quarta-feira, 30 de outubro de 2013

DESPOLITIZAÇÃO DA POLÍTICA




Na derrota que se seguiu às grandes manifestações da França de 1968, alguns dos intelectuais mais radicais do movimento caíram no niilismo, sempre presente nos períodos históricos de refluxos nas lutas populares. E se assumiram. Saíram do armário e, sem escamoteações semânticas, fundaram a “Nouvelle Droite” – A Nova Direita. Perdiam a esperança na mudança de regime e se acomodavam à ordem em vigor.
Alain de Benoist, Andre Gluksman e Bernard Henry Levy, lideranças do movimento estudantil rebelde de então, passaram a pontificar no combate aos ex-companheiros de luta anticapitalista, ao qual se incorporou mais tarde o midiático Cohn Bendit.
País de sociedade definida na sua divisão política, desde a Revolução de 1789; ali não existe espaço para a hipocrisia ideológica. Esquerda é esquerda (socialista, anarquista ou comunista), e direita é direita (republicana ou fascista). Sem vergonha. Sem pejo. Ficando a cúpula social-liberal (os socialdemocratas de ontem) numa posição de “melhoria do que aí está”, mas sob pressão de um forte componente de esquerda, tanto no quadro partidário quanto na base social eleitoral.
No Brasil, não é assim. Pelo contrário. Dissimulação, cretinice parlamentar e incoerência programática são características marcantes de nossa suposta democracia representativa. Ninguém se assume como conservador. De direita, nem pensar. São todos de uma suposta “centro-esquerda” que, no apoio ao governo lulo-pragmático, vai do Partido Progressista (sic), de Maluf, ao PC do B dos ruralistas.
Nesse pacto de anormais estaria o “atraso”, segundo uma oposição claramente de direita nos parâmetros europeus, mas que aqui se auto-define como “moderna; aquela que apoia de forma explícita a tríade do neoliberalismo mais desabrido – superávit nas contas públicas, câmbio flutuante e meta de inflação, a chamada “austeridade fiscal”, hoje considerada por muitos de seus patronos de primeira hora responsável pela crise na qual o capitalismo ocidental anda mergulhado. Trata-se do segmento que se divide entre tucanos, ex-pefelistas e sua mais recente adesão, a “renovadora” Rede Sustentabilidade.
Sim, a “renovação” marineira seria a nossa versão de “nova direita”, fosse aquilo que se pretende ser: transparente. Pelas mais recentes declarações de sua líder, que diferenças fundamentais a legenda original guarda em relação à oposição tucana para dela querer se diferenciar? Que diferenças fundamentais ela guarda da política implementada pela dobradinha Palocci-Meirelles, do primeiro governo Lula, ou da vaga privatista que assola a atual administração Dilma Rousseff, para delas querer se diferenciar? Não é governo nem oposição conservadora, mas defende de forma enfática a restauração dos princípios macroeconômicos implantados pelo governo FHC.
Estamos, portanto, mantido tal cenário, condenados a ver a próxima campanha presidencial limitada à disputa da chave do cofre, entre grupos com fantasias distintas, mas com a mesma visão programática. Todos alinhados com o sistema financeiro privado e disputando um capitalismo dito sustentável, como se isso fosse possível
No Rio de Janeiro, a partir dos encontros discretos, recentes, posteriores às manifestações multitudinárias, de Lula com Cabral Filho e Pezão, e da decisão “rupturista” recente do PC do B com o governo do qual fez parte antes mesmo da posse, o quadro é ainda mais explícito.
O neoPT lança a candidatura Lindbergh, mas protela a devolução das duas bolsas-secretarias que mantém no governo. Faz silêncio sobre os amplos espaços que ocupa na aba do chapéu de Eduardo Paes, como se fosse adversário do governo estadual, de quem é parceiro.
O PC do B, por sua vez, rompe e lança Jandira ao governo (já se colocando para a dobradinha no Senado com a candidatura Lindbergh). Mas afirma que não rompe com o PMDB. Rompe com que, afinal?
O resumo da ópera é um teatro de horrores. É o mergulho sem volta na despolitização total da grande política. É o caminho da mediocridade institucional, que gera o caldo de cultura para o “sou contra tudo isso que está aí”, hoje alcançando significativa expressão nos segmentos jovens e desencantados de nossa sociedade civil. Nas urnas de 2014, está a esperança de uma mudança urgente e necessária. O que está aí é que não pode continuar.


Milton Temer é jornalista, ex-deputado federal pelo PT histórico, hoje membro da Direção Nacional do PSOL.

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