sábado, 20 de setembro de 2014

EM QUE CANDIDATO VOCÊ NÃO VOTARIA DE JEITO NENHUM ?




Esta campanha eleitoral está atravessada por improváveis reviravoltas. Dilma largou na pole position. Não demorou muito, começou a faltar-lhe o fôlego e Aécio foi comendo o chão entre os dois. Aí sobreveio o acidente fatídico de Eduardo Campos e Marina ascendeu meteoricamente. Antes mesmo de ter sua candidatura formalizada, já desbancara Aécio e se anunciara como vencedora do segundo turno.

Num primeiro momento, não roubou votos da Dilma nem do Aécio, mas de indecisos e mesmo de eleitores dispostos a votar nulo, em branco ou a abster-se. Logo depois, fazia um raspa no eleitorado conservador, tirando votos do Aécio. Com isso, Marina ameaçava desbancar Dilma ainda no primeiro turno, ademais de assegurar para si uma larga vantagem no segundo.

Em seguida, o desastre moral do avião do PSB e a intervenção desastrada do Malafaia no programa de governo dela geraram um desgaste imprevisto. E Marina rateou, ao passo que Dilma exibiu uma pequena recuperação e ostentou uma musculatura mais sólida.
Sem perda de tempo, Dilma e Aécio buscam a polarização entre eles, para restringir o espaço centrista em que Marina avança com um discurso abstrato formatado para agradar gregos e troianos indistintamente. Dilma articula um discurso nacional-populista em torno do pré-sal (esquecendo quem foi que promoveu o leilão de Libra, a maior reserva petrolífera do país) para contemplar as sensibilidades órfãs à esquerda, enquanto Aécio ensaia o discurso duro da ordem para satisfazer as aspirações de uma faixa do eleitorado mais conservadora. Com essas inflexões discursivas, tentam configurar um embate esquerda-direita que inviabilize o centro ilusionista de Marina.

Logo em seguida estoura o escândalo da Operação Lava-jato da Polícia Federal, envolvendo PT, PMDB e base aliada. Entre os delatados pelo réu Paulo Roberto Costa, ex-diretor de Abastecimento da Petrobras nomeado por Lula, estão o peemedebista Edson Lobão, Ministro das Minas e Energia, o ex-governador Sergio Cabral (PMDB-RJ) e a filha de Sarney, governadora Roseana Sarney (PMDB-MA), além do falecido Eduardo Campos, do presidente da Câmara dos Deputados, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), do secretário de Finanças do PT e tesoureiro da campanha da Dilma, João Vacaria Neto, e vários mais.

Dilma e Marina são atingidas pelo escândalo. Desidratado, Aécio ensaia uma contraofensiva.
Sem tirar nem pôr, e sem faltar com a verdade, essa poderia ser a narrativa da mídia grande . Narrativa que, no entanto, peca pelo que não diz. Ela silencia escandalosamente um dado da realidade eleitoral chamado Luciana Genro. Omissão que nada tem de inocente.

Esse ocultamento nos diz da manipulação do processo eleitoral não apenas pelo uso abusivo do poder econômico (o que, obviamente, tende a distorcer a livre vontade das urnas), mas sobretudo pelo abuso midiático de sumir com uma candidatura. E o faz de duas maneiras: negando-lhe o espaço que seria razoável no noticiário da imprensa; mas, também, ocultando o nome da candidata nas pesquisas de opinião.

A última pesquisa do Ibope pode ser acessada em http://eleicoes.ibopeinteligencia.com/Documents/Nacional%20-%20Relatórios/JOB_0462-4_BRASIL%20-%20Relatório%20de%20tabelas.pdf . Como se pode verificar, nesta pesquisa de intenção de voto contratada pela Globo e pelo Estadão, o nome de Luciana Genro só é citado para aferir seu índice de rejeição.
É na pergunta 07: ‘em qual o(a) sr(a) não votaria de jeito nenhum?…’

A falta de pudor é evidente. Mas isso ocorre porque, ao contrapor-se aos três candidatos do sistema, Luciana desconstrói sob o olhar de milhões de brasileiros a mensagem de renovação que o trio seleto tenta encarnar. Luciana demonstra que os três irmãos siameses não fazem mais do que repetir à saciedade, de diversas maneiras, o mesmo e surrado bordão thatcherista: TINA (there is no alternative).

Luciana não ficou na denúncia. Nem se limitou a uma mera declaração de intenções. Tampouco se perdeu em princípios gerais generosos. Não, ao apresentar as linhas mestras de um programa anticapitalista concreto para o país atual, foi além e colocou em discussão iniciativas consequentes com as vozes da rua que se fizeram ouvir nas manifestações de junho de 2013, mostrando que há alternativa ao status quo.

Aquelas vozes delinearam (não apresentaram prontos e acabados, mas esboçaram) dois complexos de questões: um, configura uma pauta democrática radical; o outro, uma pauta anticapitalista propriamente dita.
No complexo de questões da pauta democrática radical, estão as relativas ao exercício da democracia direta, à luta por uma polícia cidadã, e outras questões, podendo-se incluir aí a luta contra a corrupção, mas também as lutas contra a homofobia, pela igualdade de direitos entre gêneros e orientações sexuais diversas, pela descriminalização do aborto e da maconha, contra o racismo, etc. Enfim, lutas contra a discriminação e o preconceito, que visam eliminar as barreiras ao que se poderia chamar de uma feliz cidadania.

No complexo das questões da pauta anticapitalista propriamente dita, estão postas todas as lutas que privilegiam o valor de uso em detrimento do valor de troca, notadamente na esfera dos chamados serviços públicos.
A pauta anticapitalista é anticapitalista exatamente porque contraria a lógica da acumulação do capital. É anticapitalista a política que subtraia à lógica do capital os serviços públicos essenciais como educação, saúde, transporte, moradia e previdência, a que promova a reforma agrária e a demarcação das terras indígenas, dos quilombolas e das populações tradicionais, assim como a política urbana que se oponha à gentrificação, à despossessão de direitos, à remoção das populações pobres de áreas da cidade com potencial de valorização.

Essas questões estão postas. Mas, evidentemente, é preciso avançar, tanto no que diz respeito à pauta democrática radical (reforma política e democratização dos meios de comunicação, por exemplo) como nas relativas à pauta anticapitalista propriamente dita, como a auditoria da dívida pública e a possível estatização do sistema financeiro, entre outras iniciativas econômicas, na medida em que a situação objetiva as recomende e a rua as exija. Mas as manifestações delineiam uma pauta anticapitalista sobretudo porque demandam respostas que só uma política anticapitalista consequente pode oferecer.
A campanha de Luciana Genro vocaliza essas pautas. Por isso, ela é imprescindível às eleições e ignorá-la é fazer pouco do processo democrático real.

Como eu ia dizendo, esta campanha eleitoral está atravessada por improváveis reviravoltas. As águas estão revoltas, as nuvens carregadas. Surpresas ainda podem acontecer. Só nas duas últimas semanas teremos tendências melhor delineadas. E o certo é que a campanha da Luciana Genro está mais viva do que nunca. Alea jacta est.


Sergio Granja é pesquisador da Fundação Lauro Campos

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