sábado, 8 de fevereiro de 2014

REFLEXÕES SOBRE A VIOLÊNCIA E O PAPEL DO ESTADO


Os conflitos entre PM e traficantes hoje na periferia da cidade de Cabo Frio(o famoso “outro lado da ponte”, por vezes esquecido pela prefeitura) resultam de um modelo de políticas públicas que há décadas se mostra incapaz de acabar com tráfico e gerar oportunidades para os moradores dessas áreas. Mas não dá pra dizer que o modelo falhou. Porque o objetivo do modelo não é acabar com o tráfico. O objetivo do modelo é não gerar oportunidades.

O modelo venceu. Os pobres continuam marginalizados, sem formação técnica e muito menos cidadã. Continuam como mão de obra barata e excedente. Continuam como meros peões no jogo do “melhorismo econômico” brasileiro. O mundo está sempre melhorando. A economia está sempre crescendo. Mas a pobreza e a desigualdade estão mantidas. Boa parte da classe média aplaude a polícia por cada preto estendido no asfalto com uma bala no peito – como se aquele ser humano ao ser eliminado significasse a queda dos índices de violência. O modelo também dita que não haja melhorias dos serviços públicos e grandes políticas de distribuição de renda. Porque o modelo não é só um modelo, mas um projeto.

Então nosso trabalho é combater o modelo – esse modelo porco de fácil aceitação pelo senso comum. Quanto mais bandidos mortos, menor a violência. Simples assim. Errado. A guerra contra o tráfico já se estende há anos. A cada dia um chefe do tráfico é preso. A cada dia kilos e kilos de drogas são apreendidas. A cada dia mais pretos pobres e favelados são estendidos mortos no chão. E a cada dia os índices de violência aumentam. Em sensação parecida com o “melhorismo econômico”, o número de traficantes presos e de kilos de drogas apreendidas nos faz achar que a violência nos abandona um pouco a cada dia. Mas não. Porque o modelo (ou projeto) visa à eliminação de alguns indivíduos para sua legitimação, mas nunca a eliminação das causas.

E quais são as causa senão a vagabundagem, a natureza humana que busca o caminho mais fácil e a falta de disposição para o trabalho?
Falta de políticas públicas, falta de educação, falta de oportunidades, falta de distribuição de renda, marginalização histórica dos pretos e pobres, falta de habitação, falta tudo. Os índices são claros quando o percentual de mortalidade e de envolvimento com o crime são abruptamente mais altos entre homens negros e pobres do que entre o restante da população.

E a causa das causas?
O Estado que se submete ao interesse privado. O Estado que não pode construir casas porque serve aos empresários da especulação imobiliária. O Estado que não pode construir escolas de qualidade porque serve aos lobbys da educação privada. O Estado que não pode promover oportunidade e distribuição de renda porque acabaria com a mão de obra excedente necessária à limitação do crescimento dos direitos trabalhistas.

O modelo-projeto a ser defendido é o modelo que trabalha todas as causas e busca sempre a reabilitação do ser humano para a vida em sociedade. É o modelo que democratiza o Estado e faz que o mesmo sirva à população. É o modelo que prioriza os serviços públicos em detrimento dos interesses de grupos privados. É o modelo que distribui renda e faz com que a criminalidade não seja a única opção dos marginalizados. É o modelo inverso às prisões superlotadas e desumanas que geram a incapacidade de reabilitarmos e aumentam os índices de reincidência. É o modelo da desmilitarização da polícia para torná-la mais eficaz e mais humana. Acima de tudo é um modelo-projeto que combata o modelo-projeto de manutenção e marginalização da pobreza.

Hoje o resultado foi o mesmo de sempre: inocentes mortos, estudantes e trabalhadores no meio do fogo cruzado. Na periferia, claro. Nada além disso.
Não avançamos nem um milésimo por cento contra a violência.


Por Victor Davidovich (militante do PSOL CABO FRIO) via facebook.

2 comentários :

  1. Muito bom texto. Só acho que não dá para abrir mão neste momento da dura repressão. Tem bandido demais.

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  2. Vem, vamos embora/ Que esperar não é saber/Quem sabe faz a hora/ Não espera acontecer

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