sábado, 18 de abril de 2015

MUITOS TONS DE CINZA




Muitos tons de cinza.

Bancadas não são mais partidárias, mas de interesses de grupos: agronegócio, mineradoras, bancos, cimentos...
Como trazer luz a tantos tons cinzentos da vida nacional? Detectar os principais problemas já é começo de solução. Uma simples ida à rua nos traz reflexão.

No plano econômico-financeiro, meu jornaleiro indaga, intrigado: “Será que não há mesmo dinheiro para se investir no país?” Ele se referia a dois de nossos problemas cruciais: a evasão de divisas e a sonegação fiscal. O Brasil, segundo a organização Tax Justice, está em quarto lugar no ranking dos países que mais guardam fortunas em paraísos fiscais, depois de China, Rússia e Coreia do Sul. Estima-se que as oito mil contas de brasileiros no HSBC da Suíça — muitas de origem suspeita — somariam o que Dilma tenta economizar no “ajuste” deste ano.

Internamente, a casta financeira não tem do que reclamar: nosso sistema bancário é o menos taxado e o mais lucrativo do mundo. Na sonegação, somos “medalha de prata”, atrás apenas da Rússia. Para se ter uma ideia, essa subtração nos EUA representa 2,3% do PIB, enquanto a nossa corresponde a 13,4%. Os impostos mais sonegados — e isso é corrupção! — são INSS, ICMS e Imposto de Renda.

No plano político, o comentário da moça no caixa do supermercado provoca risos: “Aqueles ratinhos na CPI foram colocados em má companhia!” A Lava-Jato denuncia uma democracia com engrenagem viciada. A larga porta para a corrupção é o financiamento de partidos e campanhas eleitorais. A economia coloniza a política. Em nome da “governabilidade” mantém-se um padrão político que usa o povo como massa de manobra para, captando o seu sufrágio, garantir espaços de poder aos roedores de nacos do orçamento público. Segmentos vitais estão sub-representados.

As bancadas não são mais partidárias, mas de interesses: do agronegócio, das mineradoras, dos bancos, do cimento, da bala, da bola... No “resgate reputacional” das empreiteiras sob investigação, por que elas não deixam de financiar campanhas políticas, antes mesmo que o STF ou o Congresso estabeleçam essa necessária vedação?

Do semiárido nordestino vem a sabedoria de uma mulher do povo: “A primeira coisa que a chuva lava é a lembrança da seca”, disse. A questão ambiental, na qual a hídrica se insere, precisa entrar de vez na agenda das políticas públicas nacionais. O clima no planeta mudou e os extremos são corriqueiros, o que exige planejamento continuado. É urgente apostar em matrizes energéticas alternativas, racionalização do uso da água e combate efetivo ao desmatamento.

É preciso dar os primeiros passos na direção de um novo modo de produzir e consumir. Quando a autoridade não prevê nem planeja, o cidadão comum descuida: 37% da água potável no país são desperdiçados.

Na crise, a melhor saída é a que combina mudança estrutural com cultural, fecundando também a atitude pessoal. Sem isso, os ratos continuarão roendo a República.


Chico Alencar é professor de história e deputado federal (PSOL-RJ).

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