terça-feira, 5 de maio de 2015

DEPRESSÃO CÍVICA




Como diria Nelson Rodrigues, eis o óbvio ululante: o brasileiro anda desesperançado. A frustração se mescla ao rancor. Ninguém sabe responder, convincentemente, o que será deste país nos próximos anos.

Diante da falta de perspectiva histórica e de protagonismo alternativo, o debate político baixou do racional para o emocional. Haja palavrão e carência de razão!

A terceirização ameaça esgarçar ainda mais os direitos trabalhistas (e se não ameaça, como afirmam seus defensores, por que aprová-la?). Dilma inclusive terceirizou o governo, entregando-o em mãos da troika Temer, Cunha e Renan.

A inclusão econômica, promovida pelos governos Lula e o primeiro mandato de Dilma, está sob risco, devido à volta da inflação, ao baixo crescimento da economia e à carência de novos investimentos. Desemprego e inflação representam uma química socialmente explosiva.

Cometeu-se o equívoco de fazer inclusão econômica à base de programas sociais, créditos facilitados e desonerações tributárias, sem lastro de sustentabilidade. Em 12 anos de governo, o PT não fez qualquer reforma de estrutura, como a agrária, a tributária e a política. Agora, o buraco se abriu e a conta chegou sob o nome de ajuste fiscal.

Quem vai pagá-la?

As grandes fortunas, as remessas de royalties ao exterior, as heranças dos mais ricos, a maior tributação dos produtores e rentistas?

Nada disso. Joaquim Mãos de Tesoura Levy jogou a conta nas costas dos mais pobres, reduzindo direitos trabalhistas, enquanto Dilma multiplica os recursos do Fundo Partidário, e o Legislativo e o Judiciário aumentam seus salários.
A nação entrou em crise de depressão cívica. O PT, acuado, não faz autocrítica. A presidente, alvo de panelaços, se cala. Os movimentos sociais, debilitados, disputam as ruas com quem protesta sem saber o que propor.

O pouco que resta da esquerda receia fazer eco à direita na sua crítica ao governo. Perante o desgaste dos partidos, surgem propostas de formar frentes suprapartidárias, congregando militantes de diferentes partidos e movimentos sociais.

Rumo a quê?
Qual a proposta capaz de aglutinar distintos segmentos da nação? Apenas evitar a retomada do poder central pela direita?

Ora, isso já se fez na reeleição de Dilma. Sem um projeto histórico capaz de encarnar princípios éticos inquestionáveis, reorganizar a esperança das bases populares e sinalizar efetivas mudanças estruturais, não creio que haveremos de enxergar luz no fim do túnel.
Apesar de tudo, prefiro guardar o pessimismo para dias melhores.


Frei Betto é escritor.

4 comentários :

  1. "Rumo a quê? "
    "Qual a proposta capaz de aglutinar distintos segmentos da nação?"
    "Apenas evitar a retomada do poder central pela direita?"

    Eu estou com essas e tantas outras perguntas na minha cabeça pensante que te confesso que também tô perdida, sem a esperança dos anos iniciais da minha carreira no serviço público. É muito frustrante perceber que o fundo afundo mais ainda que o céu caiu mais ainda e que só se fala em cortes.

    Só uma coisa: dúvido que esses nossos prefeitos e prefeita da região dos lagos estão enfrentando algum "corte" nas suas contas regadas a vinho do porto e filé mignon ao molho madeira.

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    1. A luta por mudanças não é uma tarefa fácil, mas precisa ser levada adiante. Começa, muitas vezes, como um movimento de vanguarda e vai ganhando adeptos. Gramsci já ensinava no século passado: "Pessimismo da razão, otimismo da vontade".

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  2. Mais uma vez Frei Betto consegue fazer uma excelente análise do país neste momento com uma enorme capacidade de síntese. Continue reproduzindo Frei Betto, Leitão.
    Paulo Campos.

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