sábado, 26 de março de 2016

FORAM-SE OS ANÉIS, VÃO-SE OS DEDOS



O velho provérbio aconselha entregar os anéis para preservar os dedos em situações adversas. Certas concessões seriam necessárias para garantir o essencial. Os provérbios são passíveis de uso, mas também de abuso.

A narrativa dos dedos e anéis serviu para o governo Dilma tentar justificar a ruptura com seu programa e a adoção de uma agenda antipopular. Foi assim com a composição ministerial, com o ajuste fiscal, as Medidas Provisórias do seguro-desemprego e das pensões e com as reiteradas concessões à pauta conservadora no Congresso.

Em 2015, foram-se os anéis.

Mas essas concessões, diziam, eram necessárias para manter os dedos: a seguridade social do Estado brasileiro, a política de reajuste do salário mínimo, os programas sociais e a soberania em relação ao pré-sal.

Dilma não teve qualquer cerimônia em enterrar esta narrativa nos primeiros dois meses de 2016. Os dedos tiveram, um a um, sua entrega anunciada. Em alguns casos, efetivada à vista.

A apresentação da reforma da Previdência ao Congresso deu início ao novo momento. As propostas de uma idade mínima para aposentadoria, de equiparação entre homens e mulheres e do desmonte da aposentadoria rural fizeram o governo cruzar a linha vermelha das contrarreformas estruturais.

E uma vez ultrapassada a linha, encorajou-se em avançar mais. Nelson Barbosa, em nome da presidente, anunciou um projeto de reforma fiscal a ser enviado ao Congresso até o fim deste mês. Em poucas palavras, trata-se de transformar o ajuste fiscal em política de Estado, regulamentando ataques medonhos às políticas sociais e aos servidores.

A proposta é estabelecer medidas compulsórias caso as despesas extrapolem o previsto ao longo do ano. Seriam três gatilhos: no primeiro, haveria suspensão do aumento real dos servidores, dentre outras medidas. No segundo, seria suspenso o aumento nominal (isto é, redução salarial) e a ampliação de subsídios, afetando os programas sociais. E no terceiro, enfim, haveria congelamento do salário mínimo.

Para não restar dúvida, na semana passada dois projetos coroaram este leilão de dedos do governo Dilma. O primeiro era esperado e já tramitava há algum tempo por iniciativa do governo e com pedido de urgência: a lei antiterrorismo. Aprovada pela Câmara, a lei abre brecha para a criminalização de movimentos populares através de sua tipificação como “terroristas”.

Por mais que a versão final seja menos agressiva do que a do Senado, ainda permite margem para uma interpretação criminalizadora de delegados, promotores ou juízes. Mais um retrocesso institucional encampado pelo governo.

Completando a série, o dedo mais emblemático: a exploração do pré-sal. José Serra pôde enfim cumprir sua promessa à Chevron de descaracterizar o regime de partilha. Não imaginava, talvez, é que o conseguiria em acordo com o governo Dilma.

Com a avaliação de que poderia perder a votação, o governo tornou-se cúmplice do projeto que derrubou a Petrobras como operadora única, além da obrigatoriedade de participação mínima de 30% nos campos do pré-sal. Caiu antes da queda.

Aposentadoria, programas sociais, salário mínimo, direito de manifestação e pré-sal. Nada mais parece ser ponto inegociável para este governo. Ou melhor, o único ponto inegociável é atender rigorosamente à sanha do mercado financeiro em desmontar a proteção social e ampliar seus ganhos.

Em nome de uma suposta governabilidade, Dilma está destruindo seu governo e criando para si um legado de retrocessos. E mesmo com tudo isso, não tem nenhuma garantia de que chegará até 2018.

Como já disse aqui André Singer, se era para enfrentar o risco de cair, que fosse então pelos bons motivos.


Guilherme Boulos é formado em filosofia pela USP,  membro da coordenação nacional do MTST e da Frente de Resistência Urbana.
 

3 comentários :

  1. Um ótimo artigo do Boulos, porém as vezes não entendo sua posição, faz críticas ao governo e depois participa de ato de apoio. Esse governo Dilma PT não tem defesa. A saída é pela esquerda !
    Paulo Campos.

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  2. Ele tem se posicionado contra o impeachment, mas tem feito severas críticas a política econômica do governo.

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  3. Falou tudo, já que tinha que cair pelo menos tinha que fazer política a favor do povo e contra as elites financeiras.
    Geraldo

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