quinta-feira, 26 de setembro de 2013

REFLEXÕES DE UM PROFESSOR POR ROGÉRIO CARVALHO




Foi com se de repente tivesse caído em mim. Aquela sensação impactante de se ver inserido num quadro. Quase uma experiência de projeção astral. Ali estava eu sentado em uma sala de aula de frente para alunos de uma turma da EJA. A maioria deles integram a parte do gigante que continua dormindo. Pensei no conteúdo que estava prestes a lhes oferecer, senti meu ombros caírem. Busquei legitimidade na matriz curricular, mas meus ombros continuaram caídos. Muitos estavam preocupados em disfarçar o uso do celular, alguns olhavam pro alto outros conversavam alto e outros quase cochilavam. E nenhum segundo havia se passado. O tempo havia parado. No turbilhão de pensamentos me perguntei se a formula pequeno burguesa que havia funcionado comigo a duras penas lhes era compatível. Qual abordagem seguir? A quem privilegiar? Aquele senhor que havia parado de estudar há 40 anos para ajudar no sustento da família? Os meninos de 16 que foram "convidados" a estudar no 3º turno pela incompatibilidade criada pela distorção idade/série? Os repetentes indisciplinados que adotaram um postura de "não quero" quando na verdade trazem um "não consigo" devido às suas ignoradas limitações cognitivas?
O que eu estava prestes a fazer? Reproduzir o discurso ideológico da classe dominante?Como oferecer uma reflexão do passado a quem apenas o presente importa? Nem um segundo havia se passado.
Já havia sentido isso antes de forma racional. Mas agora tratava-se de uma constatação profunda da necessidade de uma reforma para além da metodologia, da arte/-educação, das avaliações diferenciadas, das músicas didáticas. Sabia que já agregava valor, mas de uma forma intuitiva, empírica e quase sacerdotal. Mas eles não precisam de um sacerdote, não precisam de doutrinação. Eles carecem de liberdade. Carecem de libertação intelectual. Precisam se livrar das concepções que foram criadas pelos que os escravizam, das correntes da mídia que todos os dias lhes insiste em dizer o quão são fracassados. Precisam se descalçar os sapatos apertados que lhes torturam a alma. Aqueles senhores e aqueles jovens precisam de humanização. Muitos não enxergam os limites da vida em sociedade e num instante, de vítimas se fazem algozes.Oprimem os seus. Furam a fila do jantar, se tornam opressores para experimentar. E nem um segundo havia se passado.
Naquele momento eu me senti despreparado; como que emburrecido pelas minhas certezas. Um ignorante detentor dos alfarrábios da História. O conteúdo precisa fazer sentido.Mas e a matriz? Mas o que farão com esse conteúdo a ser empurrado nessa aula que eu havia planejado? Qual seria o plano agora?
Imprimindo sobre mim uma certo esforço me libertei daquele segundo eterno. Me levantei enquanto alguns alunos automaticamente abriam seus cadernos como numa reza mecânica.Então alguém quase afirmando me perguntou:"Vai começar a falar professor?" Suspirei e disse :Não! Hoje vocês falarão. Pode começar com você. Onde você pretende estar daqui há 5 anos?

Rogério Carvalho é Professor de História e presidente do PSOL Cabo Frio.

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