quarta-feira, 28 de outubro de 2015

O VERBO E A VERBA




O verbo e a verba

Mercado total: esse ‘deus’ tem muitos fieis também no mundo político. Mas não deixo de me espantar com o ‘messianismo de negócios’.

As competentes jornalistas Fernanda Krakovics e Júnia Gama, em matéria publicada em O Globo do último domingo, revelaram esse universo de sombras. Um dos crentes envergonhados do ‘bezerro de ouro’ – aqueles que preferem falar em ‘off’, para não se comprometer – disse, sobre Eduardo Cunha, que “ele acha que tudo é dinheiro e não entende que tem gente que está na política por poder ou por vaidade”. Fiquei intrigado com a manifestação do anônimo “integrante do PMDB”: então não há mais ninguém na política por ideal, devotado ao interesse público? Asseguro que sim, mesmo em minoria...

A matéria traz também uma visão de mundo, uma ‘filosofia’ que seria costumeiramente afirmada pelo próprio Cunha: “tem duas coisas que só não resolvem quando é pouco: dinheiro e porrada”.

A inspiração para tal louvor à vilania humana viria do doleiro Lúcio Bolonha Funaro, que na edição de agosto da revista Piauí disse textualmente que aprendeu “que há dois jeitos de resolver um problema, com dinheiro ou na porrada”. Divirjo desta torpe e talvez próspera concepção de vida, pois aprendi, desde menino, que os problemas humanos são resolvidos quando enfrentados a partir de padrões éticos, sinceridade e solidariedade.

O ‘poder dissolvente do dinheiro’, ao contrário, aprofunda os problemas sociais, degrada a política e reproduz a exploração do homem pelo homem. A tática intimidadora da ‘porrada’ joga o ser humano no universo da mentira, da covardia e da prepotência, sempre em favor dos mais fortes.

A questão é que estamos na época da ‘naturalização’ de tudo, até de afirmações estapafúrdias como essas. Elas, aqui, querem dizer isso mesmo que está pronunciado ou escrito: o entendimento de que não há nada que não se compre, mesmo o caráter de uma pessoa; e de que não há ninguém que não possa ser “corrigido” com uma boa sova – física ou de calúnias.

Tempos obscuros, onde a ideologia do consumo contínuo e do individualismo, do ego absoluto, como caminho para a felicidade são a regra. Para isso vale comprar votos para se obter mandatos públicos, vale esconder patrimônio no exterior ainda que jurando ‘amor à pátria’, vale negar sempre qualquer flagrante de ilícito, mesmo batendo de frente com a realidade dos fatos.

O ‘messianismo de mercado’ é o culto ao deus Mamom, que é o deus-dinheiro na tradição hebraica, um dos sete príncipes das trevas.

Luz, queiramos luz!


Chico Alencar e historiador e deputado federal pelo PSOL-RJ.

2 comentários :

  1. Parabéns! Que texto bem escrito! Uma verdadeira aula para todas as classes...simples , direto, verdadeiro... (o que é uma grande pena) pois seria muito bom se tudo isso não fosse verdade...

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