quarta-feira, 15 de outubro de 2014

CHEGA DE AMNÉSIA




Chega de amnésia: notas sobre o “Alzheimer governista”.

O período eleitoral é por deveras engraçado. Nele, como na natureza, tudo se transforma e nada se perde. Em um desses malabarismos interessantes, Valter Pomar publicou um texto intitulado “Chega de PT?”. No texto são debatidas as posições do PSOL e de Valério Arcary (intelectual do PSTU) quanto ao segundo turno. Será bem ilustrativo para entender como pensa o governismo adentrar no cerne das críticas de Pomar às posições comentadas. Antes de tudo, cabe destacar que via de regra, Pomar e a maioria dos nomes mais conhecidos do PT passam o ano todo falando de como a esquerda socialista (penso principalmente em: PCB, PSOL e PSTU) é “pequena”, “deslocada das massas”, “presa a uma ortodoxia marxista deslocada da realidade”, “é a esquerda que a direita gosta”, “linha auxiliar a direita” e outros adjetivos poucos elogiosos. Então não deixa de ser interessante cobrar apoio à reeleição de Dilma dessa esquerda que eles afirmam ser tão insignificante. Mais vamos aos argumentos de fato.

Antes de tudo, o texto do Pomar começa com uma tentativa clássica de ironia ao duvidar da autenticidade dos sentimentos e valores de esquerda de quem tem dúvidas sobre o que significa uma derrota do PT “entre partidos e pessoas que se dizem de esquerda”. Evidentemente, Pomar não se preocupa em argumentar por que o governo Dilma é de esquerda e toma isso como um pressuposto demonstrado. Aliás, evidente. O fato de o governo Dilma ter sido (e ser) aliado de amplos setores da direita mais retrograda desse país (José Sarney, Kátia Abreu, Edir Macedo e Cia...) e de ter feito um governo totalmente pró-capital com ampliação das políticas de criminalização dos movimentos sociais (militarização das favelas no Rio e perseguições políticas durante a Copa, etc.) e das privatizações (portos, aeroportos, rodovias, orçamento público via renúncia fiscal, Leilão de Libra, etc.) e várias outras aberrações não preocupa nosso autor, por exemplo, o fato de termos o maior índice de assassinatos de indígenas desde 1985 e isso guardar relação direta com o apoio do governo Dilma ao agronegócio, Kátia Abreu, CNA e consortes não devem macular a imagem de esquerda do governo de coalizão do PT.

Mas, ironias à parte, devemos voltar ao texto. O principal argumento de Pomar é que uma vitória de Aécio (que ele chama de volta da direita ao governo) provocaria grandes prejuízos para a classe trabalhadora do Brasil e a esquerda latino-americana. Coisa que ninguém em sã consciência discorda. Aécio Neves já deixou claro que fará um governo de total alinhamento com o interesse do imperialismo dos Estados Unidos e qualquer nível de cooperação latino-americana deve ser esquecido. Aliado a isso, os ataques contra a classe trabalhadora também serão brutais – como é de praxes de um projeto neoliberal extremado. Mas o governo Dilma (e os de Lula) também provocaram vários danos à classe trabalhadora. Quem não se lembra da reforma da previdência? Do apassivamento dos principais sindicatos de luta? Das muitas lideranças cooptadas para o aparelho do Estado resultando em um processo de transformismo? Quem não se lembra da ampliação da terceirização? Quem não se lembra da regressão no nível de consciência da classe trabalhadora e dos movimentos sociais? (vide a propaganda do “país de classe média”) e etc.

Tudo isso provocou um enfraquecimento do movimento operário nacional que já não é um ator político de primeira cena faz algum tempo. O aumento do salário mínimo, melhora nas condições de consumo, redução do desemprego e outros benefícios tiveram como acompanhamento necessário – na estratégia de pacto social do PT – um amplo processo de despolitização, desmobilização e regressão da consciência de classe. Cumpre, inclusive, lembrar que essa estratégia discursiva de defender uma política sem confrontos, sem atritos, que pode compactuar em um mesmo “balaio” todos os interesses, colocada em prática por Marina Silva, teve Lula como grande pioneiro e formulador.

Mas Pomar não tem amnésia completa. Ela admite que “de fato, se acontecesse uma derrota, a principal responsabilidade política seria do seu partido, o Partido dos Trabalhadores. Agora vem a maior amnésia do texto, que resulta na verdade em um esquecimento total do fato bem objetivo que o atual governo Dilma é o mais conservador dos governos do PT:
“A estes eleitores, mais do que as comparações de praxe entre passado e presente, cabe lembrar que com Dilma haverá um ambiente político mais favorável à luta por mudanças importantes como a reforma política, através de uma Constituinte exclusiva; como a democratização da comunicação; como a revisão da Lei de Anistia; como a reforma tributária progressiva; como a jornada de 40 horas; como a revisão do fator previdenciário; como a criminalização da homofobia; como a revisão dos índices de produtividade agrária.”

