sexta-feira, 6 de junho de 2014

FLA-FLU, GRE-NAL, BA-VI, COME-FOGO... POR CHICO ALENCAR




FLA-FLU, GRE-NAL, BA-VI, COME-FOGO..., por Chico Alencar

Futebol é paixão maniqueísta, torcida do ‘bem’ contra o ‘mal’, que acende em nós os instintos mais primitivos. Às vezes, xingamos nosso próprio clube. Na vitória, abraçamos quem sequer conhecemos.

Futebol é guerra ‘civilizada’, rivalidade com regras. A ‘morte’ do adversário não é seu extermínio. Na rodada seguinte, ou no turno seguinte, ou no ano seguinte, ele pode se recuperar. A popularidade do futebol – esta metáfora da vida – reside no êmulo da peleja entre coletivos e na combinação de emoção e razão.

Pois não é que ando ‘bolado’ com esta Copa do Mundo, justo quando ela se realiza no Brasil? É que nossa cabeça é esférica, como uma bola, para que as ideias circulem... Daí que rola dentro de mim um disputadíssimo ‘clássico’: ele opõe o gosto pelo futebol ao gasto de dinheiro público para recebermos o megaevento.

Levamos uma ‘bola nas costas’ quando o então presidente da CBF, Ricardo Teixeira, disse, em 2007, que, “por ser a Copa um evento privado, o papel do governo não é de investir, mas de facilitar e induzir”. À época, o presidente Lula não marcou impedimento: “gasto público só com infraestrutura que fica. Construção de estádios é com a iniciativa privada”.
Furou: dos R$ 31 bi despendidos com o torneio, 85% vêm de investimentos de bancos públicos e dos orçamentos da União, estados e municípios.

Meu ‘derby’ interior coloca em confronto o alegado – obras viárias, quadras esportivas em escolas, dinamismo cultural, reestruturação urbana racional e planejada – e o efetivo legado: 60% das intervenções para mobilidade nas 12 cidades-sede não saíram do papel, por exemplo. O que prevalecerá em função do campeonato de um mês é, basicamente, ‘business’. A Copa Fifa 2014, com seus lucros inéditos, será bem mais de negócios do que de futebol.

Nas ruas há pouca decoração. Suspeito que isso vem do fato do povão estar tomado por um certo decoro: o evento da Fifa nos deixa sem pique porque quer tirar o mínimo centavo de tudo, até de um enfeite com sua ‘marca’, enquanto a ação do Poder Público continua precária no que embeleza, de fato, um logradouro: pavimentação bem mantida, rede de água, luz e esgoto funcionando, lixo seletivamente recolhido.

Não perdi o espírito esportivo. Com todos esses questionamentos, na hora do jogo vou reunir gente amiga e torcer para que a Seleção realize em campo o que tem faltado na nossa sociedade e na política: jogo limpo e total empenho, com arte e engenho. Talento em exibição: tática criativa e coletiva, de cooperação.

Fiquei encafifado até com o nosso simpático tatu-bola, o mascote que ganhou o feio apelido de ‘fuleco’. Pelos superfaturamentos, insegurança nas obras (recorde mundial de acidentes fatais) e oposição entre o proclamado e o realizado, impossível não lembrar de ‘fuleiro’, adjetivo que o dicionário Houaiss atribui “a quem age irresponsavelmente, sem seriedade; que não se mostra confiável”. Confiemos: a taça da cidadania tem que ser nossa!

Chico Alencar é professor de história e Deputado Federal (PSOL-RJ).

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