terça-feira, 2 de setembro de 2014

O QUE ESTÁ EM JOGO NESTAS ELEIÇÕES ?




A campanha eleitoral é um momento privilegiado para dialogar com a população. E isso vale para todos: à esquerda e à direita. Para a esquerda, esse diálogo permite publicizar em larga escala um programa anticapitalista consequente. Mas o fato é que a campanha eleitoral também se assemelha muito a um circo. A imprensa grande se esmera em armar o espetáculo, em fazer dele um jogo de ilusões capaz de distrair e despistar o eleitor. Nesse sentido, a mídia soube manipular com competência os ingredientes que brotaram do acidente aéreo de Santos.

A morte do candidato e seu enterro foram espetacularizados. Como anotaria Nelson Rodrigues: “Eis a verdade – tenho medo do morto ilustre. A visitação, que não para, é tão sem amor! Olho a curiosidade frívola dos que vão espiar o morto”. Não obstante o fato lutuoso, embalaram-no em um clima de perplexidade recheado de amenidades, quase festeiro. E o debate político foi sendo desconstruído em pura propaganda, marketing, show eleitoral.

Nas câmeras de TV que espiam o morto, o pranto legítimo de familiares e íntimos de Eduardo Campos vira exploração eleitoral: a emoção (matéria prima da propaganda) sobrepondo-se ao confronto de ideias, ao embate racional de propostas para o país.
Os comentaristas exibem, ao vivo e a cores, um festival de clichês. Não indagam sobre os projetos de nação em disputa, sobre as políticas propostas através das diversas candidaturas (e a maioria delas é, na verdade, vazia de conteúdo, pura forma), porque, no fundo, de argumento em argumento, não fazem mais do que repetir à saciedade o velho e surrado bordão da Margaret Thatcher: “TINA” (there is no alternative).

PT e PSDB, bem desacreditados, esmeram-se, agastados, em mostrar quem é o melhor gestor para o atual momento macroeconômico do capitalismo brasileiro. E, na mídia grande, sob a batuta do grande capital, o debate não vai além dessa disputa pelo credenciamento como gestor mais competente do regime do capital. Só que, agora, no deserto pós-utópico do ceticismo eleitoral, inventaram uma esperança: Marina Silva. Com efeito, se Lula foi, em dado momento, como definiu com certo exagero Delfin Neto, “a salvação do capitalismo no Brasil”, Marina pode ser, doravante, com seu ecocapitalismo e sua indefinível “sustentabilidade”, a miragem laboriosamente arquitetada para dar-lhe um novo fôlego.

As mídias televisivas e radiofônicas afinaram suas antenas nesse diapasão. E, ao que parece, até agora, com relativo sucesso: a candidatura Marina, antes mesmo de formalizada, já ameaça protagonizar a disputa eleitoral. E, vejam bem, digo a disputa eleitoral e não simplesmente a presidencial, o que traz como consequência o enquadramento do debate político em suas diversas esferas nos marcos convenientes à reprodução ampliada do sistema como uma totalidade.

Nenhum sistema social se reproduz no longo prazo se não for minimamente capaz de suscitar alguma esperança que seja. Ao longo de sua história, o capitalismo não tem feito outra coisa que não seja gerar crises e, na sequência, despertar esperanças com base nas ilusões alentadas por sua recuperação. Nesse sentido, vale ter presente que o capital sabe vender ilusões! De modo que é preciso ter clareza sobre o que está em jogo nestas eleições e sob que intensidade de tensões este jogo será disputado.
Primeiro: o que está em jogo? Pois o que está em jogo é nada mais, nada menos do que o “ajuste” para 2015. É exatamente a projeção desse cenário tenebroso que inviabiliza uma opção menos ruim dentre as que estão colocadas.

