O
velho provérbio aconselha entregar os anéis para preservar os dedos em
situações adversas. Certas concessões seriam necessárias para garantir o
essencial. Os provérbios são passíveis de uso, mas também de abuso.
A
narrativa dos dedos e anéis serviu para o governo Dilma tentar
justificar a ruptura com seu programa e a adoção de uma agenda
antipopular. Foi assim com a composição ministerial, com o ajuste
fiscal, as Medidas Provisórias do seguro-desemprego e das pensões e com
as reiteradas concessões à pauta conservadora no Congresso.
Em 2015, foram-se os anéis.
Mas
essas concessões, diziam, eram necessárias para manter os dedos: a
seguridade social do Estado brasileiro, a política de reajuste do
salário mínimo, os programas sociais e a soberania em relação ao
pré-sal.
Dilma
não teve qualquer cerimônia em enterrar esta narrativa nos primeiros
dois meses de 2016. Os dedos tiveram, um a um, sua entrega anunciada. Em
alguns casos, efetivada à vista.
A
apresentação da reforma da Previdência ao Congresso deu início ao novo
momento. As propostas de uma idade mínima para aposentadoria, de
equiparação entre homens e mulheres e do desmonte da aposentadoria rural
fizeram o governo cruzar a linha vermelha das contrarreformas
estruturais.
E
uma vez ultrapassada a linha, encorajou-se em avançar mais. Nelson
Barbosa, em nome da presidente, anunciou um projeto de reforma fiscal a
ser enviado ao Congresso até o fim deste mês. Em poucas palavras,
trata-se de transformar o ajuste fiscal em política de Estado,
regulamentando ataques medonhos às políticas sociais e aos servidores.
A
proposta é estabelecer medidas compulsórias caso as despesas extrapolem
o previsto ao longo do ano. Seriam três gatilhos: no primeiro, haveria
suspensão do aumento real dos servidores, dentre outras medidas. No
segundo, seria suspenso o aumento nominal (isto é, redução salarial) e a
ampliação de subsídios, afetando os programas sociais. E no terceiro,
enfim, haveria congelamento do salário mínimo.
Para
não restar dúvida, na semana passada dois projetos coroaram este leilão
de dedos do governo Dilma. O primeiro era esperado e já tramitava há
algum tempo por iniciativa do governo e com pedido de urgência: a lei
antiterrorismo. Aprovada pela Câmara, a lei abre brecha para a
criminalização de movimentos populares através de sua tipificação como
“terroristas”.
Por
mais que a versão final seja menos agressiva do que a do Senado, ainda
permite margem para uma interpretação criminalizadora de delegados,
promotores ou juízes. Mais um retrocesso institucional encampado pelo
governo.
Completando
a série, o dedo mais emblemático: a exploração do pré-sal. José Serra
pôde enfim cumprir sua promessa à Chevron de descaracterizar o regime de
partilha. Não imaginava, talvez, é que o conseguiria em acordo com o
governo Dilma.
Com
a avaliação de que poderia perder a votação, o governo tornou-se
cúmplice do projeto que derrubou a Petrobras como operadora única, além
da obrigatoriedade de participação mínima de 30% nos campos do pré-sal.
Caiu antes da queda.
Aposentadoria,
programas sociais, salário mínimo, direito de manifestação e pré-sal.
Nada mais parece ser ponto inegociável para este governo. Ou melhor, o
único ponto inegociável é atender rigorosamente à sanha do mercado
financeiro em desmontar a proteção social e ampliar seus ganhos.
Em
nome de uma suposta governabilidade, Dilma está destruindo seu governo e
criando para si um legado de retrocessos. E mesmo com tudo isso, não
tem nenhuma garantia de que chegará até 2018.
Como já disse aqui André Singer, se era para enfrentar o risco de cair, que fosse então pelos bons motivos.
Guilherme Boulos é formado em filosofia pela USP, membro da coordenação nacional do MTST e da Frente de Resistência Urbana.
Um ótimo artigo do Boulos, porém as vezes não entendo sua posição, faz críticas ao governo e depois participa de ato de apoio. Esse governo Dilma PT não tem defesa. A saída é pela esquerda !
ResponderExcluirPaulo Campos.
Ele tem se posicionado contra o impeachment, mas tem feito severas críticas a política econômica do governo.
ResponderExcluirFalou tudo, já que tinha que cair pelo menos tinha que fazer política a favor do povo e contra as elites financeiras.
ResponderExcluirGeraldo