sábado, 24 de agosto de 2013

COM ÉTICA E SEM VESTAIS




Para mudar os costumes políticos, é preciso um amplo movimento da cidadania, de fora para dentro das instâncias de poder.
Não há nuvem pesada de instabilidade institucional no horizonte, mas nossa República tem limitações crônicas e vive uma crise latente de legitimidade.
Para compreendê-las e começar a superá-las, vale ir até Aristóteles (século 4º a.C.). Na concepção aristotélica, política é a realização da ética do bem comum -que hoje chamamos de interesse público, em oposição aos negócios privados. Para o filósofo da razão, a felicidade individual dos virtuosos não era incompatível com a coletiva, a ser construída na polis.
Assim, a política está para esse sentido ético e social como a engenharia está para a edificação, a medicina está para a saúde e a economia está para a repartição mais justa dos bens. Sem cumprir suas finalidades, todas as “ciências” são uma contrafação grosseira de si mesmas. A política degenera-se em politicagem.
Na vida política nacional, rotinizadas as eleições gerais desde o início dos anos 80 do século passado, muitos se movem apenas visando a reprodução dos próprios mandatos, transformados em empresas ou OGs (organizações governamentais) com fins lucrativos. No discurso de justificação do status quo, faz-se “o possível”. Perpetuam-se o patrimonialismo, a personalização e o clientelismo, arrimados na crescente influência do poder econômico nos pleitos.
Nem tudo é só fisiologismo, porém: há aqueles que, comprometidos com o “necessário” para as maiorias empobrecidas, levam em conta a opinião dos “públicos” -grupos e classes- que representam, sempre convocados à participação permanente.
Há também os que não desprezam o senso comum, a chamada “opinião pública”, que se forma em torno de questões muito visíveis -o que não lhe dá razão sempre, como a história revela. E dialogam tanto com o “sujeito da esquina”, reconhecido como cidadão, quanto com a opinião publicada, discernindo seus interesses e sua importância fiscalizadora, por meio da necessária leitura crítica.
A recuperação ética, argamassa para qualquer reforma política substantiva, tem que se dar no plano “aristotélico” de novos hábitos, generalizados, e do compromisso com a moralidade pública, separando o público do privado.
Essa mudança não virá pela ação de “cruzados especiais”, depositários de uma suposta “reserva moral da nação”, virgens a proteger o fogo sagrado e perene da deusa Vesta, a da límpida pureza. Nem dependerá de paladinos que se arvoram em “palmatória do mundo”. O resgate da grandeza na política não será consolidado a partir do caráter individual de cada um, por mais notável que seja, como um certo “udenismo” de nossa cultura partidária pré-64 proclamou.
A atitude pessoal é um ponto de alinhavo do tecido, sem dúvida, mas não o compõe inteiro. Reconhecer e corrigir erros ou não subornar o guarda da esquina são atitudes meritórias, mas não incidem sobre o desvio de milhões dos cofres públicos perpetrado por quadrilhas do colarinho-branco.
Para mudar os nossos costumes políticos vigentes – do carreirismo, do paternalismo despolitizador, da oligarquização, da lucratividade máxima como êmulo e da hipocrisia -, é necessário um amplo movimento da cidadania, de fora para dentro das instâncias de poder, da sociedade para o Estado, envolvendo entidades, partidos, igrejas e lideranças de diferentes segmentos.
Que da opinião crítica dos diversos públicos, das várias opiniões publicadas e, quem sabe, de uma opinião pública consolidada em torno de uma plataforma mínima, republicana e democrática, se chegue a um novo patamar das relações políticas no Brasil.
Não se trata, aqui, de uma revolução nas relações de produção capitalistas, mas de reformas que garantam avanços no controle social para reduzir a corrupção sistêmica.
Isso implica, necessariamente, o combate tenaz a vícios políticos aqui realimentados há mais de um século.
O que se impõe agora tem como base o trinômio participação, austeridade e transparência. Para tornar cotidianos os princípios constitucionais da administração pública direta e indireta dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.
Simples assim. E difícil, mas possível e necessário.

“A política não é a arte do possível, e sim a de tornar possível o que é necessário”
Augusto Boal (1931-2009)


CHICO ALENCAR, licenciado em história pela UFF (Universidade Federal Fluminense) e mestre em educação pela FGV, é deputado federal pelo PSOL-RJ e professor de prática do ensino de história da Faculdade de Educação da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).

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