja. Quero dizer que estive em Cuba há um ano. Por dez dias, viajei entre Havana e Camaguey. Foram cerca de 570 quilômetros percorridos pela Carretera Central de Cuba, uma rodovia de 1.140 quilômetros de extensão que vai desde Havana até Santiago de Cuba. Uma viagem fascinante. Rara oportunidade de presenciar um pouco da história, da cultura, da fauna, da flora e das atividades agropecuárias do país.
Conheci um país belíssimo de um povo bonito, predominantemente de negros, brancos e mulatos; gente alegre, brincalhona e hospitaleira. Nada disposta a ficar chorando os seus problemas para que o mundo sinta pena dela. Conversei com as pessoas, jovens e velhos, homens e mulheres. Constatei que todos querem mudanças, que representem desenvolvimento, mais emprego, mais conforto, mais oportunidades de moradia.
Cuba foi isolada por uma política externa imposta pelos EUA em represália ao triunfo da revolução. Mas o povo cubano sobreviveu e, por isso, quer dialogar, porque pretende vender e comprar produtos e serviços de países que tenham a mesma disposição. Mas sem que isso represente interferência externa na sua soberania. É pura relação diplomática e comercial.
A revolução assegurou aos cubanos valores que se tornaram inalienáveis. Falo de solidariedade, do respeito à diversidade, do espírito de coletividade, da ética, do amor ao próximo. De direitos como saúde pública, educação, emprego, saneamento básico, moradia e autonomia para o governo gerir as suas riquezas naturais, sem ter de entregá-las ao estrangeiro.
O boicote causou problemas a Cuba, mas eles estão sendo enfrentados, sem que para isso seja preciso abrir mão da identidade nacional; sem cartilha neoliberal, como querem fazer crer ao mundo os veículos de comunicação que servem ao imperialismo econômico.
A "liberdade" que os cubanos buscam não é uma passagem aérea na mão, mas o direito de continuar a ser uma Nação capaz de enfrentar suas questões internas e externas, sem unilateralidade, promovendo uma política externa de respeito mútuo e às normas internacionais.
O socialismo não é o problema de Cuba, é a solução, porque representa a conquista de uma respeitabilidade internacional para o país e seu povo. O obstáculo a ser vencido é a opressão externa, liderada pelos EUA, e a propaganda dos contra que tentam macular a imagem de um governo que expulsou milionários americanos que viviam na ilha em absoluto comportamento predatório.
Se fosse bom o receituário imperialista, países tutelados econômica e politicamente pelos Estados Unidos seriam um paraíso. Muitos deles são, em verdade, paraísos fiscais. Honduras, Costa Rica, Guatemala, Colômbia, Chile, Jamaica, Paraguai, para citar alguns ditos democráticos e livres, estão lotados de problemas econômicos, políticos e sociais, com baixíssimo índice de desenvolvimento humano, analfabetismo, concentração de renda, miséria, democracia de fachada e subserviência da mídia ao poder econômico.
Há nestes países dependência escancarada em relação ao capitalismo internacional e muito pouca autonomia política. É o que está ocorrendo agora com Honduras, que não resolve a sua crise, por causa da inércia da OEA, que está enfraquecida por causa da omissão do governo Barack Obama, que não se posiciona sobre o golpe hondurenho, com medo dos conservadores republicanos, que de tudo fazem para inviabilizar seus projetos no Senado.
O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da ONU, que mede a qualidade de vida de 182 países, classificou Cuba na posição 51, à frente de Brasil (75), Rússia (71), Arábia Saudita (59), por exemplo, e bem próximo da Argentina (49) e do Uruguai (50). Ou seja, para a ONU, cubanos, argentinos e uruguaios, entre tantos, têm nível de desenvolvimento humano parecido e bem melhor do que o Brasil (75), que, diga-se de passagem, melhorou a sua posição nos últimos anos.
O futuro político de Cuba aos cubanos pertence. Neste ponto, o presidente Lula tem tido uma posição madura na defesa da integração regional, pregando o fim do boicote liderado pelos Estados Unidos, sem que isso represente interferência externa, até porque lá não há insurgência e há normalidade institucional.
Pelo que ouvi e vi dos cubanos, eles não querem esmola, buscam parcerias que representem desenvolvimento. Políticas que tratem de incrementar os setores de comércio, indústria e agropecuária; querem trocar informações e cooperação em ciência e tecnologia; querem comprar máquinas e insumos para o campo para ampliar a sua pauta de exportação.
Minha impressão é que Cuba quer receber turistas e lhes mostrar os seus recursos naturais e culturais; a sua música, as suas praias, os seus drinques, a sua comida, a alegria e a hospitalidade de seu povo. Com uma boa infraestrutura hoteleira, o turismo na Ilha hoje responde por cerca de 30% da receita.
O cubano não esconde mendigos para o turista passar, até porque lá eles não existem. As dificuldades são um problema que todos enfrentam juntos. Não há fome, sede, frio ou pessoas morando na rua. Para enfrentar as catástrofes naturais, como tufões e maremotos, eles desenvolveram técnicas de preservação, antes de tudo, da vida humana, embora haja sérios prejuízos materiais, como o ocorrido no ano passado.
Não há fila em hospitais e todas as crianças estão matriculadas nas escolas, que, obviamente, são públicas e de ótimo nível. A Escola Latino-Americana de Medicina forma médicos e enfermeiros, anualmente, centenas de jovens pobres, do Brasil, dos Estados Unidos, do México, do Canadá, de Honduras, Costa Rica e países da África e da Europa, entre tantos, que não têm oportunidade em seus países.
Nas ruas presenciei gente discutindo política (o cubano fala alto e gesticula muito), tomando sorvete, dançando, cantando e namorando; indo à praia de carro ou em transporte coletivo público. Comi e bebi em casa de cubanos e entendi que não há fartura, há uma racionalidade de consumo necessária e criativa. Há jovens e velhos praticando esportes, indo ao cinema, vendo televisão (inclusive seriados americanos), ao teatro e lendo.
Yoani tem lá os seus motivos e angústias para criticar o seu país. Mas falta-lhe, no meu modo de ver, consistência. Ela critica as estatísticas oficiais, mas não as rebate com números, apenas divaga. Fala em diplomacia popular, como se isso fosse praticado ostensivamente fora do território cubano. Pura utopia. Não imagina os males que o poder econômico causa aos países satélites dos EUA.
Ela diz que quer sair e voltar. Mas não se apresenta com propostas e sugestões de um país melhor. Talvez ela devesse mesmo sair para buscar os seus prêmios. Mas também para constatar que vive, ao lado do seu filho, num país que tem tantos problemas quanto os demais países da América Latina, mas que respeita os direitos dos cidadãos muito mais do que ela imagina.
* Joaquim São Pedro, 51 anos, é jornalista há 25 anos. Começou no Rio de Janeiro e está há 14 anos em Brasília. Trabalhou em O Globo e no Jornal do Brasil. Há dez anos atua em assessoria de imprensa. Trabalhou com o ex-senador Paulo Hartung e na Presidência do Senado. Há dois anos e meio está lotado na Liderança do PSB no Senado. Tem pós-graduação em Direito Legislativo, Ciência Política e Direito Constitucional.
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