Bem, vamos aos fatos. A citação acima é bem questionável. Se no conjunto da obra, Aécio fará com certeza um governo mais reacionário que o do PT e mais agressivo com a classe trabalhadora, o governo do PT não deixa de fazer um governo com fortes traços reacionários e de ataque à classe trabalhadora. A reforma política foi algo que o primeiro governo Lula prometeu antes de ser eleito e depois fez de tudo para abafar essa pauta em nome da governabilidade. Se em 2002, em momento de maior presença do pensamento de esquerda no seio da sociedade, forte ebulição dos movimentos sociais e com uma coalizão menos conservadora que a atual, o PT não tentou promover a reforma política, não é de mau tom duvidar da efetividade dessa promessa. Democratização da comunicação é outra pauta que os governos do PT tentaram tocar de forma tímida e ao inicio da mais tênue resistência desistiram.

Aliás, Paulo Bernardo foi colocado como ministro da comunicação e não era ele que dizia em alto e bom som ser contra a democratização da mídia e dizia que isso era censura – repetindo o discurso da imprensa mais reacionária (o ministro é nomeado pelo presidente). A única reforma tributária que o governo do PT tocou e com muito afinco foram às renúncias fiscais. Só para a indústria automobilística (todas transnacionais de capital financeiro) de 2010 até 2014 foram 16 bilhões em renúncia fiscal. A revisão da Lei de Anistia, Dilma em campanha não defendeu uma única vez. Também não precisa dizer que os governos do PT não fizeram nada por essa pauta (e quem não se lembra do reacionário Nelson Jobim para Ministro da defesa?). Redução da jornada para 40 horas? Bem, a terceirização e a precarização dos vínculos de trabalho avançaram bastante nos governos do PT e entre os seus financiadores de campanha. Temos empresários que fazem do fim da CLT seu objetivo de vida. E outras propostas, como criminalização da homofobia e revisão do fator previdenciário, (percebam que Pomar não defende o fim) também não andaram em 12 anos de governos do PT.

O que quero destacar com tudo isso é simples: a disputa entre Dilma e Aécio é uma disputa entre dois projetos burgueses de mesma matriz, com variações de alguns elementos e a classe trabalhadora e os movimentos sociais devem no máximo optar pela opção menos danosa a sua luta e organização, tendo claro que os dois governos serão inimigos a serem combatidos. Os intelectuais ligados ao PT fazem de tudo para apresentar como uma disputa entre uma candidatura popular e de esquerda e outra elitista e neoliberal. Quando isso não passa de uma falácia. Depois de 12 anos de PT temos uma classe trabalhadora mais fraca que quando Lula ganhou a primeira eleição, um onda conservadora tomando a sociedade, uma regressão programática dos movimentos sociais e o Congresso Nacional mais conservador desde 1985. Defender voto em Dilma afirmando que ela vai tocar pautas progressistas e de esquerda é querer brincar com a realidade, é ter amnésia sobre o que foi o PT no governo e o que foi o governo Dilma (repito: o mais conservador dos governos petistas).

Mas aí sempre tem alguém para dizer: “se o governo do PT é tão conservador por que toda a grande mídia, o imperialismo e grande parte da burguesia apóia Aécio e é contra o PT?” Respondo assim:
"O problema é que, mesmo assim, dando tanto à burguesia monopolista e tão pouco aos trabalhadores, a burguesia sempre vai jogar com várias alternativas e na época das eleições, vai ameaçar, chantagear e negociar melhores condições para dar sua sustentação. O leque de alianças da governabilidade petista não implica fidelidade dos setores do capital monopolista, adeptos do amor livre, entendem o apoio ao governo do PT como uma relação aberta. Por isso aparecem na época das eleições na forma de suas personificações como partidos de “oposição”.

Tal dinâmica produz um movimento interessante. Amor e união com a burguesia monopolista durante o governo e pau na classe trabalhadora (combinada com apassivamento ,via políticas focalizadas e inserção como consumidores); e briga com a burguesia e promessas de amor com os trabalhadores na época de eleição. "O escravo da Casa Grande e o desprezo pela esquerda".

Jones Makaveli.
Makaveliteorizando.blogspot.com

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