sábado, 30 de maio de 2015

"A REFORMA POLÍTICA QUE NÃO HÁ"




"A REFORMA POLÍTICA QUE NÃO HÁ"

Nem um homem nesta terra é repúblico, nem zela e trata do bem comum, mas cada um do bem particular.
(Frei Vicente do Salvador, História do Brasil, 1627).

A Reforma Política, por mais importante que seja, não ganhou as ruas na dimensão desejável. O único contraponto expressivo, que é preciso valorizar, veio de estruturas políticas intermediárias da sociedade, em valoroso esforço mudancista real: a Iniciativa Popular de Lei por uma Reforma Política Democrática e Eleições Limpas. A Coalizão Democrática proposta, liderada pela OAB Nacional e pela CNBB, envolve mais de 100 entidades representativas de diversos segmentos sociais populares.

Não é demais lembrar que, na atual composição da Câmara, além de negros, mulheres e indígenas estarem sub-representados, a ‘bancada das empreiteiras’ reúne 214 deputados de 23 partidos, a dos financiados pelos bancos soma 197 de 16 legendas, os frigoríficos ‘apoiaram’ 162 parlamentares, as mineradoras ‘ajudaram’ 85 eleitos. E ainda há as numerosas Excelências defensoras do agronegócio, da bola, da bala, da cerveja, da mídia mercantil, do fundamentalismo… Quem financia manda: sete de cada dez deputados desta nova Legislatura receberam ‘doações’ (= investimentos) de empresas. Que mudanças substantivas nas regras do sistema político desejariam?

A “reforma”, assim, tende a não sê-lo. O cenário que vem se construindo é uma troca dos acessórios da engrenagem que Raymundo Faoro já denunciava há mais de 50 anos, no seu clássico Os Donos do Poder – Formação do Patronato Político Brasileiro (Porto Alegre: Ed. Global, 1979, 5ª edição): “O poder – a soberania nominalmente popular – tem donos que não emanam da nação, da sociedade, da plebe ignara e pobre. O chefe não é um delegado, mas um gestor de negócios, gestor de negócios e não mandatário. O Estado, pela cooptação sempre que possível, pela violência se necessário, resiste a todos, reduzido, nos seus conflitos, à conquista dos membros graduados de seu estado-maior (…) A eleição, mesmo formalmente livre, lhe reserva (ao povo) a escolha entre opções que ele não formulou”.

Na nossa experiência republicana, de muitas transações (pelo alto) nas transições, o povo só interferiu quando ocupou os espaços das praças, incomodando os palácios. Reconheçamos: tanto as manifestações de 2013 quanto as mais recentes, deste 2015, guardadas suas grandes diferenças e embocaduras ideológicas, não clamaram por propostas objetivas de mudança política (exceto o raso ‘Fora Dilma’ e ‘Fora PT’ de março e abril passados) – como as ‘Diretas Já’ do Brasil bonito de 1984, por exemplo. A difusa (e justa) indignação contra a corrupção não foi canalizada para nenhuma reivindicação de alteração do sistema político vigente. Talvez o desencanto predominante explique esse alheamento.

Menos mal que propostas como a do Distritão já tenham sido derrotadas, mas muitas questões foram deixadas de lado, como: I – Parlamentarismo X Presidencialismo; II – revogabilidade dos mandatos; III – regime unicameral (extinção do Senado, para o qual também se propõe mudança de funções, distintas das da Câmara dos Deputados, e novos critérios para escolha dos suplentes); IV – regulamentação facilitadora e maior frequência de plebiscitos e referendos; V – simplificação das exigências para Iniciativa Popular de Lei; VI – fidelidade partidária programática (também para dirigentes); VII – limite de mandatos parlamentares; VIII – cumprimento integral deles; IX – fim de toda votação secreta no Parlamento; X – imunidade parlamentar apenas para opiniões e votos; XI – revisão do tamanho das bancadas estaduais na Câmara dos Deputados, para corrigir distorções; XII – proibição de veiculação de pesquisas eleitorais às vésperas dos pleitos; XIII – proibição de contratação de cabos eleitorais nas campanhas; XIV – redução das funções comissionadas nos gabinetes parlamentares; XV – provimento de 70% delas por funcionários de carreira nos Executivos; XVI – concurso público para preenchimento de vagas nos Tribunais de Contas; XVII – novos critérios para escolha de membros do TSE e não cumulatividade de funções de seus membros com o STF; XVIII – garantia de representação parlamentar mínima para índios, negros e mulheres; XIX – candidaturas avulsas e/ou de caráter nacional; XX – mudança do formato das propagandas na TV e rádio; XXI – impressão e guarda do voto e outras medidas de contenção da vulnerabilidade da urna eletrônica; XXII – novos mecanismos de democracia participativa e direta; XXIII – interrupção definitiva de mandato parlamentar para quem assumir cargo de secretário ou ministro no Executivo.

Esta agenda temática revela que o que vier a ser aprovado no Congresso Nacional, este ano, será necessariamente limitado pela própria composição da instituição. Estará longe de esgotar o debate e as iniciativas sobre as mazelas e insuficiências do nosso sistema político.

Estamos diante de mais um tremendo e urgente desafio: popularizar o debate sobre a Reforma Política necessária. Nossa tradição cultural e política não ajuda, como lembra o jurista Fábio Konder Comparato no artigo Sobre a mudança do regime político no Brasil: “A estrutura de poder, própria do capitalismo escravista aqui instalado durante quase quatro séculos, marcou fundamente nossa mentalidade e nossos costumes políticos. Ela forjou, sobretudo no seio da multidão dos pobres de todo gênero – os nascidos ‘para mandados e não para mandar’, conforme a saborosa expressão camoniana – um espírito de submissão incompatível com a vivência democrática” (Brasília: ‘A OAB e a Reforma Política Democrática’, 2014).

Defendemos que a melhor forma para fazer uma mudança substantiva no nosso sistema político, a fim de torná-lo mais democrático, transparente e representativo, seria através de uma Assembleia Constituinte exclusiva e especificamente convocada para este fim, e com critérios de eleição distintos dos atuais, que impedem que as maiorias sociais se constituam em maiorias políticas. Reconhecemos que, no momento, esta proposta não teve condições de se viabilizar.

Mas a luta continua!


Chico Alencar é deputado federal, líder da bancada do PSOL na Câmara dos Deputados e titular da Comissão Especial da Reforma Política

3 comentários :

  1. Cunha está passando o rodo na Câmara dos Deputados. Agora não adianta chorar, não elegeram ele, ele não está lá de bobeira, botaram ele lá, um bando de otários que não tem informação e não sabem votar, ou então votaram porque ele é evangélico. Mas não serve a Deus, serve ao diabo.

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  2. Chico Alencar foi muito preciso no argumento de que a população deve saber sobre a reforma política. Tenho visto no seu blog vários textos sobre o assunto ajudando a compartilhar informações. Uma ótima iniciativa.
    Paulo Campos

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