segunda-feira, 30 de junho de 2014

SÓCRATES E O MILITANTE GOVERNISTA




Sócrates vinha passeando e de repente foi abordado pelo Militante Governista.

MG: Sócrates, não vai me dizer que também concordas com as manifestações contra a Copa?

S: Mas por que me perguntas isso?

MG: Porque, afinal de contas, são manifestações de coxinhas.

S: E por que os manifestantes são coxinhas?

MG: Ora, basicamente porque se opõem ao governo e ao PT e, portanto, ao progresso do país.

S: Então os manifestantes contra a Copa são todos coxinhas porque se opõem ao governo?

MG: Sim.

S: Mas não foi dentro do estádio que nossa presidenta foi vaiada?

MG: Sim.

S: E se os manifestantes são coxinhas, estando fora dos estádios porque protestando contra a Copa, os que estavam dentro não eram coxinhas?

MG: Também eram coxinhas, Sócrates.

S: Por quê?

MG: Porque xingaram a Dilma.

S: Deixe-me entender: dizes que apoias a Copa porque quem está contra é contra o governo e por isso é coxinha. E ao mesmo tempo afirmas que quem está dentro do estádio também é coxinha, porque xinga o governo.
MG: Sim.

S: Consequentemente, estás me dizendo que, apoiando ou não apoiando a Copa, o sujeito é coxinha.

MG: Não, Sócrates. Uma coisa é apoiar a Copa enquanto celebração do futebol, do Brasil e dos feitos do governo; outra coisa é ir ao estádio e participar da Copa.

S: Então há quem apoie a Copa, mas ao mesmo tempo seja contra quem está usufruindo a Copa e contra aqueles que criticam a Copa?

MG: Sócrates, deixa eu explicar melhor. O que estou dizendo é que, como nosso apoio ao governo é incondicional, mesmo sendo contra a forma como a Copa foi feita, nós apoiamos a Copa porque apoiamos tudo que o governo faz. Ao contrário dos coxinhas da oposição.

S: Então existe a Copa como uma “ideia” que vocês apoiam e a Copa real dos coxinhas que vocês não apoiam?

MG: Mais ou menos, Sócrates.

S: O que estás me dizendo então é que, como há coxinhas fora e coxinhas dentro, vocês ficam na posição de apoiar a Copa, por apoiar o governo, e não apoiar o público (e consequentemente a organização que direcionou para esse público) da Copa, porque vaiam o governo.

MG: É.

S: Mas ao mesmo tempo vocês não podem aderir às manifestações contra a FIFA, uma vez que, se o fizessem, estariam enfraquecendo o governo e fortalecendo os coxinhas das ruas?

MG: Sim, mas há uma diferença. Os coxinhas das ruas são menos coxinhas que os dos estádios. Na verdade, devido à história do nosso partido e nosso governo, temos até uma pequena simpatia pelos movimentos, já que eles defendem coisas que defendíamos antigamente. Mas hoje o mais importante é manter o governo forte, e isso significa recusar tanto os menos quanto os mais coxinhas.

S: Então vocês são contra a forma como a Copa foi feita, não contra a Copa enquanto ideia, mas não podem aceitar que as manifestações contestem o governo, já que a prioridade é fortalecer o governo.

MG: Sim, Sócrates.

S: Isso significa que o interesse em defender a Copa é puramente estratégico, ou seja, tem relação apenas com a defesa do governo em geral, sem especificidades?

MG: É, mais ou menos isso. O importante é que o PT siga no governo; por isso, apesar da FIFA, das desocupações, da violência policial e tudo mais, apoiamos o governo, mesmo que isso signifique contradições específicas, já que a contradição seria ainda maior se fizéssemos oposição à Copa (e por isso ao governo).

S: Deixa ver se eu entendi: vocês apoiam a Copa porque apoiam o governo e, portanto, rejeitam os protestos como coisa de coxinhas. Mas quem é que vai usufruir a Copa mesmo?

MG: Os coxinhas master, os que vaiaram em Itaquera.

S: Então, segundo vocês, a melhor estratégia para lidar com os coxinhas das ruas (que são coxinhas porque se opõem ao governo) é apoiar o evento em que quem está são os coxinhas master?

MG: Não entendi.

S: Considerando que o interesse é puramente estratégico, pergunto: é uma boa estratégia apoiar um evento – mesmo não concordando com a forma que foi feito – apenas “por apoiar” se justamente quem vai ao evento é o público dos coxinhas master? Vocês não estão apoiando para fortalecer exatamente aquilo que os enfraquece?

MG: Ah, Sócrates. Deixa pra lá. Agora só falta me dizeres que não foi pênalti no Fred, porque isso é coisa de coxinha!

S: Críton, devemos um galo a Asclépio. Não te esqueças de pagar essa dívida!


Moyses Pinto Neto é pesquisador transdisciplinar da violência. Doutorando em Filosofia (PUCRS). Professor da ULBRA.


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