quarta-feira, 24 de setembro de 2014

UM DESERTO DE NOVAS IDEIAS




Nessas eleições, talvez nunca como antes, está em jogo uma batalha para a apresentação do ‘novo’, especialmente após a entrada da ex-ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, no páreo.
A ambientalista, que reapareceu com a morte de Campos, e alçada pela comoção da tragédia, trouxe consigo o rastro de 2013, quando uma massa foi para as ruas mostrar indignação e pedir renovações para uma gama infinita de situações vividas no país.
Já praticamente certa a sua ida para o 2o turno, tirando definitivamente da disputa Aécio Neves e seu PSDB, Marina abriu uma nova polarização, que toma a cena no lugar da antiga bipolaridade PT versus PSDB. Mas a ambientalista demonstra, a cada dia que passa, estar bem longe do ‘novo’ que vive a proclamar em suas falas.

Quem não sustentou por nem 24 horas um programa LGTB; tergiversa e se desmente a todo momento sobre transgênicos, grandes obras e temas afins; e proclama abertamente que seguirá com a política econômica de FHC e com a política social do PT não é porta-voz da renovação clamada pelas ruas de 2013. Trata-se de apropriação indébita e distorcida das manifestações de 2013, em operação de ilusionismo eleitoral.

A resposta de Dilma são as promessas de consolidação do mais do mesmo, sob uma roupagem de mudanças. Ministros já foram até mesmo demitidos antes de eventual vitória da candidata. A presidente responde também à maior ameaça do momento à sua reeleição com uma reedição da velha campanha do medo, da qual o seu partido, o PT, foi vítima por longos anos.
Nessa reedição do medo faz-se, porém, caminho inverso àquele que a direita tradicional usava para submeter o PT, e que reforçava ideários de um conservadorismo escrachado.

A campanha petista faz agora uso apelativo de ideários de esquerda, entoados primitivamente para assustar o povo. Uma mesa de famintos é a visão imagética usada pra contra-restar a independência do Banco Central, umas das ‘obsessões’ da equipe econômica neoliberal marinista.
Mas as campanhas com fraseologia de esquerda do marketing petista não resistem aos fatos. Não é segredo para ninguém a lucratividade altíssima dos bancos sob os governos petistas - o que já foi bastante anunciado pelo próprio Lula -, bem como a convocação de Henrique Meirelles, alto executivo do mercado financeiro, para a diretoria do BC já no primeiro mandato de Lula, em gestão bem mais independente do Ministério da Fazenda que as anteriores. Uma decisão política que só os ingênuos poderiam avaliar como gratuita e inócua. E que, certamente, está na base do acanhamento das políticas sociais petistas, que já poderiam ter avançado para além do assistencialismo e da louvável, mas insuficiente, retirada de milhões de famílias da miséria absoluta.

É risível, portanto, a discussão que o inusitado duelo Dilma x Marina está promovendo aos olhos dos cidadãos, via TVs, rádios, propagandas e debates eleitorais. Ouvintes e telespectadores veem-se diuturnamente expostos a uma contenda mesquinha, ainda mais falaciosa em vista do fato de se dar apenas um ano após o país ter se deparado com uma volumosa demanda por transformação real.

Sem debate de projeto

Nesse deserto de ideias e de respeito, resultaria frustrante procurar por alguma discussão séria sobre a atual política econômica, as questões político-institucionais e temas elementares da democracia. E são situações de relevância e urgência, aquelas que estão hoje no cotidiano imediato da população, que podem evidenciar esse quadro de ‘não debate’ eleitoral.

Um país na iminência de ficar sem água, e onde está a atual candidata à presidência, ex-ministra do Meio Ambiente sob Lula, a trazer à baila uma avaliação autêntica da calamidade? Por que não botar o dedo na ferida e dizer, por exemplo, que o desmatamento na Amazônia tem relação direta com falta d'água em São Paulo? Porque, para isso, talvez tivesse que admitir que a Amazônia vem perdendo sua cobertura vegetal a passos largos nas últimas décadas, o que impactaria em sua imagem frente ao Ministério do Meio Ambiente.

Sobre a inflação - que está na boca de todos os candidatos, e é, de fato, uma ameaça à população -, por que não a discutem por fora dos cânones fiscais, sempre a partir do tripé sagrado do neoliberalismo (juros, câmbio e metas fiscais)? Por que não associá-la, dentre outros, à reforma agrária, que sabidamente ampliaria o número de agricultores familiares e, daí, a produção de alimentos - o que sem dúvida aliviaria o aumento de preços quando decorrente de um choque de oferta? Afora o impacto que teria na geração de emprego e renda, propiciando o salto das políticas sociais para além da era lulista de transferência de renda.

Não se alcança o ‘novo’ sem uma radical reforma política, que enfrente a deformação de uma democracia representativa cooptada pelo poder econômico; sem uma nova política econômica; e sem um outro modelo de desenvolvimento. As três grandes candidaturas não caminham, em absoluto, nessa direção. São sistêmicas e não trazem, portanto, nada do ‘novo’.
Esses são desafios para uma esquerda renovada, combativa e plural, que possa se amalgamar às lutas concretas do povo que se espalham país afora.

Editorial da semana do Correio da Cidadania.
www.correiodacidadania.com.br

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