Não é que não existam diferenças entre PT e PSDB. Existem, sim: o PT é diferente do PSDB (cada vez menos, é verdade; mas, mesmo assim, ainda subsistem diferenças). E é claro que para os trabalhadores não é indiferente o modo como os diversos candidatos projetam a gestão dos negócios públicos, mesmo que todos se enquadrem (como efetivamente se enquadram) sob a ótica do capital. A Dilma não é o Aécio, e nenhum dos dois é a Marina. Mas o problema concreto que se coloca é que as margens se estreitaram drasticamente e qualquer um deles que vença as eleições terá de realizar o “ajuste”, vale dizer, reajustar tarifas e preços administrados, cortar gastos públicos, privatizar, arrochar salários, precarizar as relações trabalhistas, gerar desemprego, cancelar direitos e – para despejar o caminho ao que tem que ser feito – baixar a repressão. Qualquer coisa diferente disso trafegaria na contramão da lógica da acumulação capitalista.
Quanto à repressão, o legado da Copa é inequívoco: desde o arcabouço jurídico que a legitima até o extraordinário aparato repressivo pronto para ser acionado.

As candidaturas de esquerda (e entre elas a do PSOL, que é, de longe, a de maior visibilidade) não podem deixar de alertar o eleitorado sobre o que o espera após as eleições. Mas não se trata só de usar o processo eleitoral para fazer denúncias. Não, é preciso que, além de denunciar e alertar, a participação no processo eleitoral sirva para acumular forças com vistas à organização da resistência popular ao “ajuste”. Essa resistência, que para ser eficaz terá de ser de massa e se expressar necessariamente nas ruas, se dará num contexto mais favorável às forças populares se puder contar com o respaldo de uma representação ampliada no Parlamento.

Visto o que está em jogo, trata-se de considerar, então, sob que intensidade de tensões esse jogo será disputado. E fica claro que a miragem criada com a candidatura Marina não ajuda a clarificar o quadro eleitoral. Ao contrário, deixa-o embaçado, confunde faixas expressivas do eleitorado e pressiona no sentido do rebaixamento do programa anticapitalista das candidaturas de esquerda.

Como lembra Marx, “não basta que o pensamento procure se realizar; a realidade deve compelir a si mesma em direção ao pensamento”. As semanas vindouras deixarão mais evidente a realidade efetiva do efeito Marina no cenário eleitoral.
À primeira vista, a candidatura da Marina ameaça colocar em cheque o bipartidarismo hegemônico. Se a eleição fosse hoje, como noticia a pesquisa DATAFOLHA aferida sob o forte impacto emocional do acidente que vitimou Eduardo Campos, Marina poderia ultrapassar Aécio, ir para o segundo turno e derrotar Dilma. Talvez esse seja um fenômeno passageiro, talvez perca força com o inevitável distanciamento da tragédia. Mas, de imediato, o significado político da ascensão da Marina pode ser avaliado por sua repercussão positiva no templo do capital, a Bolsa de Valores: o índice BOVESPA subiu 1,05% e foi a 57.560 pontos, o maior patamar de fechamento desde 28 de julho.

Não é só Dilma e Aécio que perdem com a ascensão da Marina. Ela também cria dificuldades para as candidaturas de esquerda e coloca para estas o desafio de trazer para seu campo um eleitorado que, em grande medida, vacila, sente-se de alguma forma atraído pela coalizão PSB-REDE e ainda pode tender para o voto nulo, em branco ou a abstenção eleitoral. Veremos – creio que sobretudo no Rio de Janeiro – até que ponto esse efeito criará dificuldades para as candidaturas proporcionais do PSOL nas faixas do eleitorado em que elas transitam.

Esta eleição começou com o franco favoritismo da Dilma. Em seguida, a petista foi perdendo fôlego e Aécio começou a ganhar espaço. Com a forte comoção causada pela morte de Eduardo Campos, o cenário eleitoral sofreu uma reviravolta e Marina despontou como alternativa de vitória. Sem subtrair eleitores aos outros dois favoritos, Marina herdou os votos de Eduardo Campos e acrescentou a eles os de uma parcela dos eleitores indecisos e também de muitos que prometiam votar nulo ou em branco.
Em meio a esse quadro de incertezas, são muitas as indagações. Que espaço se apresenta para a esquerda avançar na disputa presidencial?
Em que medida o voto majoritária se alinhará ao proporcional ou dele se apartará? Até que ponto o cenário atual tende a se estabilizar?

É preciso responder a essas questões para saber o que fazer.

Sergio Granja é sociólogo e pesquisador da Fundação Lauro Campos.

Um comentário :

  1. Eu # vou pra urna, só porque tem que pegar o meu protocolo, comprovando que participei do grande momento democrático(tem gente que ainda acredita!) isso sim.

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