terça-feira, 24 de setembro de 2013

COMO MATAR UM JULGAMENTO




Na última quarta-feira, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu dar continuidade ao procedimento jurídico do chamado “mensalão”, abrindo as portas para a revisão das sentenças de vários condenados.

A reação popular a isso foi mínima, o que parece demonstrar um descolamento entre o interesse popular e os desdobramentos do julgamento. Há de perguntar a razão.

Talvez fosse o caso aqui de lembrar que o resultado do julgamento foi inicialmente saudado como capaz de elevar o patamar jurídico de luta contra a corrupção. Alguns acreditaram que, a partir dele, abria-se uma jurisprudência capaz de facilitar a criminalização de práticas cotidianas de assalto ao bem público. No entanto nada disso aconteceu.

Depois de julgada a fatia do escândalo envolvendo membros do governo e do Partido dos Trabalhadores (PT), era de esperar que a nossa suprema corte se voltasse com sede de justiça à outra ponta do problema, envolvendo os membros do PSDB e seus consorciados. Esta seria uma bela maneira de mostrar que os juízes não estavam agindo motivados pela mera felicidade de se transformarem em celebridades midiáticas, mas por um desejo imparcial e apartidário de justiça.

Ao que parece, eis aí um ledo engano. Senão, como explicar a lentidão inacreditável e a peculiar discrição que marcam o julgamento do outro lado do escândalo (alguém realmente lembra dele)?

Essa parcialidade matou tudo o que o julgamento poderia representar. Assim, do ponto de vista de sua potência política, ele perdeu completamente seu interesse.

Na verdade, quem mais ganharia com um desfecho completo do problema do mensalão seria uma esquerda brasileira renovada. Pois ela conseguiria se livrar da chantagem dos que procuraram transformar toda tentativa de julgar os erros e a corrupção de certos grupos governistas em luta ideológica.

Ela também poderia ver selado o reconhecimento de que os dois maiores consórcios de poder dos últimos 20 anos tinham se afundado nas mesmas práticas, o que colocaria de maneira mais evidente a necessidade urgente de rever os impasses reais que corroem a carcomida política brasileira. Entretanto, mais uma vez, nada disso aconteceu.

Que ao menos fique a lição de que nenhuma nova invenção democrática neste país será possível sem um processo amplo, geral e irrestrito de combate à corrupção, no qual o último mensaleiro petista será, enfim, enforcado nas tripas do último mensaleiro tucano.

Vladimir Safatle é professor de Filosofia da USP.

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